Como a censura no exterior altera filmes como "Superman"
23 de julho de 2025
Cinéfilos na Índia se enfureceram ao descobrir que um beijo de 33 segundos em Superman (James Gunn, 2025) foi transformado em uma singela bitoca pela censura no país. Apesar de o filme só ser liberado para maiores de 13 anos, o Comitê Central de Certificação de Cinema da Índia (CBFC, na sigla em inglês) achou que era preciso suavizar a aproximação "sensual demais", nas palavras deles.
Quando o CBFC foi criado, em 1952, sua atribuição oficial era certificar filmes segundo classificações etárias. Desde então, contudo, o órgão se notabilizou mesmo por seu papel de censura.
Exemplos recentes de alterações em grandes produções de Hollywood incluem a substituição de um emoji de um dedo médio estirado exibido em F1 – O Filme (Joseph Kosinski) por um punho cerrado; o silenciamento de xingamentos em Thunderbolts* (Jake Schreier) e Missão Impossível - O Acerto Final (Christopher McQuarrie), todos lançados este ano; e a edição posterior de uma cena de Oppenheimer (Christopher Nolan, 2023) para acobertar a nudez da atriz Florence Pugh, toscamente coberta com um vestido gerado por computação gráfica.
"Se uma cena é destinada a audiências maduras, deveria simplesmente ser classificada apropriadamente", argumenta a escritora Disha Bijolia em um artigo para a revista online indiana Homegrown. "Em vez disso, o CBFC repetidamente interfere na visão de um cineasta, atravessando o roteiro, interrompendo arcos emocionais e simplificando as intenções por trás de narrativas inteiras."
Às vezes, divulgar versões censuradas é mais eficaz que banir obras completamente
Além da prática comum de banir filmes completamente, a divulgação de versões alternativas é uma estratégia bem estabelecida em muitos países, não só na Índia.
Regimes autoritários sabem que mesmo se um filme for banido, ainda poderá circular ilegalmente, e isso os motiva a distribuir suas próprias versões "mais adequadas".
Muito antes que a inteligência artificial se tornasse uma ferramenta amplamente disponível, o Irã já havia equipado seus censores com tecnologia digital avançada em 2010, para permitir alterações em diálogos e imagens que não atendessem aos ideais de modéstia do islã.
A atuação foi detalhada em uma reportagem de 2012 na revista The Atlantic, ilustrada com imagens que comparam as cenas originais às retocadas pela censura iraniana. O resultado: mulheres que desaparecem do enquadramento, ou que têm seus decotes encobertos por objetos ou roupas. Até mesmo o torso desnudo de Will Ferrell é ocultado por uma parede na comédia Ricky Bobby: A Toda Velocidade (Adam McKay, 2006).
LGBTQ+ nas telas? Nem pensar!
Desvios da cisheteronormatividade – ou seja, tudo que foge do padrão heterossexual ou do binário homem-mulher definido com base no sexo biológico – também continuam a ser um tabu em muitos países.
Cenas que fazem referência à homossexualidade do cantor Freddie Mercury, do Queen, foram deletadas das versões de Bohemian Rhapsody (Bryan Singer e Dexter Fletcher, 2018) em diversos países, como o Egito. A Human Rights Watch denunciou a hipocrisia do governo egípcio à época, que festejou a vitória no Oscar do protagonista Rami Malek, filho de egípcios cristãos, mas não permitiu que ele falasse publicamente sobre o filme no país.
Na Rússia, o musical biográfico Rocketman (Dexter Fletcher, 2019), sobre a vida de Elton John, teve cerca de cinco minutos de filmagem removidas – principalmente cenas de beijos e atos sexuais entre homens.
Mas a censura não partiu originalmente do Kremlin. A própria distribuidora russa da película se antecipou e fez cortes "preventivos" para se adequar a uma "lei anti-gay" de 2013 que bane a promoção de tudo que é associado ao universo LGBTQ+.
O cantor Elton John à época denunciou a censura como "triste reflexo do mundo dividido em que ainda vivemos e como ele ainda pode tão cruelmente rejeitar o amor entre duas pessoas".
Drogas, não; stripper, sim, por que não?
Ainda que muitos grandes estúdios de Hollywood não distribuam mais seus filmes na Rússia desde que o país escancarou sua guerra contra a Ucrânia, em 2022, algumas películas ocidentais continuam a ser lançadas nos cinemas russos ou em plataformas de streaming que operam por lá.
