Como a guerra ao terror muda sem mulá Omar
30 de julho de 2015A recompensa oferecida pelos Estados Unidos por sua captura era de 10 milhões de dólares. Mas a Justiça do Velho Oeste americano não tem efeito no Sul da Ásia: o mulá Mohammed Omar já estava morto pelo menos desde 2013, aparentemente vítima de tuberculose.
Os EUA não mediram esforços após o 11 de Setembro. Nem mesmo sua Constituição foi um obstáculo. Mas, apesar de mais de uma década de guerra, com campanhas sistemáticas de vigilância, detenção e tortura, o líder talibã foi capaz de ludibriar o muitas vezes impiedoso espírito de vingança americano.
"O mulá Omar conseguiu se proteger não apenas do público, mas também de seus próprios camaradas do Talibã", diz Anand Gopal, autor do livro "No good men among the living" ("nenhum homem bom entre os vivos", em tradução livre, sem edição no Brasil), sobre a relação dos afegãos com a guerra. "São muito poucos os que tiveram acesso a ele desde 2001. Nos últimos quatro ou cinco anos, ele praticamente desapareceu."
Abrigo à Al Qaeda
Como Osama bin Laden, o líder talibã provavelmente cruzou a fronteira do Afeganistão com o Paquistão e encontrou refúgio no território de um dos maiores aliados americanos na região.
"Os esforços inadequados do Estado paquistanês para ir atrás desses indivíduos e o enorme número de refugiados afegãos tornaram relativamente fácil para o mulá Omar encontrar abrigo no Paquistão", afirma Daniel Markey, autor de "No exit from Pakistan" ("Sem saída do Paquistão", em tradução livre, também sem edição no Brasil).
O líder talibã não foi o mentor do 11 de Setembro. Mas deu o abrigo que a Al Qaeda precisava para planejar os maiores ataques em solo americano desde o bombardeio japonês a Pearl Harbor.
Foi o mulá Omar também que se recusou a entregar Bin Laden aos EUA, abrindo caminho para que os americanos iniciassem os 14 anos de ocupação no Afeganistão, que já deixaram dezenas de milhares de mortos.
"E isso apesar do fato de que a maioria dos membros do Talibã era a favor de entregar Bin Laden", afirma Gopal. "Omar foi colocado numa posição muito difícil: ele estava liderando um Estado islâmico, mas não tinha credenciais muçulmanas muito boas."
Segundo Gopal, o mulá Omar tinha plena consciência desse dilema. E estava preocupado com as consequência que uma possível entrega de Bin Laden a um país não islâmico teria na base de apoio do Talibã.
Processo de paz sob risco
Todas as nações têm suas mitologias. O "Emirado Islâmico do Afeganistão", como o Talibã se refere a si mesmo, não é exceção. O mulá Omar vestia um manto supostamente usado pelo profeta Maomé, mantinha um santuário em Kandahar e se declarava o líder de todos os muçulmanos do mundo.
Segundo Markey, a mitologia em torno de Omar manteve o Talibã unificado durante os implacáveis bombardeios americanos ao Afeganistão em 2001 e as conseguintes invasão e ocupação. Quase uma década e meia depois, o Talibã ainda representa uma potencial ameaça ao governo apoiado pelos EUA em Cabul.
Mas a história teve uma reviravolta irônica: em 2001, o mulá Omar era um símbolo de intransigência, mas agora os EUA precisavam dele. As negociações de paz no Afeganistão só serão possíveis se houver um Talibã unido do outro lado da mesa – e há dúvidas se seu novo líder, o mulá Mohammad Mansour, será capaz disso.
Apesar de o mulá Omar e Osama bin Laden estarem mortos, não há previsão de fim para a "guerra ao terror" dos EUA. O "Estado Islâmico", antigo afiliado da Al Qaeda, emergiu das ruínas do Iraque e da Síria. Outro senhor da guerra, Abu Bakr al-Baghdadi, se declarou líder de todos os muçulmanos.
Uma das preocupações para os EUA é que, caso haja um racha no Talibã, alguns membros da organização podem se juntar às fileiras do "Estado Islâmico".
"A guerra ao terror é uma máquina que cria inimigos à medida que avança", afirma Gopal. "Começou com Bin Laden, o mulá Omar e o Talibã. Agora temos o EI. Amanhã poderemos ter algum outro."