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Como a escravidão sobrevive na Alemanha

23 de agosto de 2018

A escravidão ainda existe de modo oculto em muitos lugares, inclusive na Alemanha. Uma das formas mais disseminadas de exploração no país é a prostituição forçada. Grande parte das vítimas é do Leste Europeu.

Prostitutas esperam por clientes na rua
Em 2017, foram registrados 327 processos sobre prostituição forçada na Alemanha, envolvendo 500 vítimasFoto: picture-alliance/dpa/B. Roessler

Nesta quinta-feira (23/08), é celebrado o Dia Internacional da Lembrança do Tráfico de Escravos e de sua Abolição. De acordo com estimativas do Índice Global de Escravidão, da fundação australiana Walk Free, mais de 40 milhões de pessoas vivem em regime de escravidão moderna, e 167 mil delas estão na Alemanha. Isso corresponde a cerca de 0,2% da população do país.

Enquanto a escravidão histórica era baseada numa relação de propriedade legalmente reconhecida de uma pessoa sobre outra, o trabalho escravo hoje funciona de forma diferente.

"Embora a escravidão não seja mais legal, ela é como um camaleão, continuando a viver de forma oculta", frisa Dietmar Roller, diretor do escritório alemão da organização de direitos humanos International Justice Mission (IJM).

Uma característica fundamental é, segundo a fundação Free Walk, que as pessoas "não conseguem evitar ou se livrar de situações de exploração devido a ameaças, coerção, violência, fraudes ou abuso de poder".

A escravidão moderna é, segundo a entidade, um termo genérico que define várias formas de subjugação e exploração, nas quais também podem ser incluídos o tráfico humano, a escravidão por dívida e os casamentos forçados. Os limites sobre o que pode ou não ser chamado de escravidão são frequentemente tênues.

Isso não se aplica apenas a países como a Líbia, o Catar ou a República Democrática do Congo, que regularmente ocupam as manchetes com diferentes formas de escravidão. O tráfico de pessoas e o trabalho escravo também estão se tornando mais comuns na Europa, segundo advertência emitida em abril pelo Conselho da Europa – em particular o tráfico de seres humanos para fins de exploração trabalhista.

Na Alemanha, são afetados muitos imigrantes que trabalham na indústria da construção civil e na gastronomia, segundo dados do governo do país. Também há casos em áreas como trabalho doméstico, processamento de carne, agricultura e transporte. No ano passado, foi registrado um total de 180 vítimas em 11 investigações criminais, a maioria delas originárias do Leste Europeu.

Ainda mais difundida na Alemanha é a exploração sexual. "A Alemanha é o bordel da Europa", diz Dietmar Roller, do IJM, acrescentando haver um grande número de prostitutas forçadas no país. Segundo as autoridades policiais alemãs, em 2017 foram registrados 327 processos, envolvendo 500 vítimas.

Enquanto o trabalho forçado faz mais vítimas entre homens, a grande maioria dos afetados pela exploração sexual são do sexo feminino. Segundo estatísticas do governo alemão, os principais países de origem das vítimas são Bulgária, Romênia e, em terceiro lugar, a própria Alemanha. Também foi registrada um aumento sensível do número de vítimas nigerianas.

"Lover boy"

Muitas mulheres são atraídas para a prostituição após serem ludibriadas com falsas promessas, não conseguindo mais sair dela. Entre os truques mais conhecidos está o chamado método do "lover boy”, em que cafetões enganam jovens mulheres fingindo estarem apaixonados por elas e as levam a se prostituir, explorando a dependência emocional criada. Muitas vezes, eles alegam ter muitas dívidas, afirmando necessitarem urgentemente de ajuda para quitá-las.

Roller afirma que nos últimos anos outro tipo de exploração sexual tem aumentado: a realizada pela internet. "Por exemplo, clientes alemães podem alugar uma criança nas Filipinas por cerca de uma hora, a qual, então, têm que fazer o que eles quiserem em frente à webcam", diz o especialista.

Este exemplo, assim como a origem estrangeira de muitas vítimas na Alemanha, mostra que a escravidão moderna não se restringe às fronteiras nacionais, mas é um fenômeno global, com atores globalmente conectados.

Há dois anos, a economista Evi Hartmann causou furor na Alemanha com o livro Wie viele Sklaven halten Sie? (Quantos escravos você mantém?, em tradução livre). A obra afirma que o alemão mediano mantém cerca de 60 escravos indiretamente, através de seus hábitos de consumo.

"Só ao comprar roupas ou produtos contendo matérias-primas de zonas de conflito, promovem-se condições de trabalho semelhantes à escravidão em outras partes do mundo", ressalta Roller. "O mesmo ocorre ao se comprar peixe da Tailândia, onde o trabalho forçado em barcos de pesca é generalizado."

Risco entre menores

Quando se fala em escravidão moderna, não deve ser esquecido que particularmente os menores de idade correm risco de serem vítimas de tais estruturas – também na Alemanha. Num dos mais chocantes casos de abuso infantil de que se tem conhecimento no país, um tribunal condenou no começo do mês uma mãe e seu parceiro por abusarem sexualmente, repetidas vezes, do filho da mulher, hoje com dez anos de idade, além de vendê-lo na internet para sexo.

Nos últimos anos, os casamentos forçados também se tornaram foco das autoridades. A polícia na Alemanha registra entre 50 e 60 casos por ano.

Em termos de combate à escravidão moderna, ainda há um longo caminho a se percorrer na Alemanha e em outras partes do mundo.

"Na maioria das vezes o que está em jogo é o dinheiro. Por isso, temos que tornar os modelos de negócios para os que nele atuam pouco atraentes", afirma Roller.

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