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Como a polícia americana se protege e mantém seu poder

Julia Mahncke ca
9 de junho de 2020

Nas últimas décadas, departamentos de polícia dos EUA acumularam poder significativo por meio de leis que garantem orçamentos turbinados, alto nível de imunidade e pouca supervisão.

USA Los Angeles | Tod George Floyd durch Polizeigewalt in Minneapolis | Protest & Ausschreitungen
Foto: Reuters/P.T. Fallon

A mais recente proposta orçamentária da cidade de Los Angeles provocou uma onda de indignação nas redes sociais. O prefeito Eric Garcetti pretendia aumentar a verba destinada à polícia, elevando-a para mais de 1,85 bilhão de dólares (3,03 bilhões de reais), de um orçamento total de 5,46 bilhões de dólares (27,02 bilhões de reais) ‒ a parcela mais alta alocada para um departamento da cidade.

Em comparação, o departamento de Habitação e Investimento Comunitário receberia menos de 82 milhões de dólares (406 milhões de reais), se o orçamento fosse aprovado.

Desde então, Garcetti prometeu transferir alguns dos fundos para iniciativas comunitárias, mas o valor destinado à polícia ainda é considerável. E Los Angeles não é exceção ‒ grandes orçamentos para departamentos de polícia são comuns nas cidades americanas. Segundo Stuart Schrader, sociólogo que realiza pesquisas na Universidade Johns Hopkins, os grandes orçamentos policiais derivam dos esforços lobistas que chegaram ao auge nos anos 1990: "A Associação Internacional de Chefes de Polícia (IACP) não tentou apenas moldar a legislação anticrime, mas também eleger autoridades que se explicam à polícia, e não o contrário", escreveu Schrader em ensaio de 2019 intitulado Para se proteger e servir a si mesma: a polícia na política dos EUA desde os anos 1960.

Com a diminuição dos índices de criminalidade ao longo dos anos, Schrader argumenta que os departamentos de polícia poderiam ser reduzidos em muitas regiões do país. Mas "em vez de permitir a evaporação dessas capacidades, a polícia as protege", escreve Schrader. "A polícia se tornou relutante em abandonar seus ganhos obtidos de forma competitiva, colocando a defesa de seus interesses a uma distância cada vez maior da consecução de sua missão nominal de controle do crime."

Apelo pela abolição da polícia

Agora, o movimento que pede o corte de verbas e a abolição total da polícia nos EUA está ganhando força. Ralikh Hayes, cofundador do grupo ativista Organizing Black, defende que os fundos destinados aos departamentos de polícia sejam usados de forma diferente.

Ele disse à DW que as cidades deveriam financiar "o processo criativo para testar outras ideias do que significa segurança e investir em coisas que sabemos que as pessoas

precisam. Porque sabemos que o crime geralmente é causado por eles não terem os recursos necessários."

"Como se pode ver em comunidades em toda a América, quando não há um policial à vista, esses condados são considerados perfeitamente seguros", falou Hayes. "Mas por que nossas comunidades cheias de polícia não são consideradas seguras?" Outra forma pela qual a polícia exerce influência sobre a preservação do status quo é mantendo confidenciais provas e informações. A compilação de dados sobre interações entre a polícia para fins de pesquisa pode ser difícil, disse Alyasah Sewell, professora de sociologia da Universidade Emory, em Atlanta, Geórgia.

Pesquisadores e iniciativas cidadãs precisam, muitas vezes, recorrer a relatos da mídia. Sewell observou que as estatísticas divulgadas pelos órgãos de polícia às vezes carecem de dados ‒ como raça ou gênero ‒ sobre as pessoas envolvidas numa determinada disputa. "Confiamos na polícia para nos contar o que aconteceu", disse Sewell à DW.

Reforma da polícia

A pesquisa realizada se concentra, frequentemente, nos esforços de reforma. Muitos especialistas concluíram que medidas como treinamento antipreconceito ou uso de câmeras corporais têm pouco efeito nas decisões tomadas por policiais.

Movimento para cortar verbas da polícia ganha força nos EUAFoto: picture-alliance/AP Photo/M. York

Um estudo da Universidade de Yale de 2017 constatou que as câmeras usadas no corpo têm "efeitos estatisticamente insignificantes no uso da força pela polícia e queixas civis, além de outras atividades policiais e resultados judiciais."

Policiais que matam cidadãos desarmados ou praticam violência contra eles enfrentam, na maioria das vezes, pouca ou nenhuma consequência, informou Niesha McCoy, membro da Coalizão de Justiça do Condado de Baltimore. O grupo está buscando estabelecer um modelo de supervisão civil para responsabilizar a polícia em sua comunidade.

"Os policiais possuem a chamada imunidade qualificada e, em alguns casos de má conduta, eles são apenas transferidos de um departamento para outro", disse McCoy. A doutrina de imunidade qualificada protege os policiais da responsabilidade quando são acusados de violar os direitos de uma pessoa.

Racismo individual ou social?

Quando um policial branco mata uma pessoa negra desarmada, esse policial costuma ser chamado de "maçã podre" por colegas, políticos e pelo público em geral. O termo implica que o agente em questão não representa um problema maior, mas é simplesmente um indivíduo com mal comportamento agindo num evento raro.

O consultor de segurança nacional Robert O'Brien seguiu essa linha de pensamento na emissora CNN nesta semana, ao ser entrevistado sobre o assassinato de George Floyd, um homem negro que morreu em Minneapolis após um policial branco pressionar seu pescoço com o joelho. Três dos colegas do policial simplesmente assistiram à cena. "Não acho que exista racismo sistêmico", disse O'Brien. "Acho que 99,9% de nossos policiais são grandes americanos. Mas sabe-se que há algumas 'maçãs podres'."

A socióloga Alyasah Sewell disse discordar e acreditar que não basta se concentrar em policiais individuais. "Um policial ruim é uma semente ruim", disse ela. "Ele cria um sistema de redes de conexão que o apoiam. Quando se corta uma maçã, não se chega à semente até que se esteja na metade dela. Mas se essa semente estiver podre, tudo que se corta estará infectado."

Atualmente, pode-se ver essa história nos departamentos policiais, de acordo com Sewell, cuja pesquisa se concentra no racismo estrutural. "É preciso realmente voltar ao tema da escravidão", disse. "Os capturadores de escravos evoluíram para o que a polícia é hoje. Ela acha que os negros e pardos são criminosos só de olhar para eles. E, uma vez que se chama alguém de criminoso, tem-se o direito de removê-lo da sociedade."

Nos EUA, a violência de órgãos federais e estaduais não é apenas tolerada, mas alguns afirmam que é incentivada pelo próprio presidente. No início da semana, Donald Trump disse aos governadores que a resposta deles aos protestos em andamento havia sido fraca. "Se vocês não tiverem o domínio, estarão perdendo seu tempo. Eles vão passar por cima de vocês. Vocês vão ficar parecendo com um bando de idiotas. Vocês têm que assegurar o domínio da situação", aconselhou Trump.

 

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