Como a invasão pelos EUA transformou o Afeganistão
Shamil Shams
7 de outubro de 2021
Há 20 anos, tropas lideradas pelos EUA entraram no Afeganistão e derrubaram o regime fundamentalista islâmico do Talibã. Hoje, os militantes estão de volta ao poder, mas o Afeganistão ainda é o mesmo?
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Em 7 de outubro de 2001, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão para se vingar dos ataques terroristas de 11 de setembro orquestrados pela Al Qaeda. O objetivo principal da invasão americana era caçar Osama bin Laden e punir o Talibã por fornecer um porto seguro aos líderes do grupo terrorista.
Desmantelar o regime talibã não exigiu muito esforço por parte dos EUA. Bin Laden, no entanto, conseguiu escapar. O ex-chefe da Al Qaeda acabaria sendo morto em 2011 por tropas americanas na cidade de Abbottabad, no Paquistão.
Em grande parte, a invasão foi um sucesso – embora os combatentes do Talibã e da Al Qaeda tenham permanecido ariscos, conseguindo se reagrupar poucos anos após o governo de Hamid Karzai, apoiado pelo Ocidente, assumir o poder em Cabul.
Em 2005, o Talibã já havia recuperado grande parte do poder perdido e lançado um movimento violento para desafiar a presença da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no país.
No entanto, para muitos afegãos, a invasão americana e o subsequente colapso do regime talibã trouxeram uma mudança positiva. Os eventos deram início a uma nova era, com muitos passando a ver o futuro de seu país de forma positiva.
O que deu certo?
A invasão liderada pelos EUA impulsionou a economia do Afeganistão. O sistema de saúde, a educação e a qualidade de vida em geral nas grandes cidades melhoraram substancialmente. O trabalho de reconstrução e desenvolvimento começou, e novos empregos foram criados para o povo afegão.
"Os primeiros quatro anos após a invasão americana foram relativamente bons", comentou à DW Ahmad Wali, um afegão de 30 anos da cidade de Ghazni.
Um breve resumo da história do Talibã
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Nematullah Tanin, jornalista baseado em Cabul, concorda: "Pudemos escrever nossa própria Constituição e tínhamos uma democracia em funcionamento. Essas continuam sendo nossas maiores conquistas."
Arezo Askarzada, professora de uma universidade de Cabul, conta que vivia como refugiada no Paquistão antes de as forças da Otan invadirem o Afeganistão. Após a invasão, ela e sua família voltaram ao país natal em busca de um futuro melhor.
"Tivemos que reconstruir tudo. Apesar das dificuldades, os últimos 20 anos foram os melhores da minha vida. Pude estudar e depois comecei a ensinar outras pessoas, inclusive mulheres."
O que deu errado?
O otimismo não durou muito. Em 2003, os Estados Unidos se envolveram na guerra do Iraque, na esperança de que o governo Karzai, com o apoio das forças ocidentais, sufocasse uma insurgência nascente e colocasse o Afeganistão no caminho do progresso.
"Em momentos críticos da luta pelo Afeganistão, o governo [George W.] Bush desviou os escassos recursos de inteligência e reconstrução para o Iraque, inclusive equipes de elite da CIA e unidades das Forças Especiais envolvidas na caça aos terroristas", escreveu o jornal The New York Times em agosto de 2007.
"Por muito tempo, críticos do presidente Bush afirmaram que a guerra do Iraque reduziu os esforços dos Estados Unidos no Afeganistão, o que o governo negava, mas um exame de como a política se desenrolou dentro do governo revela uma profunda divisão sobre como proceder no Afeganistão e uma série de decisões que às vezes pareciam relegá-lo a um segundo plano, à medida que o Iraque se entrava em colapso", acrescentou o Times.
De 2005 em diante, as autoridades americanas continuaram a acusar o Paquistão de fornecer asilo para militantes do Talibã. Mas Washington nunca colocou pressão suficiente sobre Islamabad para lidar com a questão.
Economia do Afeganistão à beira do colapso
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O ressurgimento do Talibã na segunda metade dos anos 2000 viu um aumento da violência no país. Ataques suicidas com bombas se tornaram rotina, e os civis pagaram um preço alto.
"Tudo mudou para pior. Havia ataques diários e confrontos armados em nossa região", recorda Ahmad Wali. "Muita gente que eu conhecia havia perdido a vida. Perdemos nossas casas e tudo o que possuíamos."
Políticas fracassadas
Akram Arife, professor da Universidade de Cabul, acredita que os EUA estavam fadados ao fracasso: "Washington deveria saber que não havia solução militar para o conflito afegão. Os EUA deveriam ter procurado outras soluções depois da invasão."
Para o especialista, os EUA se concentraram demais em Cabul e acabaram ignorando outras partes do país. "A maioria dos políticos apoiados por Washington não tinha uma conexão profunda com os afegãos. Sua compreensão da sociedade afegã era falha, certamente insuficiente para dirigir o governo", critica o docente, acrescentando que as mudanças não foram orgânicas e, portanto, não duraram depois que as forças americanas deixaram o país.
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Um país diferente
O Talibã assumiu o controle de Cabul em 15 de agosto, sem enfrentar qualquer resistência das forças do presidente Ashraf Ghani. Seu retorno ao poder levantou muitas questões sobre as duas décadas de presença militar americana. Por exemplo, o que os EUA alcançaram no Afeganistão, depois de gastar tanto tempo e dinheiro no país devastado pela guerra?
"Perdemos tudo o que havíamos construído nos últimos 20 anos, depois que o Talibã voltou ao poder", conta a professora Askarzada. "Estou de volta ao mesmo lugar onde estava 20 anos atrás. Não posso mais trabalhar."
Como o Talibã se financia?
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Embora o retorno do Talibã seja um revés para a intervenção ocidental no Afeganistão, do ponto de vista afegão a invasão dos EUA não foi um fracasso total.
Especialistas dizem que a sociedade afegã mudou tremendamente desde a invasão americana – tanto que o Talibã também sente a necessidade de apresentar uma face "benigna" e "moderada" a seus compatriotas e à comunidade internacional. Após a tomada de Cabul, o grupo militante prometeu formar um governo inclusivo e disse que o novo regime será qualitativamente diferente do estabelecido antes da invasão dos EUA.
A classe média se expandiu no país, e o número de cidadãos instruídos e empreendedores também cresceu nas últimas duas décadas. Diferentes grupos – incluindo mulheres, acadêmicos e cidadãos comuns – estão protestando contra o governo do Talibã em diferentes regiões.
Definitivamente, o Talibã se encontra num país diferente.
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.