Como Ucrânia driblou o colapso energético, apesar da guerra
Lilia Rzheutska
24 de março de 2023
O fornecimento de eletricidade se manteve, mesmo com os repetidos ataques russos à infraestrutura ucraniana de energia. Inverno ameno, importações da UE e produção nuclear ajudaram a manter o equilíbrio.
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O inverno europeu pôs à prova o sistema energético ucraniano. Desde o início da estação fria, o exército russo realizou 15 ataques maciços com foguetes e 18 ataques com drones a usinas de energia na Ucrânia. Os ataques visavam desequilibrar o sistema de poder, deixando a população à mercê da escuridão e do frio.
Segundo informou à DW o Ministério da Energia de Kiev, mais de 50% da infraestrutura de energia da Ucrânia foi danificada. Isso afeta tanto a geração quanto o transporte de eletricidade. O maior dano está na área de geração de calor: 100% das centrais térmicas foram atingidas.
"Todas as grandes usinas termelétricas e hidrelétricas foram danificadas pelo bombardeio russo", diz Volodimir Kudryzkyj, chefe da estatal Ukrenerho, operadora do sistema de transmissão de eletricidade na Ucrânia.
Segundo ele, quase todas as subestações importantes foram atacadas pelo menos três ou quatro vezes. "Há locais que foram atingidos seis vezes e alguns até 20 vezes", acrescenta.
Mesmo assim, o abastecimento de energia conseguiu ser mantido. Segundo Kudryzkyj, não há interrupções desde meados de fevereiro, e o sistema está funcionando sem restrições.
Consertos rápidos
A resiliência da rede elétrica ucraniana pode ser explicada por vários fatores. Segundo a Ukrenerho, as linhas danificadas foram reparadas rapidamente, muitas vezes colocando em risco a vida do pessoal especializado.
A proteção do espaço aéreo ucraniano por sistemas de defesa aérea também é de grande importância. Além disso, o fornecedor estatal de eletricidade, juntamente com os operadores de rede, teria desenvolvido novos métodos para reagir aos ataques de mísseis e drones russos.
"Uma estratégia consiste em aliviar o sistema de energia no período anterior aos ataques, preservando assim sua integridade", explica Volodimir Omelshenko, diretor de programas de energia do Razumkov Research Center. O centro em Kiev é um think tank não governamental e pesquisa economia e política desde 1994.
Segundo Omelshenko, o descarregamento, ou seja, a suspensão das operações de unidades individuais de usinas diante de possíveis ataques de foguetes, permite minimizar os danos ao sistema de energia decorrentes de sua destruição e, como resultado, restaurar a energia perdida mais rapidamente.
O Ministério da Energia aponta ainda um conjunto de soluções técnicas que permitem estabilizar a situação. No entanto, detalhes não são divulgados. "Esses métodos não são, digamos, soluções técnicas clássicas de acordo com padrões estabelecidos, mas funcionam e, graças a isso, tudo se mantém", disse à DW o ministro da Energia ucraniano, Herman Halushshenko.
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Produção e importação de energia nuclear
Além disso, foram concluídos reparos em uma unidade da usina nuclear Rivne NPP da Ucrânia. O segundo bloco dessa usina, que operou com metade de sua capacidade em 2022, também voltou à plena atividade. Isso significa que todas as nove unidades nucleares disponíveis estão agora em operação, reduzindo as interrupções na usina nuclear de Zaporíjia, ocupada por tropas russas.
A ajuda também veio da Associação Europeia de Operadores de Sistemas de Transmissão ENTSO-E. Graças ao fluxo contínuo de eletricidade, o sistema energético ucraniano permaneceu em equilíbrio, explica Kudryzky.
Essa sincronização permitiu à Ukrenerho evitar grandes apagões frequentes durante os ataques. As importações de eletricidade de países da União Europeia (UE) em janeiro e no início de fevereiro deste ano também garantiram o abastecimento da indústria ucraniana.
