Como a Rússia entrava a transição verde da Noruega no Ártico
31 de maio de 2024A mecânica Mia Slettas, de 24 anos, mora ao norte do Círculo Polar Ártico, na cidade mineradora norueguesa de Longyearbyen, capital do arquipélago Svalbard. Ela nos pega numa picape vermelha e, durante a viagem de 15 minutos, conta que veio para ficar pouco tempo, mas já mora lá há quatro anos, sobretudo por gostar de seu trabalho na mina. No caminho, uma placa de trânsito alerta contra o perigo de ursos polares.
Chegamos à mina Gruve 7, a última mantida pela Noruega em Svalbard. Lá, há meio século se extrai carvão mineral do permafrost, a camada de gelo permanente. "A Mina 7 é especial porque sempre só teve um acesso", explica Slettas. Após uma breve instrução sobre segurança e equipamento, entramos. O caminho até onde o minério é extraído é de sete quilômetros, através de um iceberg: primeiro de picape, depois de carro elétrico e, por fim, a pé.
Em alguns pontos, o túnel tem apenas 1,5 metro de altura, é preciso se agachar. Seja no inverno, seja no verão, a temperatura é sempre abaixo de zero grau centígrado. Hoje, o trabalho de Slettas é reforçar um dos arcos, a fim de distribuir melhor o peso do teto: com uma máquina grande, faz furos no alto, onde enfia longas vergas de metal.
A jovem não tem medo de profundezas e está acostumada a trabalho braçal duro. Chegou como aprendiz, em princípio para trabalhar ali até 2045, e há dois anos está totalmente integrada na equipe de mineradores, como única mulher. Porém em breve muito vai mudar para ela e seus colegas: já em meados de 2025 a Mina 7 vai fechar para sempre, pois Oslo quer passar a explorar fontes alternativas de energia na ilha.
Até hoje foram extraídas 30 mil toneladas de carvão para aquecer Longyearbyen, além de 80 mil para a indústria metalúrgica e química da Europa, inclusive da Alemanha. O fechamento da mina já estava planejado para 2023, mas, devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia e a alta dos preços de energia, o prazo foi estendido por mais dois anos.
Todos os mineradores e demais funcionários vão perder seus empregos. Slettas cogita retornar à terra firme para trabalhar lá como mecânica, ou, mais provavelmente, talvez emigrar para a Austrália ou a Groenlândia. Para a jovem norueguesa, tudo está em aberto no momento.
Transição verde polar: empreendimento pioneiro
Como primeira fase da virada energética, no terceiro trimestre de 2023 Longyearbyen converteu sua única usina de força de carvão para diesel, explica o prefeito Terje Aunevik. "Por causa do carvão, eram liberadas na atmosfera 75 mil toneladas de dióxido de carbono por ano, a cidade precisava encontrar algo mais eficaz."
Apesar de o diesel também ser um combustível fóssil, ele representa "um primeiro passo, pois é empregável de modo flexível", justifica Aunevik. "Para estabilizar a situação, nós investimos em baterias, o que também facilita o trabalho com fontes renováveis, como vento e sol."
A empresa estatal Store Norske, que há décadas explorava carvão em Svalbard, está agora participando ativamente da guinada verde do arquipélago. Seu funcionário Mons Ole Sellevold dá um exemplo: "Num local afastado, na emissora litorânea Isfjord Radio, ao largo de Longyearbyen, estamos migrando de 100% diesel para um sistema híbrido de energias renováveis, incluindo solar e coletores como baterias. Estamos considerando também construir pequenas turbinas eólicas."
Em Svalbard, ele se sente um pioneiro no setor da energia verde. "Não temos como recorrer a soluções prontas. Claro que coletores solares, turbinas eólicas e baterias são corriqueiros em todo o mundo. Mas como eles vão funcionar aqui no Ártico, a gente só saberá depois de construí-los e testá-los sob condições reais. Na primavera, vamos ver se os nossos esforços valeram a pena", diz.
"A partir de fins de março, a noite polar cede lugar ao dia polar, fornecendo condições ideais para os coletores solares", explica Sellevold. Painéis solares foram instalados em diversos prédios de Longyearbyen, e um parque solar está em fase de testes, num local afastado. Discute-se ainda a ampliação da energia geotérmica.
No entanto, críticos da política ambiental norueguesa apontam para o fato de que, enquanto Svalbard aposta na energia verde, o país continua exportando gás natural e petróleo, o que, no total, não favorece o combate às mudanças climáticas. Na própria Longyearbyen, os residentes se queixam do cheiro do óleo diesel queimado na usina. Mas esses não são os únicos problemas.
Status especial e o fator Rússia
Svalbard tem um status internacional especial, como definido num acordo de 1920 firmado por mais de 50 países. Assim, além da Noruega, a Rússia também está economicamente ativa no arquipélago através do cartel Arktikugol ("carvão ártico"). Ao contrário dos noruegueses, os russos querem ampliar as minas de carvão, embora no futuro também lá a extração será reduzida.
Atualmente saem por ano da localidade de Barentsburg, a 60 quilômetros Longyearbyen, 120 mil toneladas de carvão, que se reduzirão a 40 mil toneladas até 2032. Além disso, desde a imposição de sanções pelo Ocidente, em 2022, a empresa russa tem dificuldade de vender seu carvão no mercado europeu. Na tentativa de diversificar suas atividades, o lugarejo tem investido sobretudo em turismo e pesquisa.
Segundo representantes da Store Norske, não há no momento nenhum contato sobre energias renováveis com Barentsburg, tampouco planos futuros nesse sentido. Por outro lado, a estatal norueguesa coopera com outros países árticos e com a Universidade de Longyearbyen.
A desativação da Gruve 7, um século após o início das atividades mineradoras no arquipélago, representa o fim de uma era para Longyearbyen. A introdução de novas tecnologias na ilha marca o início da transição verde para Svalbard – embora, segundo numerosos observadores, os efeitos das mudanças climáticas já se façam sentir há alguns anos no arquipélago. Para um futuro verde, ainda há muito o que fazer no Círculo Polar Ártico.