Um exemplo recente de filme que circulou na Rússia em versão ligeiramente alterada é Anora (Sean Baker, 2024), premiado com cinco Oscars, entre eles o de melhor filme, e estrelado por atores russos, como Yura Borisov.
Enquanto as cenas em que a stripper protagonizada por Mikey Madison aparece nua foram inalteradas, censores mudaram o enquadramento de outras cenas para encobrir o consumo de drogas, como mostrou o site independente Meduza.
Turquia edita até mesmo cigarros e álcool
Na Turquia, um filme como Anora jamais seria exibido na TV. O governo de Recep Tayyip Erdogan forçou cerca 95% da mídia nacional a se alinhar aos valores conservadores do partido AKP.
As emissoras costumam evitar principalmente cenas de sexo e personagens LGBTQ+. Temas históricos que promovam "retórica antiturca" podem ser problemáticos. Álcool e cigarros também são tabu, e alguns canais adotam soluções criativas para censurar esses itens.
Para se antecipar à censura, alguns estúdios de Hollywood lançam suas próprias versões editadas.
A Sony Pictures, por exemplo, preparou uma versão alternativa de Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017) para a Turquia e outros mercados não ocidentais, removendo ou reenquadrando cenas de nudez, como observou o crítico turco de cinema Burak Göral. A associação nacional de críticos de filmes Siyad condenou a iniciativa em carta aberta e tachou-a de "insulto" ao público cinéfilo turco.
Finais alternativos na China
Outro país famoso por censurar filmes é a China.
As diretrizes oficiais do governo proíbem, entre outras coisas, a "promoção de cultos ou superstições". Por isso, a exibição da refilmagem de Caça-Fantasmas (Paul Feig, 2016) foi barrada no país, mesmo depois de ser rebatizada. Já a animação Coco (Adrian Molina e Lee Unkrich, 2017), que trata do Dia dos Mortos no México, foi surpreendentemente liberada um ano depois.
Entre as grandes produções alteradas pela censura chinesa estão 007 - Operação Skyfall (Sam Mendes, 2012), que teve legendas alteradas e uma cena em que um guarda chinês é morto removida, para não dar a impressão de que Pequim é incapaz de proteger seu território de agentes estrangeiros.
Outro blockbluster censurado foi a versãodo relançamento em 3D de Titanic (James Cameron, 1997), que teve em 2012 a nudez da protagonista Kate Winslet reenquadrada e escondida. "Considerando os vívidos efeitos 3D, nosso receio é que espectadores possam estender suas mãos para tocá-la e isso atrapalhe outros espectadores", justificou um oficial chinês na ocasião.
Em 2022, usuários de redes sociais ridicularizaram o desfecho alternativo da censura para a animação Minions 2: A Origem de Gru. Na versão original, os vilões Gru e Willy Kobra fogem das autoridades após Kobra fingir a própria morte. Mas na versão chinesa, alterada com frames de baixa qualidade, Kobra é preso por 20 anos e forma um grupo de teatro na cadeia, enquanto Gru simplesmente "volta para a família" e a paternidade se torna seu "maior feito".
Como Hollywood joga junto com a censura
Estúdios de Hollywood também produzem suas próprias versões alternativas para o lucrativo mercado chinês, a fim de evitar a censura estatal.
Pequim começou a admitir um número limitado de filmes americanos por ano em 1994. À medida que grandes estúdios começaram a competir pelo acesso a essas escassas e lucrativas vagas, eles também passaram a adaptar seus roteiros para agradar a um mercado de 1,4 bilhão de pessoas.
Um relatório de 2020 da organização sem fins lucrativos PEN denunciou a tendência crescente de produtores dispostos a alterar suas obras para torná-la mais palatável aos censores chineses, tomando decisões "difíceis e perturbadoras" em termos de liberdade de expressão.
Um caso exemplar é o do filme Homem de Ferro 3 (Shane Black, 2013). Enquanto alterações geralmente costumam encurtar filmes, neste caso a película da Marvel ganhou quatro minutos extras, com cenas exclusivas dos chineses Fan Bingbing e Wang Xueqi, bem como merchandising de uma marca local de leite – que, na versão chinesa, ajuda o Homem de Ferro a se recuperar de um ferimento.