Inseridos incialmente dentro do contexto da crise global da democracia representativa, guinada conservadora e eleição de Bolsonaro obscureceram visão sobre esses protestos no exterior.
Anúncio
O dia 20 de junho de 2013 é considerado o auge das "Jornadas de Junho" quando mais de 1 milhão de pessoas saem às ruas de 388 cidades, incluindo 22 capitais. É também o momento da virada antipartidária, quando os manifestantes reagiram à captura dos protestos pelo partido que estava no poder, o PT – um prenúncio da crescente polarização, que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
"2013 no Brasil vem no contexto de várias manifestações fora do Brasil", avalia o cientista político Carlos Melo do Insper à DW. Ele cita movimentos como a Primavera Árabe, manifestações inspiradas no Occupy Wall Street, de 2011, ou as manifestações na Espanha. "2013 expressava um mal-estar geral, não só no Brasil.".
Melo lembra que, no caso brasileiro, os protestos começaram por um aspecto específico, o aumento das passagens de ônibus em São Paulo. "Mas, significava muito mais, pois havia partes que estavam aí escondidas, talvez nem conscientes."
Naquele momento, uma parte da esquerda viu uma oportunidade para avançar em políticas públicas, como a gratuidade do transporte público. Por outro lado, setores da classe média, que ainda nem se sabiam conservadores, aproveitaram para soltar um grito de mal-estar, principalmente contra a má qualidade dos serviços públicos e o mal uso de dinheiro público, avalia Melo.
As manifestações, com suas pautas difusas e nenhuma liderança clara, foram, em essência, um protesto contra o sistema político brasileiro, avalia Guilherme Casarões, cientista político da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) à DW. "O fato de ter sido um protesto antissistema, contra o establishment político, e a incapacidade do próprio sistema de conseguir reagir às demandas, acabou permitindo que esse movimento fosse capturado por forças de direita e de extrema-direita. A forma como essas manifestações mudaram, ao longo dos próximos anos, ajudou a criar o contexto para a ascensão de Bolsonaro."
O olhar de fora
A imprensa internacional observou os protestos de junho de 2013 de perto. E, naquele momento, com bons olhos, avalia Casarões. "Em 2013, havia uma expectativa daqueles que estavam olhando de fora, de que esses movimentos pudessem fortalecer a própria democracia brasileira. Eram movimentos vistos como uma demanda por mais democracia, apesar de alguns episódios de violência, por parte de black blocs e da polícia."
Uma década de crises fez o Brasil perder uma geração?
10:18
A partir de 2015, a imprensa internacional notou, porém, que a direção que esses protestos tomaram revelava um processo de polarização crescente da política brasileira. "Com a eleição de Bolsonaro, houve a percepção de que a semente que foi plantada em 2013 acabou gerando um movimento muito forte contra as instituições políticas brasileiras. E Bolsonaro soube aproveitar muito bem esse momento."
Com isso, os estrangeiros começaram a ver uma certa fragilidade da democracia brasileira, avalia Casarões. "Durante muito tempo, lá fora sempre se celebrou que o Brasil tinha conseguido superar uma ditadura militar, que construiu uma democracia aberta e estável." Tal otimismo começou a ser desconstruído a partir de 2013, não somente no exterior, mas também dentro do próprio Brasil. "Infelizmente, a grande consequência de 2013 é uma perda progressiva de confiança nas instituições democráticas, que acabaram revelando um lado mais autoritário de certos grupos."
Anúncio
O protesto continua válido
Para o ex-embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, a imagem do Brasil no exterior não sofreu com os protestos de 2013, mas com o governo Bolsonaro, e, principalmente, com a sua política ambiental. Segundo ele, as manifestações foram, em certo sentido, positivas, pois sempre se achava a população passiva demais, sem tomar iniciativas e sem protestar.
"Nós vimos em 2013, que a população era capaz de ser ativa e de fazer conhecer o seu sentimento de insatisfação", diz Ricupero à DW. Assim, elas mudaram a forma como o mundo enxergava o Brasil. "A imagem do brasileiro humilde e bonzinho, que aguenta tudo, acabou com os protestos de 2013."
Aquela insatisfação, que iniciou o Junho de 2013, ainda existe, avalia Ricupero. "Não sei qual será a próxima etapa. Mas ao meu ver, se não houver uma resposta às expectativas, é capaz de amanhã haver protestos novamente."
Pelo menos, a eleição de Lula gerou um certo alívio, consta Ricupero. "Os estrangeiros olharam preocupados para o Brasil, por causa de Bolsonaro e da Amazônia. Agora, eles têm um olhar mais esperançoso, mas vai depender muito do êxito desse governo."
Glossário dos protestos de junho de 2013
"O gigante acordou", MPL, black blocs, "padrão Fifa", Mídia Ninja, "não é só por 20 centavos": relembre as palavras e expressões que dominaram o noticiário sobre os protestos de junho de 2013.
Foto: Nelson Antoine/AP/picture alliance
20 centavos
Em 2 de junho de 2013, entrou em vigor um reajuste de 20 centavos nas passagens de ônibus, trens e metrô em São Paulo, com a nova tarifa passando para R$ 3,20. Nos meses anteriores, cidades como Natal (RN), Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO) já haviam sido palco de protestos contra reajustes. Mas foram os protestos de São Paulo que deram impulso para um movimento nacional.
Foto: picture-alliance/AP
MPL
Os primeiros protestos de junho de 2013 em São Paulo, que seriam o embrião das manifestações que tomaram o país, foram organizados pelo braço paulistano do Movimento Passe Livre (MPL), um grupo descentralizado e sem liderança clara. Com a bandeira da gratuidade no transporte público, o MPL tinha membros ligados à esquerda, mas se definia como "apartidário" e "independente".
