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Como estão os processos judiciais contra os golpistas

8 de janeiro de 2024

Um ano depois dos atos em Brasília, 66 golpistas estão presos, dos quais oito já foram condenados pelo Supremo. A grande maioria já foi libertada e aguarda julgamento – há 1.354 denúncias apresentadas pela PGR.

Manifestantes quebrarando vitrines do Supremo Tribunal Federal
Manifestantes invadiram e quebraram vitrines do Supremo Tribunal Federal Foto: Ton Molina/AFP/Getty Images

Foram horas de muito temor, aquelas do domingo de 8 de janeiro de 2023. Centenas de extremistas invadiram prédios públicos de Brasília, vandalizaram o patrimônio da nação e incitaram um golpe de Estado. Eram bolsonaristas descontentes com a mudança de comando do Executivo, em um ato que excedeu os limites da expressão em um Estado de direito. 

Um ano depois, 66 extremistas estão presos — oito já condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 33 denunciados como executores dos crimes praticados em 8 de janeiro e 25 investigados por financiar ou incitar os crimes. 

De acordo com histórico fornecido pelo STF, a pedido da DW, no próprio dia 8 foram presos 243 golpistas dentro dos prédios públicos e na Praça dos Três Poderes. No dia seguinte, 1.927 pessoas foram conduzidas à Academia Nacional de Polícia — 775 acabaram liberadas e 1.152 seguiram presas.

Entre os dias 17 e 20, depois de audiências de custódia, o número de detidos caiu para 938. Nos meses seguintes, foram concedidas novas liberdades provisórias, com a imposição de medidas cautelares diversas — uso de tornozeleiras eletrônicas, proibição de viagens, etc. Em junho, estavam presos apenas 283 golpistas. No mês seguinte, 117. O saldo atual, de 66 presos, computa todos os liberados provisoriamente até dezembro.

O STF informa que até o momento já houve 30 condenações, com penas que variam de 3 anos de prisão em regime aberto a 17 anos de prisão em regime inicial fechado — o que explica os oito condenados detidos.

A lista dos que aguardam julgamento é grande. Segundo o Supremo, há 1.354 denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República. 

Em dezembro, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, validou 38 acordos de réus acusados de envolvimento no episódio. "Além de confessar os crimes, os réus se comprometeram a prestar 300 horas de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a não cometer delitos semelhantes nem serem processados por outro crime ou contravenção penal e a pagar multa", esclarece o STF, em nota. "Eles também terão de participar, presencialmente, de um curso sobre democracia, Estado de direito e golpe de Estado."

Contornos do Estado de direito

Para Flávio de Leão Bastos Pereira, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e professor visitante da Technische Hochschule Georg Simon Ohm, em Nuremberg, na Alemanha, punir os envolvidos nos atos golpistas é muito importante, como um recado às "forças reacionárias" que "seguem atuando contra a democracia". 

"São exemplos diários […] em que o populismo extremista se vale dos instrumentos constitucionais e legais para buscar a destruição do próprio regime democrático", alerta. "Prova disso é a costumeira alegação de que manifestações antidemocráticas constituem exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão. Não são."

Estátua da Justiça, em frente ao Supremo, vandalizada após os atos de 8 de janeiroFoto: Joedson Alves/AA/picture alliance

Pereira argumenta que "o discurso de ódio e contra o regime democrático" excede os limites constitucionais. "Os crimes cometidos em 8 de janeiro não podem, em hipótese alguma, permanecer impunes. São uma das prioridades do povo brasileiro."

Já o criminalista Thiago Turbay critica a maneira como o caso vem sendo conduzido. Ele advoga para o coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PM preso suspeito de omissão após os atos.

"As prisões realizadas previamente apresentaram, majoritariamente, o argumento central de risco à ordem pública, conceito jurídico de difícil classificação e precisão, que serve à toda sorte de decisões arbitrárias", argumenta. 

Turbay diz que "é preciso conter ímpetos autocráticos e estabelecer critérios normativos claros acerca dos limites de defesa da democracia". Segundo ele, isso serviria para "impedir iniciativas" no sentido de uma suposta operacionalização das "práticas combativas em favor da democracia" a serviço de "decisões autoritárias e danosas às liberdades e garantias individuais".

Pedidos por punição exemplar

Professor da FGV-Direito, o jurista Carlos Ari Sundfeld avalia que a atuação do STF tem sido correta. "Não existem elementos hoje para dizer que o Supremo esteja sendo arbitrário no exercício de sua competência", afirma.