O clima também contribuiu. "A natureza está do nosso lado. Neste inverno, tivemos níveis excepcionalmente altos de condensação nos rios Dnipro, Sosh, Desna e Pripyat. Algo assim só acontece a cada 20 ou 30 anos. Isso nos ajuda muito, e o sistema de hidrelétricas está fornecendo muita eletricidade", disse o diretor-geral da operadora hidrelétrica ucraniana Ukrhydroenergo, Ihor Syrota, à DW.
Troca de experiências com a Coreia do Sul
Enquanto isso, as concessionárias ucranianas continuam procurando maneiras de proteger os ativos e redes mais vulneráveis. Durante uma troca de experiências com a Coreia do Sul, os engenheiros ucranianos aprenderam como enterrar os sistemas de energia o mais fundo possível para protegê-los de ataques de mísseis.
"Fui para a Coreia do Sul porque eles também têm um 'bom' vizinho lá", diz Syrota. "Lá vimos como os aparelhos e transformadores estão escondidos no subsolo ou nas rochas. Também vamos recorrer a essas soluções."
Bakhmut: a "fortaleza do Donbass" na linha de frente da guerra
Antes da invasão russa, Bakhmut tinha 70 mil moradores. Intensos combates entre tropas russas e ucranianas causaram mortes e destruição na estratégica cidade do Donbass, mas nem todos os civis a abandonaram.
Foto: LIBKOS/AP Photo/picture alliance
A cidade antes da destruição
Esta foto, tirada na primavera europeia de 2022, mostra murais com o tema "Família e Crianças" em Bakhmut. Em maio, a linha de frente da guerra chegou à cidade, e os tiros e bombardeios aéreos começaram. Muitas casas foram seriamente danificadas.
Foto: JORGE SILVA/REUTERS
"Você se sente um sem-teto"
Blocos de apartamentos no leste de Bakhmut foram os primeiros a serem atingidos por ataques russos. Hoje, os bairros se assemelham aos da cidade portuária destruída de Mariupol. "Você se sente um sem-teto, perdemos tudo. Não há para onde voltar", disse uma moradora chamada, Halyna, retirada de Bakhmut e cuja casa foi totalmente destruída.
Foto: Aris Messinis/AFP/Getty Images
Escola em ruínas
Dois professores de Bakhmut se abraçam em frente às ruínas de sua escola. Ela foi bombardeada pelo exército russo em 24 de julho de 2022. O prédio ficou bastante danificado. Não houve mortos ou feridos no ataque.
Foto: Diego Herrera Carcedo/AA/picture alliance
Patrimônio cultural em pedaços
O bombardeio russo causou a destruição de muitos prédios históricos importantes em Bakhmut, incluindo o Palácio da Cultura, a antiga casa particular do comerciante Polyakov da década de 1880 e o antigo ginásio para meninas. Edifícios mais modernos, que já foram o "cartão de visitas" de Bakhmut, também foram destruídos.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Preparativos para a retirada
Oleksandr Hawrys faz os preparativos finais para transferir a esposa e dois filhos de Bakhmut para Kiev. Em 7 de março de 2023, menos de 4 mil pessoas ainda estavam na cidade, que antes da guerra tinha 73 mil habitantes.
Foto: Metin Aktas/AA/picture alliance
Só ficaram os solteiros e os mais fracos
Mais de 90% dos residentes deixaram Bachmut e arredores. Por meses, algumas lojas e uma farmácia ainda funcionaram durante momentos de trégua. Instituições de caridade e voluntários levaram ajuda humanitária aos moradores da cidade.
