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Como caravana de migrantes pode beneficiar Trump

Michael Knigge rc
24 de outubro de 2018

Presidente dos EUA retoma fórmula de sua bem-sucedida campanha de 2016 ao recorrer à imigração ilegal para mobilizar base republicana. Estratégia não ajuda em nada a atacar problema pela raiz nos países de origem.

Caravana de migrantes caminha rumo à fronteira do México com os EUA
Milhares de migrantes se juntaram a caravana rumo à fronteira do México com os EUAFoto: picture-alliance/dpa/M. Castillo

"Pensem nas eleições", disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a seus 55 milhões de seguidores no Twitter nesta terça-feira (23/10), durante uma sequência de postagens sobre a caravana de migrantes que atravessa o México rumo à fronteira com os EUA.

Se havia alguma dúvida de que Trump tentaria tirar proveito das impressionantes imagens de milhares de migrantes latino-americanos enfrentando condições brutais, caminhado centenas de quilômetros por dia na tentativa de chegar aos EUA, a série de tuítes presidenciais dos últimos dias deixou isso bem claro.

Utilizando jargões militares para descrever a caravana e alegando – sem apresentar provas – que criminosos e "pessoas desconhecidas do Oriente Médio" estariam entre os migrantes, o presidente culpou a oposição democrata e os tribunais americanos por bloquearem políticas migratórias mais rígidas e os governos de El Salvador, Guatemala e Honduras, de onde vieram a maioria dos que integram a marcha, por não impedirem as pessoas de partirem rumo aos EUA.

"O timing não poderia ser um presente maior para o presidente Trump e o Partido Republicano, com a aproximação das eleições legislativas de meio de mandato", avalia Cynthia Arnson, diretora do programa para a América Latina do Centro Wilson. Ela observa que, antes do pleito de novembro, ao associar imigrantes a crimes, o presidente simplesmente voltou a utilizar a cartilha de sua bem-sucedida campanha eleitoral de 2016.

"Acho que é exatamente por isso que o presidente Trump está indo à sua conta no Twitter e fazendo todos os tipos de comentários duros, para apelar à sua base e alimentar esse tipo de medo", disse Arnson. "Há uma mensagem consistente desse governo para equiparar os migrantes aos crimes violentos, embora as evidências mostrem exatamente o contrário."

É improvável que o controverso esforço do presidente de distorcer o flagelo de milhares de migrantes – desesperados o bastante para tomar a dura decisão de deixar suas casas e partir numa árdua jornada na esperança de encontrar porto seguro em solo americano – possa influenciar os eleitores indecisos. Poderá, no entanto, servir para mobilizar o cerne de sua base de apoio, o que numa eleição apertada pode significar um impulso para a vitória.

"Essa eleição será ganha pelo comparecimento às urnas", avalia Karen Alter, cientista política da Universidade Northwestern. "Trump tenta acionar os botões do medo para ativar uma área onde ele é visto como homem forte, principalmente por seu objetivo de reprimir a imigração, na esperança de que possa influenciar o comparecimento dos eleitores."

Um levantamento realizado pelo Centro de Pesquisas Pew, divulgado no início deste mês, corrobora a tese de que essa estratégia poderá dar novo impulso à base republicana. "A imigração ilegal foi apontada como o principal problema nacional entre os eleitores republicanos, mas, entre os democratas, está situada entre o menos relevante em meio a 18 outros temas", diz a pesquisa.

Imigrantes viajam no "trem da morte" para chegar aos EUA

01:14

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A tentativa de Trump de transformar a caravana de migrantes em um tema urgente de segurança nacional poderá trazer votos republicanos, mas, além de ser dissimulada, não ajuda em nada a resolver a crise migratória, que está em curso desde 2014, quando os primeiros grupos de menores desacompanhados entraram no país durante o governo do ex-presidente Barack Obama.

"A questão principal é o desmoronamento de governos na América Latina, que gera crises de refugiados", observou Alter.

Em El Salvador, Honduras e outros países, a questão da segurança se agravou de tal maneira que muitas famílias simplesmente sentem que não podem mais permanecer por lá. Com governos incapazes de providenciar sequer a mais básica proteção às pessoas, forças políticas corruptas e grupos ultraviolentos e cartéis de drogas ocupando o vácuo deixado pelas autoridades, a decisão de partir se torna fácil.

"Eles vão embora em razão de um desespero total", afirma Alter. "E, por partirem motivados pelo desespero, nada do que o presidente Trump alardear durante seus ataques de raiva – como 'Vou cancelar a ajuda humanitária e construir um muro' – poderá deter as pessoas desesperadas que enfrentam, literalmente, situações de vida ou morte."

Além disso, cortar a ajuda humanitária a países pobres como El Salvador, Guatemala e Honduras poderá apenas aumentar os problemas e, potencialmente, levar um número ainda maior de pessoas a procurar refúgio os EUA.

"Não há nada mais contraprodutivo no médio e longo prazo, uma vez que a única solução duradoura para a crise migratória se encontra na própria região e na mudança das condições de miséria e violência que continuam a fazer com que as pessoas fujam ao perceberem que não há futuro ou segurança dentro de suas próprias fronteiras", afirma Arnson.

Tal iniciativa, segundo as especialistas, exigiria uma mudança das políticas americanas em relação a uma região que vêm sendo ignorada há muito tempo, em detrimento dos países afetados.

"Precisamos prestar uma atenção bem maior ao nosso próprio quintal, mais do que vínhamos fazendo recentemente", observou Alter. "A boa notícia é que, na verdade, não existem terroristas fundamentalistas islâmicos na América Latina. Estas são, na realidade, crises internas para as quais há chances reais de encontrar soluções."

No entanto, em vez de se concentrar na tarefa mais complicada de lidar com as raízes do problema da atual crise migratória, Trump optou pelo caminho bem mais conveniente de "lançar essas bombas de caos para distrair a imprensa e o público americano e tentar motivar as pessoas a comparecer às eleições de novembro", disse Alter.

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