"A aplicação severa da legislação penal e processual penal é muito importante, tem efeito exemplar para o futuro", ressalta. "Não se pode entrar em aventuras como essas pessoas entraram impunemente. É importante que as pessoas saibam que seus delírios golpistas têm consequências sérias."

Sundfeld diz que o fato de o golpe não ter sido realizado não exime de responsabilidade os participantes do ato. "Muitas pessoas criticam o Supremo, dizendo que [os envolvidos] não passavam de um bando de arruaceiros", comenta. "Não passava mesmo, eles não tiveram a capacidade de serem bem-sucedidos [no golpe], mas eram arruaceiros com deliberada intenção de invadir e destruir prédios públicos e causar distúrbios à ordem pública, conectados a projetos golpistas."

"Fracassaram? Não importa. O objetivo era esse. Arruaceiros começam distúrbios que podem servir eficazmente para golpes de Estado. As pessoas precisam entender que seus atos têm consequências", frisa. 

Golpistas queriam intervenção militar para reverter a mudança de comando do Executivo definida nas eleições de 2022Foto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

Pereira classifica os crimes de 8 de janeiro "como dos mais graves já praticados no Brasil ao longo de toda a sua história". "A tentativa de abolir o Estado democrático de direito, de depor um governo legitimamente constituído, e, ainda, destruir e vandalizar instalações oficiais com o objetivo de abolir o Estado democrático de direito, são condutas que não podem ser toleradas", acrescenta.

O professor defende punição exemplar para esse caso. "O Brasil ainda não encarou de modo adequado sua ditadura militar, que tanto torturou e matou. Não pode, novamente, se dar ao luxo de deixar impune os crimes contra democracia e contra os direitos humanos cometidos entre 2019 e 2022, que culminaram com os ataques de 8 de janeiro, ápice de um processo que já se desenvolvia desde o início do governo de Jair Bolsonaro e que somente não tiveram êxito graças à corajosa atuação do Supremo Tribunal Federal e de parcela da sociedade brasileira", diz. "A Justiça deve ser aplicada com rigidez nestes casos, observado o devido processo legal."

Longa prisão preventiva

Juridicamente, a prisão preventiva dos envolvidos está amparada na ideia de que seriam pessoas que representam risco para a ordem pública. "São circunstâncias muito específicas, que precisam ser analisadas pelo juiz", explica Sundfeld. 

Ele diz que essa análise é minuciosa porque a medida cautelar precisa fundamentar que "aquela pessoa coloca em risco a ordem pública ou a liberdade dela gera um perigo público à potencial punição do crime". "A lei exige prova ou indícios sólidos de ocorrência do crime e de autoria", destaca, lembrando que o episódio foi um conjunto de "crimes graves que colocaram em questão a própria ordem política e constitucional do Brasil".

Esse mecanismo também explica o fato de que, gradualmente, vários detidos estejam sendo postos em liberdade. "É natural que aquelas prisões iniciais fossem aos poucos trocadas por medidas cautelares menos onerosas tanto para o Estado, que tem de manter essas pessoas, como para as próprias pessoas", pondera Sundfeld, referindo-se a instalações de tornozeleiras eletrônicas ou restrições de deslocamento. 

O jurista Pereira atenta para uma questão técnica que também suscita confusão entre os críticos do Supremo. Trata-se da diferença entre prisão temporária e prisão preventiva, os dois tipos de prisão cautelar previstos na legislação brasileira. 

No caso da temporária, ela deve ser determinada quando imprescindível para as investigações ou quando o acusado não tiver residência fixa ou não permitir o esclarecimento de sua identidade. O prazo, contudo, é curto: cinco dias, prorrogáveis por mais cinco "em caso de extrema e comprovada necessidade", diz Pereira. "Em caso de crimes hediondos, 30 dias renováveis por mais 30."

Mas os golpistas detidos foram postos em prisão preventiva, ou seja, obedecendo a pelo menos um dos critérios previstos na lei — no caso específico, o enquadramento é possível tanto no sentido de "garantir a execução da pena que possa vir a ser decretada" quanto no de "preservar a ordem pública ou econômica". 

"Trata-se de uma medida excepcional, já que a pessoa investigada ainda não foi julgada", ressalta Pereira. "Pode ser decretada durante as investigações e também durante o curso do processo criminal, hipóteses presentes no caso dos ataques de 8 de janeiro de 2023. É preciso que a autoridade judicial, ao decretá-las, verifique a presença de prova da existência do crime, de indícios suficientes de autoria, da natureza da infração, entre outros."

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