Como as criptomoedas impulsionaram ataque do Hamas a Israel
Kristie Pladson
16 de outubro de 2023
Financiamento de contas vinculadas ao Hamas reacende debate sobre ativos digitais depois que o grupo radical islâmico atacou Israel. Organizações criminosas e terroristas usam criptomoedas para driblar leis e sanções.
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Israel é uma das nove potências nucleares globais e possui um dos sistemas de defesa aérea mais avançados e interconectados do mundo. Há anos, o Iron Dome tem sido bastante eficaz em repelir ataques aéreos do Hamas – grupo radical islâmico que governa Gaza desde 2007 e é classificado como organização terrorista pela União Europeia, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Israel e outros.
Em 7 de outubro de 2023, porém, o Hamas conseguiu superar esse sistema de defesa, disparando mais de 2 mil foguetes contra Israel a partir da Faixa de Gaza. Os atentados deixaram, até agora, mais de 1.400 mortos em cidades fronteiriças israelenses e num festival de música, e a retaliação militar de Israel já matou mais de 2.600 em Gaza.
Mas como o Hamas conseguiu juntar recursos para um ataque tão sofisticado contra um dos exércitos mais bem preparados do mundo? De acordo com os analistas, as criptomoedas por desempenharam um papel significativo.
Hamas conta com financiamento milionário
Sendo uma organização terrorista, o Hamas enfrenta sanções e não participa do sistema bancário internacional. As medidas globais de combate ao financiamento do terrorismo rastreiam qualquer tentativa de arrecadação de fundos pelo grupo. Mesmo assim, os relatórios mostram que o Hamas recebeu financiamento considerável em forma de criptomoeda nos últimos anos.
Entre agosto de 2021 e junho de 2023, o Hamas recebeu 41 milhões de dólares (R$ 208 milhões), de acordo com a empresa de software e análise de criptofinanças BitOK,sediada em Tel Aviv. A Jihad Islâmica Palestina, cujos militantes se juntaram ao Hamas para o ataque, recebeu outros 93 milhões de dólares em criptomoedas, conforme a empresa de pesquisa do setor cripto Elliptic, com sede em Londres.
As brigadas Al-Qassam, a ala militar do Hamas, também receberam milhões de dólares em transferências de criptomoedas, segundo análise da Elliptic. Essas transferências vieram na forma de bitcoin, tether e outros ativos criptográficos, incluindo dogecoin, uma criptomoeda pela qual Elon Musk tem expressado simpatias, inicialmente inventada como uma brincadeira.
Alguns desses grupos estão até mesmo envolvidos em mineração de criptomoedas, segundo a Elliptic, o que lhes permite ganhar mais dinheiro com a manutenção básica das redes de dinheiro digital.
Criptografia permite driblar sanções
Sob o mando do Hamas, Gaza enfrenta isolamento econômico severo por diversos países. Os bloqueios pelos vizinhos Israel e Egito restringem a circulação de mercadorias e pessoas.
Apesar das restrições, a revista americana Forbes nomeou o Hamas como um dos grupos terroristas mais ricos do mundo em 2014, quando seu faturamento anual foi estimado em até 1 bilhão de dólares. Esse valor provém de impostos e taxas, bem como de ajuda financeira e doações. Grande parte do financiamento do Hamas vem de palestinos no exterior ou doadores privados da região do Golfo.
O Irã é considerado um dos mais proeminentes financiadores do Hamas. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o país fornece ao Hamas e a outros grupos terroristas palestinos cerca de 100 milhões de dólares por ano. O Catar e a Turquia também têm apoiado o Hamas financeiramente.
As criptomoedas tornaram mais fácil para apoiadores do Hamas driblar sanções em áreas consideradas hostis. Em 2019, as brigadas Al-Qassam pediram, em seu canal no Telegram, que apoiadores lhes enviassem bitcoins.
"A realidade da jihad é o gasto de esforço e energia, e o dinheiro é a espinha dorsal da guerra", escreveu o Hamas nesse post, anexando um endereço de carteira no qual recebeu cerca de 30 mil dólares em bitcoin naquele ano.
Autoridades investigam pagamentos
Em abril de 2023, o Hamas informou no Telegram que suspenderia a arrecadação de fundos por bitcoin, devido aos "esforços redobrados de inimigos contra todos que tentam apoiar a resistência por meio dessa moeda".
As criptomoedas ainda estão longe de ser a maior fonte de financiamento para o terrorismo, mas há também um foco crescente em cortar esse canal para o Hamas. Após os ataques terroristas de 7 de outubro, autoridades israelenses anunciaram ter congelado várias contas de criptomoedas ligadas ao Hamas e que o grupo havia organizado outra chamada para arrecadação de fundos nas mídias sociais.
"A Unidade Cibernética de Polícia e o Ministério da Defesa imediatamente tomaram medidas para localizar e congelar essas contas, com a ajuda da plataforma de criptomoedas Binance, a fim de direcionar os fundos para o tesouro do Estado", disse um comunicado da polícia.
A Binance é a maior operadora de criptomoedas do mundo. Mas, embora esteja cooperando com as autoridades israelenses, também está sob investigação pelo papel indireto, porém significativo, que desempenhou no financiamento do terrorismo.
Nos últimos anos, autoridades tentaram apreender criptomoedas mantidas em dezenas de contas da Binance ligadas ao Hamas, conforme relatórios do The Wall Street Journal. O Departamento de Justiça dos EUA também está investigando a empresa por deixar de prevenir lavagem de dinheiro.
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Cumplicidade entre operadoras e terroristas?
As comunicações internas da Binance reveladas nos processos judiciais indicam que, embora a empresa não busque diretamente clientes que cometam crimes, ela está ciente e tolera essa prática.
Numa mensagem interna, o ex-chefe de compatibilidade Samuel Lim comentou que os terroristas geralmente enviam pequenas quantias, pois as grandes constituiriam lavagem de dinheiro. "Não dá para comprar um [fuzil] AK 47 por 600 dólares", responde um colega.
A Binance não respondeu aos pedidos de comentário da DW.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que as criptomoedas respondem por 20% do financiamento do terrorismo no mundo. E o recente confisco das contas do Hamas reacendeu o debate sobre criptomoedas. Críticos afirmam que elas são a ferramenta de financiamento perfeita para os criminosos, pois os pagamentos podem ser difíceis de rastrear, burlando assim as regulamentações financeiras.
"É alarmante, e deveria ser um alerta para legisladores e reguladores, o fato de que contas ligadas ao Hamas receberam milhões de dólares em criptomoedas", escreveu a senadora americana Elizabeth Warren na plataforma X (ex-Twitter): "A criptomoeda é a arma financeira não tão secreta que sustenta organizações terroristas como o Hamas, redes chinesas de fentanil e o programa de mísseis da Coreia do Norte."
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.