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Como a coalizão de governo da Alemanha se desintegrou

Publicado 7 de novembro de 2024Última atualização 7 de novembro de 2024

Social-democratas, verdes e liberais governaram juntos por três anos. No início, de forma surpreendentemente harmônica. Mas as diferenças políticas logo se sobrepuseram, especialmente quando o dinheiro acabou.

Olaf Scholz, Christian Lindner e Robert Habeck olhando para a frente
O chanceler federal alemão Olaf Scholz (centro), o ex-ministro das Finanças Christian Lindner (à esquerda) e o ministro da Economia Robert HabeckFoto: Ben Kriemann/PicOne/picture alliance

"Com frequência, acordos necessários foram abafados por disputas encenadas publicamente e demandas ideológicas em voz alta. Com frequência, o ministro Lindner bloqueou leis de forma inapropriada. Com frequência, ele se envolveu em táticas político-partidárias mesquinhas, com frequência ele quebrou minha confiança."

A profunda frustração do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, ficou evidente quando ele anunciou oficialmente a demissão do ministro das Finanças, Christian Lindner, às 21h15 (horário local) desta quarta-feira (06/11). "Como chanceler federal, não posso tolerar isso."

Nos últimos três anos, durante os quais seu Partido Social Democrata (SPD) governou ao lado dos verdes e do Partido Liberal Democrático (FDP), de Lindner, ele apresentou diversas sugestões sobre "como uma coalizão de três partidos diferentes pode chegar a bons acordos", disse Scholz. Isso muitas vezes foi difícil e "às vezes levou suas convicções políticas ao limite".

Scholz durante o anúncio da demissão de LindnerFoto: ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images

Mas o dia decisivo para o início do fim da primeira aliança de três partidos na história da República Federal da Alemanha foi bem antes, em 15 de novembro de 2023, quando o Tribunal Constitucional Federal declarou inconstitucionais partes da política orçamentária do governo federal.

Tratava-se de cerca de 60 bilhões de euros que a Suprema Corte alemã proibiu de serem usados. Durante a pandemia de covid-19, o Bundestag havia aprovado que o governo tomasse empréstimos extras para atenuar os efeitos econômicos da luta contra o coronavírus, mas nem todo esse dinheiro acabou sendo necessário.

Em uma de suas primeiras decisões, a nova coalizão de governo decidiu usar a sobra de 60 bilhões de euros para financiar sua política climática e energética. Só que isso era inconstitucional.

Base financeira da coalizão

Eram esses bilhões que tornaram possível encaixar dentro de um orçamento as convicções políticas de partidos tão díspares. O SPD e o Partido Verde são essencialmente partidos de centro-esquerda favoráveis a um Estado forte e defendem a emissão de dívidas para financiar políticas sociais e de proteção climática, se necessário.

O FDP, economicamente liberal, é da opinião oposta. Os liberais são favoráveis à diminuição dos gastos estatais e a cortes nos impostos. O Estado só deve intervir na economia em casos excepcionais e conter os seus gastos o máximo possível. Durante a campanha eleitoral, o partido prometeu reorganizar o Orçamento e cumprir o chamado freio do endividamento, incluído em 2009 na Lei Fundamental (Constituição) com o objetivo de reduzir a dívida pública.

Lindner comandava a pasta das Finanças desde dezembro de 2021Foto: JOHN MACDOUGALL/AFP

O fundo emergencial de 60 bilhões de euros, que não fazia parte do orçamento federal, preencheu a lacuna entre essas posições opostas. Ele foi, na prática, a base financeira da coalizão, pois possibilitou economizar dinheiro no orçamento e ao mesmo tempo destinar recursos às políticas social e climática dos dois partidos de centro-esquerda.

Selfie selou a paz

Os planos do novo governo eram ambiciosos: a Alemanha deveria se tornar pioneira na proteção climática, e 400 mil novas moradias deveriam ser construídas. O Estado de bem-estar social deveria ser modernizado, por exemplo com a ampliação da ajuda aos desempregados e a garantia de renda básica para famílias pobres com crianças. A relação entre o valor das aposentadorias e a renda média dos cidadãos deveria parar de cair e ser estabilizada em 48%, o salário mínimo deveria aumentar, e os gastos com pesquisa e desenvolvimento deveriam ser ampliados.

A aliança, que começou com uma selfie tirada pelo secretário-geral do FDP, Volker Wissing, e que inclui ainda os então líderes dos verdes, Annalena Baerbock e Robert Habeck, e o líder do FDP, Christian Lindner, funcionou bem no início. Alguns dias após a eleição de setembro de 2021, os quatro políticos postaram a foto em suas contas do Instagram ao mesmo tempo. A legenda dizia: "Na busca por um novo governo, estamos sondando pontos em comum e divisões. E até encontramos alguns. Tempos empolgantes".

Tudo começou com uma selfie: Volker Wissing e Christian Lindner, do FDP, junto com os verdes Annalena Baerbock e Robert HabeckFoto: Instagram/@volkerwissing/via Reuters

Verdes e liberais não poderiam ser mais diferentes em suas convicções políticas fundamentais. O parceiro preferido dos verdes era o SPD, que havia vencido a eleição. Porém, a dupla não tinha maioria parlamentar e, portanto, precisava do FDP. Essa situação criou o primeiro obstáculo na coalizão: os liberais sempre puderam agir com a autoconfiança de quem se sabia indispensável.

