Como a Coreia do Norte vem perdendo influência na África
10 de novembro de 2023
Especialistas dizem que muitas nações do Sul Global consideram mais arriscado ter Pyongyang como parceiro diplomático. País também começou a concentrar suas relações diplomáticas na Rússia.
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No final de outubro, os embaixadores da Coreia do Norte em Angola e em Uganda despediram-se dos líderes locais, com os meios de comunicação sul-coreanos especulando que mais embaixadas norte-coreanas na África poderiam ser forçadas a fechar nos próximos meses devido às dificuldades financeiras de Pyongyang.
"É claro que eles estão tendo problemas financeiros, e a sua posição internacional está se tornando cada vez mais isolada, mas também pode ser que Pyongyang já não tenha realmente um interesse direto em alguns destes países", diz Lim Eun-jung, professora de estudos internacionais na Universidade Nacional de Kongju, na Coreia do Sul.
"Apesar das sanções, a Coreia do Norte não está completamente falida, e é provável que queira concentrar seus recursos financeiros nas suas capacidades nucleares e de mísseis de longo alcance, assim como no satélite de vigilância que prometeram lançar num futuro próximo", afirma ela à DW.
Papel encolhe na África
Lim acrescenta que a Coreia do Norte não está recebendo uma recepção tão calorosa em muitos países africanos como costumava receber.
Angola, por exemplo, aceitou cerca de 3 mil "conselheiros” militares nas décadas de 1970 e 1980. Estas tropas foram encarregadas de treinar tropas locais, mas também lutaram contra as forças sul-africanas.
Mas o governo angolano começou a se distanciar da Coreia do Norte em 2019, quando, sob pressão da ONU, deportou quase 300 norte-coreanos.
As tropas norte-coreanas também treinaram militares ugandenses, inclusive em artes marciais, e houve sugestões de que armas leves norte-coreanas foram importadas para o país.
Pyongyang cultivou laços estreitos com a Etiópia e o Quênia e foi um aliado de longa data do Zimbábue, que ainda em 2013 assinou um acordo para exportar bolo amarelo (material composto de urânio) das suas minas em Kanyemba para a Coreia do Norte. Pyongyang pagou pelo combustível nuclear com armas.
"Resta saber se a pressão internacional sobre estes governos será suficiente para encorajá-los a distanciarem-se agora", diz Lim.
Aproximação com a Rússia
"Muitos países do Sul Global veem agora um risco maior em ter laços estreitos com a Coreia do Norte e já não a veem como um parceiro diplomático desejável", ressalta a especialista. "O comportamento da Coreia do Norte tem sido muitas vezes ultrajante para a comunidade internacional, e eles não irão mais tolerar isso."
No entanto, a Coreia do Norte agiu rapidamente para compensar essa situação, segundo Lim.
"O país se aproximou muito mais de Moscou para a sua própria sobrevivência, o que não é algo inesperado”, acrescenta.
"Imediatamente depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia no ano passado, a Coreia do Norte declarou apoio e agora está fornecendo munições e outras armas para a guerra. Em troca, está recebendo combustível e alimentos, ambas coisas de que necessita desesperadamente, mas que não pode obter dos países africanos."
Toshimitsu Shigemura, professor da Universidade Waseda de Tóquio e especialista na liderança norte-coreana, concorda que o elevado custo da operação de missões diplomáticas no estrangeiro deve ter sido um fator importante por detrás da decisão de Pyongyang de encerrar algumas delas, mas há outras considerações.
"As embaixadas da Coreia do Norte não recebem nenhum dinheiro de Pyongyang e são forçadas a ganhar os seus próprios rendimentos", diz ele.
Ele acrescenta que a maneira mais fácil de fazer isso é muitas vezes ilegal, com diplomatas norte-coreanos tendo sido implicados no passado no contrabando de cigarros falsificados, moeda, narcóticos sintéticos, armas e até chifres de rinoceronte, muitas vezes através da bolsa diplomática.
"No entanto, muitos países tomaram conhecimento dos subterfúgios de Pyongyang e tornaram muito mais difícil para os diplomatas o contrabando", lembra Shigemura.
O jornal japonês Yomiuri também noticiou que a Coreia do Norte fechará o consulado que abriu em Hong Kong em 1999, dois anos depois de a antiga colônia britânica ter sido devolvida ao controle chinês.
O consulado tem sido amplamente visto como uma das estações externas mais importantes da Coreia do Norte e, ignorado pelas autoridades chinesas, esteve envolvido nos esforços para contornar as sanções, organizando remessas ilícitas de combustível e outros produtos proibidos que poderiam ser transferidos no mar para navios norte-coreanos.
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Fuga de diplomatas
"Também acredito que a Coreia do Norte esteja preocupada com a fuga de mais diplomatas, o que tem sido uma grande fonte de constrangimento no passado”, ressalta Shigemura.
Thae Yong-ho, antigo vice-embaixador em Londres, desertou com a sua família em 2016 e desde então foi eleito para o Parlamento sul-coreano, onde é um crítico veemente de Pyongyang.
Da mesma forma, o antigo embaixador norte-coreano na Itália, Jo Song-gil, desapareceu com a sua esposa em 2020 e agora vive na Coreia do Sul, enquanto no ano seguinte Ryu Hyun-woo, o antigo enviado interino ao Kuwait, também desertou.
"Muitos destes diplomatas gostavam de viver no estrangeiro e não queriam regressar à Coreia do Norte, por isso desertaram", afirma Shigemura.
"Para os líderes de Pyongyang, isso é traição, mas também é humilhante."
Guerra da Coreia, 70 anos depois
Combates na península coreana duraram mais de três anos. De um lado, o sul, apoiado pela ONU. Do outro, o norte, reforçado por China e URSS. Guerra acabou em 1953, com milhões de mortos e a divisão das Coreias cimentada.
