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Como a queda do 737 MAX gerou uma crise na aviação civil

Alexander Späth md
10 de março de 2020

Há um ano, o mundo foi abalado pela segunda queda de um avião Boeing 737 MAX em cinco meses, na Etiópia. Acidente ainda afeta o fabricante de aviões americano e todo o setor globalmente.

Aviões Boeing 737 MAX estacionados
Aviões 737 MAX estacionados nas instalações da Boeing em Seattle, nos EUAFoto: Reuters/G. He

Logo após um acidente aéreo, o interesse público costuma diminuir rapidamente, e os advogados assumem o controle. Não foi assim no escândalo do Boeing 737 MAX, que está voltando à tona nos Estados Unidos.

Questões sobre a segurança da última edição do jato mais vendido do mundo continuam chegando às manchetes, e o fabricante de aviões ainda se esforça para explicar uma série de erros que levaram a dois acidentes fatais, na Ásia e na África - há exatamente um ano nesta terça-feira (10/03), um avião da Ethiopian Airlines caiu pouco depois da decolagem do Aeroporto Internacional Bole, de Addis Abeba, o segundo acidente do novo 737 MAX em cinco meses.

O desenvolvimento do 737 Max "foi marcado por falhas no projeto técnico, falta de transparência e esforços para ofuscar informações sobre a operação da aeronave". Essa é a avaliação de um relatório preliminar emitido pela comissão de transporte da Câmara dos Representantes dos EUA no final da semana passada. "A Boeing e a FAA (sigla em inglês da Associação Federal de Aviação americana) colocaram em risco a segurança do público", afirma o texto, que também faz acusações ao órgão regulador de aviação dos EUA.

Num relatório interno publicado um dia antes do primeiro aniversário do acidente, investigadores etíopes culpam principalmente a Boeing pelo desastre, dizendo que havia defeitos no design do sistema de controle de voo, o que empurrou o nariz da aeronave para baixo repetidas vezes. O documento também diz que a Boeing não ofereceu treinamento suficente para pilotos.

Em outubro de 2018, um jato da companhia aérea Lion Air sofreu um destino semelhante, minutos depois de deixar a capital da Indonésia, Jacarta. Um total de 346 pessoas morreu nos dois desastres.

Dias depois do acidente na Etiópia, todos os 387 jatos Boeing 737 MAX já entregues às companhias aéreas tiveram seus voos suspensos. A produção desacelerou e foi completamente encerrada em dezembro. Hoje, mais que o dobro desse das aeronaves permanece no solo – fato inédito na história da aviação – e o futuro do modelo é mais incerto do que nunca.

A expectativa era que o Boeing 737 MAX pudesse voltar a voar em meados de 2020Foto: Reuters/L. Wasson

Assim que o relatório da Câmara dos EUA foi divulgado, o novo CEO da Boeing, David Calhoun, concedeu rara entrevista ao jornal The New York Times, insistindo que a magnitude dos problemas enfrentados pela empresa é "maior do que eu imaginava que seria". Ele também destacou as "fraquezas de nossa liderança".

Os comentários enfureceram muitos funcionários da Boeing. Afinal, foi o mesmo executivo que declarou anteriormente que seu antecessor, Dennis Muilenburg – demitido no final do ano passado – havia feito "tudo certo".

Muitos observadores duvidam que Calhoun seja a pessoa certa para ajudar a Boeing a reformar sua cultura corporativa. Afinal, dizem eles, ele contribuiu para o estado atual das coisas, pois está no conselho da Boeing desde 2009.

Reviravolta sem precedentes para a Boeing

Enquanto isso, a Boeing enfrenta multas massivas de pelo menos 25 milhões de dólares  por usar peças não certificadas no 737 MAX. As multas são apenas uma fração das perdas econômicas gerais que a Boeing provavelmente sofrerá.

O diário Wall Street Journal informou recentemente que as autoridades americanas estão prestes a impor diretrizes exigindo correções na fiação elétrica em todos os cerca de 800 jatos 737 MAX produzidos até o momento, o que pode provocar atrasos adicionais nas entregas.

O escândalo não é apenas o maior desafio para o fabricante americano em seus mais de 100 anos de história. O desastre também colocou em dúvida o sistema de certificação global de aeronaves – um sistema que era praticado há décadas e considerado satisfatório.

Uma revelação particularmente chocante dos acidentes é que a cultura de segurança da empresa – que costumava ser admirada há muito tempo – é acusada de malsucedida. A Boeing continuou a se deixar levar por sua reputação quase lendária, mesmo depois que os lucros e o valor para os acionistas passaram a ser prioridade. Mas após ter obtido receitas recordes, a Boeing agora está sofrendo as maiores perdas de sua história.

Cada mês de paralisação na produção do 737 MAX, custa à Boeing cerca 1 bilhão de dólaresFoto: picture-alliance/dpa/AP/T. S. Warren

Problemas de certificação

A FAA também enfrenta uma enorme perda prestígio por ter uma ligação próxima demais com a fabricante de aviões.

Até agora, toda atualização de segurança emitida pela FAA era automaticamente adotada por outras autoridades de certificação no mundo. Isso pode mudar após críticas recentes da Agência de Segurança da Aviação da União Europeia (Easa) e da secretaria de transportes do Canadá.

A associação do setor de companhias aéreas Iata teme que o novo ônus regulatório aumentará ainda mais os atrasos nas entregas de novos aviões. Um teste decisivo essencial será a certificação do 777X, a nova aeronave de longas distâncias da Boeing, que já está um ano atrasada. Um dos primeiros destinatários, a Lufthansa, diz que não espera a entrega antes do final de 2021.

A crise do 737 MAX também teve um grande impacto na economia dos EUA. O secretário americano do Tesouro, Steve Mnuchin, disse em janeiro que os problemas da Boeing poderiam reduzir o PIB do país em cerca de meio ponto percentual este ano, diminuindo as previsões de crescimento realizadas antes da crise desencadeada pelo coronavírus, de 3% para apenas 2,5%.

A Boeing admitiu no início deste ano que já estava arcando com cerca de 10 bilhões de dólares em prejuízos relacionados ao escândalo. Mesmo que o 737 MAX retorne aos céus em junho ou julho, os analistas ainda acham que os danos aos lucros da fabricante de aviões dobrarão – isso mesmo antes dos acordos financeiros com os parentes das vítimas dos acidentes.

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