Foto: ANATOLII STEPANOV/AFP/Getty Images
Eles resistem, apesar de tudo
A grávida Olha e seu marido, Wlad, em 28 de janeiro de 2023 em frente a um abrigo antiaéreo em Bakhmut. O casal está entre os poucos civis que permaneceram na cidade, apesar dos violentos combates. Atualmente, para entrar em Backmut é preciso um passe especial.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Viver sob medo constante
A aposentada Valentyna Bondarenko, de 79 anos, olha pela janela de seu apartamento em Bakhmut, em agosto de 2022. Por causa dos bombardeios sem fim e do perigo constante, muitos moradores de Bakhmut permanecem em porões e abrigos de emergência por meses.
Foto: Daniel Carde/Zumapress/picture alliance
O dia a dia num porão
"Estamos acostumados aos zumbidos e explosões", disse Nina, de Bakhmut, à DW. Suas filhas foram "para a Europa", mas ela e o marido pretendem ficar enquanto o exército ucraniano estiver na cidade. Se a situação piorar, eles querem deixar a cidade "para não perturbar os militares quando o inimigo se esconder atrás das casas".
Foto: Oleksandra Indukhova/DW
Na fila pela ajuda humanitária
A situação humanitária na cidade piorou, principalmente nos últimos meses de 2022, depois da ofensiva das tropas russas de 1º de agosto. A rede elétrica foi danificada pelos ataques e bombardeios. O abastecimento de alimentos se tornou difícil, e a telefonia móvel entrou em colapso. Até voluntários foram atacados.
Foto: Diego Herrera Carcedo/AA/picture alliance
Batalhas de artilharia pesada
As principais batalhas por Bakhmut são travadas entre unidades de artilharia. Segundo estimativas militares, quase toda a gama de artilharia e morteiros fica nesta área. Bakhmut é fortemente atacada por unidades do exército privado russo Grupo Wagner. Os militares ucranianos continuam resistindo aos ataques.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Bandeira ucraniana de Bakhmut no Congresso dos EUA
Em 20 de dezembro, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, visitou soldados ucranianos perto de Bakhmut. De lá, ele levou uma bandeira ucraniana, que deu à presidente da Câmara, Nancy Pelosi, dois dias depois, durante sua visita ao Congresso dos Estados Unidos. A bandeira traz as assinaturas de soldados que defendem a soberania da Ucrânia nas linhas de frente.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Tratamento dos feridos em Bakhmut
As principais tarefas dos médicos militares no front são estabilizar os feridos, prevenir mortes por perda de sangue e choque e, em casos graves, garantir o transporte para hospitais de áreas mais seguras no interior do país.
Foto: Evgeniy Maloletka/AP Photo/picture alliance
Cidade está 80% em ruínas
A foto é dos últimos dias de dezembro de 2022. A fumaça sobe sobre as ruínas de casas nos arredores de Bakhmut. De acordo com as autoridades locais, em março de 2023 os violentos combates já haviam destruído mais de 80% da área habitacional da cidade.
Foto: Libkos/AP/picture alliance
Destruição registrada por satélite
Uma imagem de satélite divulgada pela Maxar em 4 de janeiro de 2023 mostra a extensão da destruição em Bakhmut. "A cidade tem sido o centro de intensos combates entre as forças russas e ucranianas nos últimos meses, e as imagens mostram danos significativos em prédios e infraestrutura", informou a empresa aeroespacial.
Foto: Maxar Technologies/picture alliance/AP
Cidade-fantasma
Esta foto de 13 de fevereiro de 2023, tirada por um drone da agência de notícias AP, mostra a extensão da destruição causada pelos combates. Fileiras inteiras de casas foram destruídas, apenas as paredes externas e as fachadas danificadas ainda estão de pé. Telhados, tetos e pisos desmoronaram, e a neve se acumula dentro das ruínas.
Foto: AP Photo/picture alliance
"Fortaleza Bakhmut"
Um soldado ucraniano diante de uma pichação no centro da cidade que diz "Bakhmut ama a Ucrânia". Embora a liderança política e militar da Ucrânia tenha decidido continuar defendendo o lugar, a Otan não descarta que Bakhmut possa cair, embora isso não signifique necessariamente uma virada na guerra.