Foto: AP
Fronteira da Guerra Fria
Em 27 de julho de 1950, as tropas da comunista Coreia do Norte atravessam o Paralelo 38, iniciando uma verdadeira campanha de ocupação. Em poucos dias, praticamente todo o país estava sob seu controle. É o início de uma guerra que durará 37 meses, custando 4,5 milhões de vidas humanas, segundo certas estimativas.
Foto: AFP/Getty Images
Antecedentes
Depois de ser ocupada pelo Japão de 1910 a 1945, a Coreia estava dividida desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O território acima do 38º paralelo norte ficou sob controle soviético, o do sul, na mão dos EUA. Em agosto de 1948, Seul proclama a República da Coreia. Em reação, o general Kim Il-sung cria no norte a República Popular Democrática da Coreia, em 9 de setembro do mesmo ano.
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Reforço da ONU
Seguindo o avanço dos norte-coreanos sobre o Paralelo 38, a partir de julho de 1950 as Nações Unidas decidem dar apoio militar à Coreia do Sul, por pressão dos EUA. São enviados para a península 40 mil soldados de mais de 20 países, entre os quais 36 mil norte-americanos. A sorte parece ter virado: logo os Aliados conseguem ocupar quase todo o país.
Foto: AFP/Getty Images
Codinome Operação Chromite
Em 15 de setembro de 1950, tropas ocidentais sob o comando do general Douglas MacArthur desembarcam perto da cidade portuária de Incheon, no sudoeste, capturando uma base central de suporte do Norte. Pouco depois, Seul está novamente na mão dos Aliados, que em outubro também ocupam Pyongyang. O fim da guerra parece próximo. Mas aí a China envia tropas de apoio aos norte-coreanos.
Foto: picture alliance/AP Photo
Ajuda de Mao
Em meados de outubro iniciava-se a intervenção chinesa. De início, a ajuda parte apenas de unidades de pequeno porte. No final do mês ocorre a primeira mobilização em grande escala na Coreia do Norte do "exército de voluntários" de Mao. Em 5 de dezembro, Pyongyang – única capital comunista ocupada por tropas ocidentais durante a Guerra Fria – está novamente nas mãos de norte-coreanos e chineses.
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Pró e contra a bomba atômica
Em janeiro de 1951 começa uma grande ofensiva da Coreia do Norte, com apoio chinês. Cerca de 400 mil chineses e 100 mil norte-coreanos forçam as tropas aliadas a recuar fortemente. Em abril, o general MacArthur é destituído de seu posto, depois que o presidente Harry Truman lhe ordenara usar bombas atômicas contra a China. Seu sucessor é o general Matthew B. Ridgway.
Foto: picture-alliance/dpa
Guerra de exaustão
Em meados de 1951, mais ou menos na altura da linha de demarcação que separava o Norte e o Sul antes da guerra, as forças oponentes chegam a um impasse. A partir daí, começa uma encarniçada guerra de exaustão, que durará até o fim das operações de combate, dois anos mais tarde – embora as negociações de paz já tivessem sido iniciadas em julho de 1951.
Foto: Keystone/Getty Images
Batalha de ideologias
O conflito entre as Coreias é considerado a primeira "guerra por procuração" entre o Ocidente capitalista e o Oriente comunista. A maior parte dos soldados lutando nas tropas da ONU vinha dos Estados Unidos. No lado oposto, os norte-coreanos contaram com o reforço de centenas de milhares de chineses e russos.
Foto: AFP/Getty Images
Coreia do Norte em ruínas
Desde o início, foi uma guerra de ataques aéreos e bombardeios. Durante os três anos de combates, as forças aéreas das Nações Unidas realizaram mais de 1 milhão de operações. Ao todo, os americanos lançaram cerca de 450 mil toneladas de bombas, inclusive de napalm, sobre a Coreia do Norte. A destruição foi extensa: ao fim da guerra, quase todas grandes cidades estavam arrasadas.
Foto: AFP/Getty Images
Estimativas conflitantes
Quando, em 1953, as tropas aliadas se retiram da península coreana, o saldo é de milhões de mortos. Os dados sobre o número de soldados caídos são conflitantes. Calcula-se que morreram cerca de meio milhão de militares coreanos, assim como 400 mil chineses. Os Aliados registram 40 mil vítimas, 90% delas americanos.
Foto: Keystone/Getty Images
Troca de prisioneiros
Ainda durante os combates, de meados de maio a início de abril de 1953, ocorreu a primeira troca de presos entre os dois lados. Até o fim do ano, mais detentos seriam repatriados. A ONU devolveu mais de 75 mil norte-coreanos e quase 6.700 chineses. O outro lado soltou 13.500 pessoas, entre as quais 8.300 sul-coreanos e 3.700 soldados dos EUA.
Foto: Keystone/Getty Images
Cessar-fogo
Após mais de dois anos, as negociações de cessar-fogo iniciadas em 10 de julho de 1951 culminam no Armistício de Panmunjom. A divisão da península está sedimentada: o 38º paralelo norte é definido com fronteira entre as Coreias do Norte e do Sul. Mas como um tratado de paz nunca foi assinado, do ponto de vista do direito internacional os dois países se encontram até hoje em estado de guerra.
Foto: AFP/Getty Images
Terra de ninguém
O idílio na cidade fronteiriça de Panmunjom é enganoso. Até hoje, a fronteira ao longo do Paralelo 38 é a mais rigorosamente vigiada do mundo. Ao longo da linha estipulada no acordo de armistício de 1953, o Norte e o Sul são separados por uma zona desmilitarizada de cerca de 250 quilômetros de extensão e 4 quilômetros de largura. Aqui, soldados de ambos os lados se defrontam diariamente.