Nem cem dias de paz

Não faltou disposição para acertar. Na apresentação do acordo de coalizão, ouviu-se que era "enriquecedor" negociar com parceiros de posições tão diversas e que "opostos podiam se complementar".

Numa alusão ao nome pelo qual a coalizão ficou conhecida na Alemanha, Scholz, que seria confirmado no cargo pouco depois, lembrou o primeiro semáforo instalado na Alemanha, no largo Potsdamer Platz de Berlim em 1924. "Os cidadãos também estavam céticos na época – isso faz sentido, pode funcionar?", acrescentando que se tratava de uma "coalizão de igual para igual".

A promessa inicial de sempre conduzir discussões de forma confidencial e não tornar públicas medidas provisórias não durou nem cem dias. É, porém, necessário dizer que nenhuma coalizão de governo anterior havia enfrentado desafios tão grandes já nas primeiras semanas no poder: a pandemia de covid-19 ainda não havia sido superada, a Rússia invadiu a Ucrânia, e a Alemanha entrou numa crise energética.

Habeck na Ucrânia com o presidente ucraniano Volodimir Zelenski em abril de 2023Foto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance

A primeira rachadura na fachada da coalizão surgiu em março de 2022, quando Lindner, o ministro das Finanças, apresentou na mídia a ideia de conceder uma redução de impostos na gasolina e no diesel devido à explosão nos preços dos combustíveis. O Partido Verde, pego de surpresa, reagiu com irritação e rejeitou a ideia – também em público.

A partir de então, o tom mudou e foi ficando cada vez mais duro. A lei para modernizar o aquecimento nas moradias, a remodelação da ajuda aos desempregados, o freio do endividamento, refugiados e migração – tema após tema, as rivalidades se tornavam mais visíveis e dificultavam o trabalho do governo.

A conta veio com a queda dos índices de aprovação e popularidade do governo, e a primeira coalizão de três partidos da história da República Federal da Alemanha se tornou também a mais impopular.

As discussões eram dominadas pela questão financeira. SPD e Partido Verde tinham ressalvas quanto ao freio do endividamento, e a lista de despesas urgentes não parava de crescer: ajuda à Ucrânia, acolhimento de refugiados, reforma das Forças Armadas, investimentos em infraestrutura foram apenas alguns dos tópicos. O FDP, porém, queria economizar.

Eleições regionais selaram fim

Nem a sentença do Tribunal Federal Constitucional de novembro de 2023 demoveu os liberais dessa posição. A resistência do SPD e dos verdes às medidas de austeridade do ministro das Finanças, porém, continuou a crescer, e a negociações sobre o Orçamento de 2025 terminaram com a apresentação de um projeto com uma lacuna de cerca de 12 bilhões de euros ao Bundestag, em setembro de 2024.

Nessa mesma época foram realizadas três eleições estaduais no Leste Alemão. Nunca partidos no poder em Berlim tiveram um desempenho tão ruim em nível estadual quanto SPD, verdes e FDP tiveram na Turíngia e na Saxônia. O SPD ao menos conseguiu se sair bem em Brandemburgo. Já os liberais foram duramente derrotados e ficaram fora dos legislativos nos três estados.

Após as eleições, Lindner disse que a coalizão de governo estava perante um "outono de decisões" e elencou uma série de medidas que deveriam servir de orientação para os parceiros. O clima dentro da coalizão piorou de vez. A copresidente do SPD Saskia Esken o repreendeu no jornal Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung, dizendo que o FDP estava "provocando" porque estava "desesperadamente" tentando melhorar sua imagem. Ela acusou Lindner, que havia falado sobre um "outono de decisões", de que "esse malabarismo com datas e ultimatos é a expressão da natureza de um jogador".

No entanto, SPD e verdes também se concentraram em melhorar a própria imagem. E, assim, a busca por compromissos necessária para o funcionamento de uma coalizão de governo não era mais possível.

O que acontece agora?

Um dia após a demissão de Lindner, que é o líder da FDP, os outros ministros da legenda também entregaram seus cargos, com exceção do ministro dos Transportes, Volker Wissing, que decidiu deixar seu partido e continuar na equipe de governo.

Já Jorg Kukies, 56 anos, conselheiro próximo de Olaf Scholz, será o novo ministro das Finanças alemão. O economista trabalhou por muitos anos no banco de investimentos Goldman Sachs e também foi secretário-executivo no Ministério das Finanças.

Os substitutos para os ministros da Pesquisa e da Justiça devem ser anunciados ainda nesta quinta-feira, segundo a agência de notícias alemã DPA.

Até o final do ano, Scholz quer colocar em votação uma série de projetos de lei urgentes, e em janeiro se submeterá a um voto de confiança no Bundestag, previsto para 15 de janeiro. "Isso permitirá que os membros do Bundestag decidam se querem abrir caminho para eleições antecipadas." A eleição poderia então ocorrer até o final de março, o mais tardar, em conformidade com os prazos estipulados na Lei Fundamental alemã.