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Como fica o Irã após a morte do presidente Raisi?

20 de maio de 2024

Morte de clérigo favorito à sucessão do líder supremo aiatolá Ali Khamenei desperta incerteza sobre o futuro do regime fundamentalista.

Multidão de homens erguendo cartazes com o rosto do presidente iraniano
Homens iranianos em cerimônia fúnebre para o presidente Ebrahim Raisi, morto em acidente de helicópteroFoto: Vahid Salemi/AP Photo/picture alliance

As circunstâncias da morte do presidente iraniano Ebrahim Raisi ainda são misteriosas. Os iranianos devem observar atentos os próximos dias e semanas, no aguardo de explicações sobre o acidente com o helicóptero presidencial que, além dele, levava o ministro das Relações Exteriores Hussein Amirabdollahian e outras nove pessoas – todas mortas ao regressarem de uma viagem neste domingo (19/05) à província iraniana do Azerbaijão Oriental.

Até lá, é provável que surjam muitas especulações no Irã sobre o tema, afirma Sara Bazoobandi, do Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área (Giga) em Hamburgo. "Pode ter sido um acidente ou falha mecânica, ou também sabotagem, possivelmente do entorno de Raisi. Nada pode ser descartado, tudo é possível."

Mulher iraniana lê jornal que traz reportagem na primeira página sobre morte de presidenteFoto: ATTA KENARE/AFP/Getty Images

Regime do aiatolá quer transmitir imagem de ordem e normalidade

Enquanto isso, o regime fundamentalista do aiatolá Ali Khamenei se esforça para manter a ordem e a normalidade no país. "Garantimos que não haverá o menor problema na administração do país", consta de declaração do gabinete emitida na manhã desta segunda-feira.

Mensagem semelhante veio do Conselho dos Guardiões, encarregado de zelar pela Constituição e a sharia, a lei islâmica: "Com a ajuda de Deus, os assuntos da nação e do povo continuarão sem interrupção."

Os negócios do governo serão agora conduzidos pelo primeiro vice de Raisi, Mohammad Mokhber. De Khamenei, clérigo e líder supremo do país, ele já foi encarregado de organizar novas eleições dentro de 50 dias.

Vice-presidente do Irã, Mohammad Mokhber, assume após a morte de Ebrahim Raisi; político tem laços com a Guarda RevolucionáriaFoto: Iranian Presidency/Handout/Anadolu Agency/picture alliance

A nomeação de Mokhber, que tem bom relacionamento com a Guarda Revolucionária – instituição militar mais poderosa do regime –, pode significar que ela aumentará ainda mais seu raio de influência sobre o governo, opina Hamidreza Azizi, cientista político do think tank berlinense Fundação Ciência e Política (SWP), em publicação no X (antigo Twitter).

Novas eleições no horizonte, mas sem surpresas

Nesta segunda-feira, um dia após o acidente, o governo iraniano anunciou novas eleições para 28 de junho, segundo informado pela imprensa estatal.

"No entanto, é provável que, mais uma vez, não sejam eleições legítimas, que reflitam a decisão da população. Farão eleições de fachada", pondera Bazoobandi.

As eleições serão realizadas em um momento muito conturbado para o regime e o país. O desemprego deve superar os 10% e a inflação deve chegar a 40%, segundo estimativas da GTAI, entidade alemã que reúne informações sobre comércio e investimento. O regime recorre cada vez mais à pena de morte: 835 vezes só no ano passado, de acordo com a ONG de direitos humanos Anistia Internacional, a maioria relacionada a drogas. A Anistia, porém, lista seis homens executados no contexto dos protestos de 2022 contra a morte de Mahsa Amini e um homem pelos protestos de novembro de 2019. Mulheres que se opõem ao governo também são duramente reprimidas.

Tudo isso deve contribuir para que poucas pessoas participem das eleições, diz Bazoobandi. "Eles não confiam no regime e têm pouca esperança de mudança. Além disso, muitos acreditam que o resultado já está decidido antes das eleições."

Azizi, da SWP, faz avaliação semelhante no X. Segundo ele, é difícil mobilizar o eleitorado em 50 dias. Ele lembra que nas últimas eleições ao Parlamento, há poucos dias, apenas 8% votaram. Ele, assim como o cientista político Karim Sadjadpour, da Fundação Carnegie, não descarta que a morte de Raisi possa deflagrar uma crise de sucessão.

Para Bazoobandi, a presidência pode acabar ficando com o vice Mokhber.

Nenhuma grande mudança esperada

Analistas também consideram improvável que a morte do presidente leve o regime a mudar seu curso. "Raisi recebeu suas instruções de Khamenei", diz Bazoobandi. "Ele era uma marionete. E o próximo presidente não será significativamente diferente."

O líder supremo do Irã, Ali Khamenei (esq.), e o presidente Ebrahim Raisi (foto de arquivo)Foto: leader.ir

Editor do site Amwaj.media, que monitora a situação no Irã, Mohammad Ali Shabani concorda. "Eleições presidenciais antecipadas poderiam dar a Khamenei e às altas esferas do Estado a oportunidade de fazer uma mudança de curso digna e abrir um caminho de volta ao processo político para eleitores desiludidos", diz. "Isso, no entanto, exigiria uma decisão estratégica para fazer uma reviravolta e expandir um círculo político que se tornou cada vez menor. Até agora, o establishment político tende a dobrar a aposta no controle conservador."

"A orientação básica da política iraniana permanecerá inalterada", reforçou o porta-voz de política externa do partido social-democrata alemão, Nils Schmid. "O sistema autoritário é estável o suficiente para lidar com a morte do presidente", disse, acrescentando que nada mudará na falta de legitimidade e incapacidade de reforma do regime em Teerã.

Reação da população a um novo aiatolá é incerta

Já que o presidente Raisi também era visto como sucessor do líder supremo Ali Khamenei, de 85 anos, a morte dele provavelmente também reacenderá o debate sobre a ocupação deste cargo. Um possível candidato é o filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei, mas Sadjadpour diz que ele deve ser rejeitado por grande parte da população e sua nomeação pode, até mesmo, ensejar protestos. "A falta de legitimidade e popularidade dele significa que ele dependeria totalmente da Guarda Revolucionária para manter a ordem. Isso poderia apressar a transição para um regime militar ou levar [o governo] ao colapso", escreveu Sadjadpour no X.

Já Bazoobandi, do Giga, diz ser improvável que haja novos protestos. "Os protestos após a morte de Jina Mahsa Amini há dois anos foram reprimidos com tanta brutalidade pelo regime que a população oposicionista está em grande parte desmotivada."

 

Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.