Foto: Miguel Schincariol/AFP/Getty Images
"Saímos do Facebook"
O primeiro protesto do MPL, em 3 de junho, teve pouca adesão. Mas isso mudou com as redes sociais, com convocações que passaram a atrair diretamente participantes com princípios ou bandeiras semelhantes. Quando o movimento ganhou força, manifestantes exibiram nos protestos cartazes com frases como "saímos do Facebook".
Foto: Reuters
Black blocs
O terceiro grande protesto em SP, em 11 de junho, chegou ao fim após alguns manifestantes atirarem coquetéis molotov contra um terminal de ônibus. No dia seguinte, o termo "black bloc" começou a aparecer na imprensa para descrever esses manifestantes encapuzados que promoviam vandalismo. O termo descreve uma tática de confronto associada a movimentos anarquistas da Alemanha Ocidental dos anos 80.
Foto: picture alliance / ZUMA Press
"Retomar a Paulista"
As manifestações em SP entre os dias 6 e 11 de junho provocaram críticas de autoridades, e parte da imprensa passou a exigir providências para garantir que vias não fossem bloqueadas. Em 13 de junho, o jornal "Folha de S.Paulo" publicou um editorial com o título "Retomar a Paulista". "É hora de pôr um ponto final nisso", dizia o texto. O cenário estava montado para a repressão do dia 13 de junho.
Foto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images
"Sem violência!"
Em 13 de junho, sem advertência, PMs dispararam gás e balas de borracha contra manifestantes em SP, inclusive pessoas que tentavam fugir gritando "sem violência!". Nas horas seguintes, PMs atacaram jornalistas, moradores e clientes de bares. A noite terminou com mais de 230 presos. Em vez de dissuadir os protestos, no entanto, a violência da PM acabou por alimentá-los.
Foto: picture-alliance/dpa
"Não é só por 20 centavos"
O então governador de SP, Geraldo Alckmin, defendeu a ação da polícia em 13 de junho. No entanto, choveram críticas de grupos da sociedade civil e até de setores da imprensa sobre os excessos. Protestos foram organizados no exterior em apoio aos manifestantes no Brasil. Novas manifestações foram convocadas. "Não é por centavos, é por direitos", dizia um panfleto distribuído na capital.
Foto: Marcelo Camargo/ABr
"O gigante acordou"
A repressão de 13 de junho alimentou o movimento. Enormes manifestações tomaram conta do país em 17 de junho, levando cerca de 250 mil pessoas às ruas. A noite do dia 17 foi palco de algumas das imagens mais emblemáticas das jornadas de junho de 2013, como a invasão do telhado do Congresso Nacional e a depredação da Alerj. Manifestantes entoaram gritos como "o povo acordou" e "o gigante acordou".
Foto: Marcelo Camargo/ABr
"Padrão Fifa"
As manifestações de 17 de junho e 20 de junho no país passaram a incluir pautas que iam do "passe livre", cobranças por melhorias em serviços públicos e por medidas para conter a violência urbana e a corrupção (tema que recebeu atenção em 2012 com o julgamento do Mensalão) até reclamações sobre os custos da Copa. Cartazes exigindo saúde e educação "padrão Fifa" tomaram conta das manifestações.
Foto: Y.Chiba/AFP/GettyImages
Mídia Ninja
Em 18 de junho, na Avenida Paulista, um grupo incendiou um painel da Coca-Cola. A cena foi capturada por celulares, que transmitiram tudo ao vivo nas redes sociais. Foi a primeira transmissão de impacto da Mídia Ninja, uma "teia" de colaboradores criada em 2011 e ligada ao coletivo Fora do Eixo. A transmissão, mesmo com todas as limitações da época, foi acompanhada por 100 mil pessoas.
Foto: MidiaNINJA
"Sem partido!"
Em 20 de junho, o Brasil foi palco dos maiores protestos das jornadas de 2013. Mas essas manifestações também foram marcadas por uma virada antipartidária. Militantes de legendas de esquerda foram agredidos em SP e RJ sob gritos de "sem partido!". Suas bandeiras foram tomadas, rasgadas e queimadas. A violência levou o MPL a cancelar a convocação de novos atos.
Foto: Reuters
"Ocupa Cabral"
Em 21 de junho, manifestantes montaram um acampamento em frente à residência do então governador do Rio, Sérgio Cabral, no bairro do Leblon. O movimento acabou tendo diferentes etapas, com protestos em frente à casa do político sendo registrados até outubro. O Rio também foi palco de protestos violentos ao longo de junho, que incluíram atos de vandalismo contra a sede da Assembleia Legislativa
Foto: picture-alliance/dpa
Constituinte
Em 24 de junho, em meio à crise, a então presidente Dilma Rousseff propôs a adoção de cinco "pactos nacionais". A ideia mais chamativa – e controversa – envolveu a convocação de um plebiscito para que o eleitorado fosse consultado sobre a convocação de uma constituinte que trataria exclusivamente da reforma política. O plano foi abandonado em 24 horas, diante da má repercussão e críticas.
Foto: Reuters/Ueslei Marcelino
Pulverização
Após o MPL de SP desistir de convocar novas manifestações, o movimento começou a perder força. Em SP e outros locais, houve uma pulverização, com protestos menores e de pautas diversas. Em 26 de junho, em SP, houve protestos distintos que expressaram insatisfação contra a chamada "cura gay", a contratação de médicos estrangeiros e até mesmo de manifestantes que pediam uma "intervenção militar".