Como estão as investigações sobre o massacre de Bucha
Viktoriia Pokatilova
31 de março de 2023
Há um ano, tropas russas deixaram rastro de atrocidades ao se retirar de cidade no subúrbio de Kiev. Autoridades ucranianas afirmam que cerca de 400 civis foram mortos na localidade.
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Valentina Sen foi alvejada por militares russos no jardim de sua casa em Bucha, no subúrbio de Kiev, no dia 25 de março de 2022.
Seu corpo permaneceu ali até a cidade ser libertada pelo Exército ucraniano, há um ano, no dia 31 de março de 2022.
Tetjana, filha da aposentada de 69 anos, estava com sua mãe nas primeiras semanas da invasão russa da Ucrânia. Mas, no dia da morte de Valentina, ela e sua filha estavam próximo de Kiev, para onde foram levadas um dia antes do assassinato. Sua mãe não quis ir com elas.
Os vizinhos viram o que ocorreu com Valentina. Ela teria ido buscar água na rua Sklosavodska, onde justamente ficavam os soldados russos na época. No mesmo dia, eles teriam ido até o quintal de sua casa e simplesmente começaram a atirar.
"Eles matavam ao menos duas pessoas por dia em seus jardins. Minha mãe estava telefonando quando viu os russos e ouviu tiros. Com medo, ela correu e conseguiu entrar em casa, mas uma bala a atingiu através da porta e perfurou seu fígado. Minha mãe sangrou até a morte", conta Tetjana, o que os vizinhos lhe relataram.
Um ano se passou desde o assassinato de sua mãe, mas Tetjana ainda não foi chamada por investigadores para depor. A família não sabe se um inquérito foi aberto sobre o caso. O filho de Tetjana foi interrogado uma vez, em abril de 2022. Foi ele quem encontrou a avó morta após o Exército ucraniano retomar a cidade. Mais tarde, ele próprio enterraria sua avó ali mesmo.
Tiros na floresta
O mesmo ocorreu no ano passado com Serhij, em Bucha. Seu pai, Oleksandr Yaremych, foi morto pelos russos em 25 de março, pouco antes da libertação da região próximo a Kiev pelos ucranianos. Ele costumava distribuir alimentos aos moradores, não muito longe dos postos de controle dos russos. Oito de seus amigos já haviam sido mortos a tiros na rua Jablunska no início de março daquele ano. Oleksandr morreu duas semanas mais tarde, depois de uma busca em sua casa.
Serhij relata que os militares russos encontraram um celular com seu pai. Ele havia utilizado o aparelho um pouco antes disso. Depois da busca, os russos levaram Oleksandr para a floresta e o executaram.
Foi aberta uma investigação criminal sobre o assassinato. Durante um ano, Serhij tentou entrar em contato com as autoridades para saber como andava inquérito, mas somente uma exumação e o recolhimento de evidências haviam sido realizados. Após alguns meses, o investigador foi substituído. Só recentemente, ele foi chamado para depor.
"O processo é lento, mas há progressos. Eles relatam o que fazem e contam quais serão os próximos passos. É um processo longo, não acho que será terminado em um ano", avalia Serhij.
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Acúmulo de dados sobre crimes de guerra
A Procuradoria-Geral da Ucrânia contabiliza em torno de 11 mil crimes de guerra cometidos pelo Exército russo somente na região de Kiev. Destes, 700 foram registrados em Bucha. Já existem mais de 7 mil processos criminais, 118 suspeitos e 50 pessoas julgadas à revelia, quatro das quais, foram condenadas.
Logo após a retirada das tropas russas, 20 corpos de civis foram encontrados apenas numa rua de Bucha. Autoridades ucranianas afirmam que cerca de 400 civis foram mortos na cidade por militares da Rússia.
No ano passado, segundo a Promotoria Pública da região de Kiev, agentes do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) promoveram investigações com o apoio da polícia na região que foi liberada. Exumações foram realizadas e provas recolhidas para o andamento do processo. Com a ajuda de voluntários, os investigadores coletaram uma enorme quantidade de dados sobre crimes de guerra.
Segundo os promotores, o fato de as investigações serem demoradas está relacionado com a dificuldade em identificar os criminosos. Além disso, eles afirmam ser praticamente impossível prender os suspeitos.
"O principal objetivo nesta fase das investigações é completar o corpo das provas e testemunhos. Com frequência, ao interrogarmos prisioneiros de guerra russos, é possível identificar um ou outro criminoso de guerra", afirma Oleh Tkalenko, da Promotoria da região de Kiev.
Extradição de criminosos
Tkalenko diz que, apesar das investigações prolongadas e das provas fragmentadas, os promotores querem ainda este ano levar um grande número de suspeitos à Justiça e obter vereditos.
"Depois disso, a pessoa em questão entrará para a lista internacional de procurados. A Ucrânia assinou uma série de acordos legais internacionais para a extradição desses criminosos. Esperamos que alguns deles sejam presos no exterior e trazidos até aqui para cumprirem suas penas ainda durante a guerra. Após a nossa vitória, encontraremos todos os outros", diz o promotor.
Além das investigações na Ucrânia, mais de 20 países em todo o mundo iniciaram processos contra crimes de guerra russos dentro dos quadros jurídicos de suas legislações nacionais.
Recentemente, o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia emitiu mandados de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, e a comissária russa dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova, sob acusações de sequestro de crianças ucranianas, que foram levadas para a Rússia.
Ataques da Rússia a alvos civis na Ucrânia
Vladimir Putin nega que o exército russo esteja atacando alvos civis na guerra na Ucrânia. Mas os fatos o contradizem, como mostra esta galeria de fotos, que nem de longe abrange todos os ataques russos.
