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Como a extrema direita chega ao centro da sociedade

Nicolas Martin ca
10 de setembro de 2018

Na Alemanha, avanço dos populistas de direita expandiu a fronteira do que pode ser dito: discursos que antes eram tabu agora se tornaram o normal – também em partes do centro da sociedade.

Político da AfD Björn Höcke em manifestação da extrema direita em ChemnitzFoto: picture-alliance/dpa/R. Hirschberger

No vídeo postado nas redes sociais alemãs sob o título Dunya's Lehrstunde (A lição de Dunya), manifestantes bradam em direção à apresentadora de televisão alemã Dunja Hayali: "Não somos de extrema direita, droga!"

Hayali foi a Chemnitz debater com os participantes da manifestação que reuniu apoiadores da legenda populista de direita AfD (Alternativa para a Alemanha), do movimento anti-islã Pegida e do grupo populista de direita Pro Chemnitz.

"Aqui há também pessoas de centro", gritou um homem, que se irrita quando a apresentadora tenta falar sobre a diferença entre direita e extrema direita.

A convicção desses manifestantes mostra que ideias de extrema direita já chegaram ao centro da sociedade, avalia o pesquisador Johannes Kiess, da Universidade de Siegen, coeditor do Leipziger Mitte Studie (Estudos de Centro de Leipzig). A cada dois anos, os cientistas procuram determinar, através de pesquisas, as posições na camada média da sociedade. "É cada vez menos tabu defender posições extremistas de direita claras", observa Kiess.

O pesquisador analisa que isso se tornou possível também porque posições nacionalistas e antissemitas ocupam cada vez menos espaço nas declarações de grupos de extrema direita. "Com os muçulmanos, os grupos de extrema direita criaram um novo inimigo, que é muito mais adequado para o centro da sociedade", aponta Kiess.

Por isso, muitas pessoas com posições de extrema direita não veem mais a si mesmas como tal, pois não se trata mais das associações típicas ao nazismo.

"Extremistas de direita nunca descrevem a si mesmos como tal. Também não é um fenômeno novo que não queiram ser vistos como de direita ou de esquerda", comenta o pesquisador Steffen Kailitz, do Instituto Hannah Arendt de Pesquisa sobre o Totalitarismo. "Os fascistas italianos e parte dos nazistas sempre insistiram em não serem vistos como de direita ou de esquerda", afirma Kailitz.

De olho no centro da sociedade alemã, a ala nacionalista da AfD e o movimento xenófobo Pegida perseguem a estratégia de um "radicalismo sério", que tenta se posicionar no debate político e social sem apelar ao ódio e à violência. "Slogans como 'imprensa da mentira' ou 'resistência', que foram bradados nas manifestações em Chemnitz, devem ser vistos nesse contexto", diz Kailitz.

Para o diretor do Instituto da Democracia e Sociedade Civil (IDZ), Matthias Quent, posições de extrema direita sempre existiram no centro da sociedade alemã. "A diferença é que a AfD soube mobilizar esse potencial e apresentar esse ressentimento latente como alternativa política", comenta.

Nesse contexto, uma estratégia bem-sucedida da AfD é a expansão da fronteira do que pode ser dito, ponta Kiess. Políticos da AfD reiteradamente fazem declarações radicais, que eles mesmos depois parcialmente desmentem, afirmando que foram mal interpretados.

Exemplos dessa estratégia são a banalização do nazismo, por parte do copresidente do partido Alexander Gauland, como mero "cocô de passarinho" na longa história alemã, ou a designação por parte de Björn Höcke (líder da bancada da AfD na Turíngia) do Memorial do Holocausto de "monumento da vergonha".

Segundo Kiess, o objetivo de declarações como essas é forçar, na cabeça das pessoas, um deslocamento da fronteira do que pode ser dito. Embora mais tarde a AfD tenha se distanciado ou relativizado as declarações, elas chegaram à mídia e à opinião pública, mudando a percepção. "Algo que antes era tabu se torna normal – também em partes do centro da sociedade", diz.

Kailitz observa que os acontecimentos de Chemnitz comprovam como as posições extremistas se deslocaram para o centro. "A AfD não teve nenhum problema em liderar uma manifestação ao lado de extremistas de direita e documentá-la com imagens midiáticas." Há dois anos, a então líder partidária Frauke Petry, que se opunha à ala de extrema direita do partido liderada por Höcke, teria tentado impedir isso com todos os meios, acrescenta Kailitz.

Mas não somente os limites do que pode ser dito são expandidos como também o abismo entre as visões de mundo dos apoiadores e críticos da AfD. Por exemplo, a vice-líder da bancada parlamentar da AfD, Beatrix von Storch, chamou, em sua conta do Twitter, o público do show antiextremismo Wir sind mehr (Nós somos mais) de "súditos de Merkel". "Vocês são execráveis e dançam sobre túmulos", escreveu.

Com tais declarações, o que está em jogo é impor uma "interpretação pseudomoralista dos acontecimentos em Chemnitz", afirma Quent.

"O massacre continua", tuitou Alice Weidel (copresidente da bancada parlamentar da AfD) em resposta ao assassinato em Chemnitz. Especialmente a instrumentalização de casos chocantes, que envolvem refugiados ou outros migrantes, é o foco de ação dos radicais de direita, explica Quent. "A emocionalização impede uma visão objetiva da realidade."

A AfD usa a violência que vem dos refugiados para solidificar sua posição junto à população, afirma Kailitz. Para impedir que posições de extrema direita se estabeleçam no centro da sociedade, é preciso impedir que a AfD consiga determinar o debate político e atribuir todos os problemas sociais na Alemanha à imigração, afirma Kailitz.

Os pesquisadores concordam que a Alemanha não é um país de extrema direita. Mas, segundo Quent,o extremismo de direita tem um potencial entre 10% e 20% da população. "Para mim, a questão mais importante é como a maioria lida com esse potencial."

A polarização está crescendo, adverte Kailitz. "É perigoso quando apenas se fala sobre os outros e nunca com os outros." Isso também ficou claro na visita de Dunja Hayali a Chemnitz. "O que eles querem aqui? Eles deveriam mandá-los de volta para casa", gritaram algumas vozes em sua direção.

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