Foto: Maksim Levin/REUTERS
Mais de 5.500 civis mortos
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou no fim de junho: "O exército russo não está atacando alvos civis". Observadores independentes discordam: de acordo com dados da ONU, mais de 5.500 civis morreram na Ucrânia desde o início da guerra e mais de 7.800 ficaram feridos como resultado de ataques russos. Na foto, um centro comercial destruído em Kremenchuk, 27/06/2022.
Foto: Efrem Lukatsky/AP Photo/picture alliance
Chaplyne: 25 mortos em bombardeio
Uma enorme cratera em Chaplyne. A pequena cidade no leste da Ucrânia, com cerca de 3.800 habitantes, foi alvo de um ataque russo em 24 de agosto, como admitiu mais tarde o Ministério da Defesa em Moscou. O alvo foi um trem de transporte de armas, mas o ataque também atingiu civis. Segundo a companhia ferroviária ucraniana, 25 foram mortos, incluindo duas crianças.
Foto: Dmytro Smolienko/Ukrinform/IMAGO
Vinnytsia: 28 vítimas em ataque com foguete
Em 14 de julho, o exército russo atingiu com um míssil a Casa dos Oficiais de Vinnytsia, onde teria ocorrido "uma reunião da liderança militar das Forças Armadas ucranianas e fornecedores estrangeiros de armas". Entre os 28 mortos, estavam três crianças e três oficiais, além de mais de 100 feridos. Vinnytsia se localiza a sudoeste de Kiev.
Foto: State Emergency Service of Ukraine/REUTERS
Chasiv Yar: 48 mortos em bombardeio
Na noite de 9 de julho, a pequena cidade de Chasiv Yar, no leste da Ucrânia, foi bombardeada. Segundo a mídia, os lançadores de foguetes múltiplos Uragan foram disparados em áreas residenciais. Um edifício residencial de cinco andares foi duramente atingido, e 48 corpos foram resgatados de seus escombros.
Foto: Nariman El-Mofty/AP/dpa/picture alliance
Serhiyivka: 21 mortos em ataque com mísseis de cruzeiro
Um ataque a Serhiyivka em 1º de julho custou pelo menos 21 vidas. O porto perto de Odessa aparentemente foi atingido por mísseis de cruzeiro durante a noite, como a Anistia Internacional informou após investigações no local. Pelo menos 35 ficaram feridos nos ataques. Por ser um resort de saúde, Serhiyivka é particularmente popular entre os turistas russos.
Foto: Maxim Penko/AP/picture alliance
Kramatorsk: 61 mortos na estação de trem
Imagens terríveis de Kramatorsk deram a volta ao mundo em 8 de abril: vários mísseis submarinos russos 9K79-1 Tochka atingiram a estação ferroviária da cidade no leste da Ucrânia, enquanto passageiros esperavam pelo trem. 61 foram mortos, incluindo sete crianças. Cientistas de balística determinaram que os mísseis haviam sido disparados da área da Ucrânia controlada pelos russos.
Foto: Ukrainian President Volodymyr Zelenskyy's Telegram channel/dpa/picture alliance
Bucha: encontrados 1.316 corpos
Bucha tornou-se sinônimo das ações brutais do Exército russo: depois que as tropas inimigas partiram, em 30 de março, vários corpos jaziam na rua Jablunska. No total, foram encontrados 1.316 corpos em Bucha e arredores. Embora a Rússia tenha negado quaisquer massacres, verificadores de fatos internacionais e equipes de investigação confirmaram execuções de civis por soldados russos.
Foto: Zohra Bensemra/Reuters
Mykolaiv: 36 mortos em ataque à administração regional
Em 29 de março, um ataque aéreo atingiu o prédio da administração regional de Mykolaiv. A parte central do edifício foi completamente destruída, do primeiro ao nono andar, restando apenas um esqueleto do prédio. A explosão também danificou vários edifícios residenciais e administrativos próximos, causando a morte de 36 cidadãos.
Em 16 de março, uma bomba destruiu o teatro no centro de Mariupol. De acordo com a Human Rights Watch, mais de 500 civis estavam se abrigando dos ataques no prédio na época. A palavra "Crianças" escrita em enormes letras brancas na frente e atrás do prédio não serviu como escudo. Segundo a prefeitura, 300 morreram.
Foto: Pavel Klimov/REUTERS
Mariupol: quatro mortos em ataque a clínica
Um ataque aéreo russo em 9 de março destruiu o hospital infantil e a maternidade de Mariupol. Houve menos quatro mortes, incluindo uma grávida e seu bebê, 17 ficaram feridos. Enquanto o Ministério da Defesa russo falou de uma "provocação encenada", o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, chamou o atentado de "crime de guerra".
Foto: Evgeniy Maloletka/AP/picture alliance
Charkiv: foguete mata 24 pessoas
Um vídeo de vigilância divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia mostrou um foguete atingindo o prédio da Administração Estatal Regional de Kharkiv em 1º de março, causando 24 mortes, inclusive de transeuntes.
Foto: Pavel Dorogoy/AP/picture alliance
Inquérito do Tribunal Penal Internacional
As autoridades ucranianas relatam mais de 29 mil crimes de guerra, do início do conflito, em 24 de fevereiro de 2022, até 26 de agosto. Investigações independentes prosseguem. O Tribunal Penal Internacional enviou equipes para coletar informações. De acordo com as Convenções de Genebra, ataques deliberados a civis são crimes de guerra. No entanto, a Rússia não reconhece a corte sediada em Haia.