Como funciona o modelo alemão de formação profissional dual
Meyre Brito
29 de junho de 2017
Produto de exportação da Alemanha, sistema combina aprendizado teórico e prático, com remuneração. No Brasil, colégio de São Paulo oferece programa dual em parceria com instituições alemãs.
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Para a maioria dos jovens, o fim do ensino médio é um período de dúvidas e expectativas. É hora de decidir o que fazer da vida. Mas como ter certeza de que se está escolhendo o caminho certo aos 17 anos de idade? O sonho de muitos é ser bom no que faz e, ao mesmo tempo, ganhar dinheiro com isso.
Do outro lado dessa engrenagem estão as empresas. Elas esperam profissionais bem qualificados, pessoas que saibam exatamente do que a companhia precisa em termos técnicos, como realizar uma tarefa, como ser parte confiável de uma equipe e ainda conseguir se portar no ambiente de trabalho de maneira segura e assertiva.
Na Alemanha, o sistema dual de ensino, que permite conciliar prática e teoria para aprender uma profissão, é um programa de qualificação profissional com tradição de mais de 100 anos e que se tornou um produto de exportação.
Cerca de 40% dos jovens alemães optam pelo programa, que é remunerado. Dentre as mais de 2 milhões de empresas do país, 438 mil oferecem qualificação profissional dual. Por ano, se formam 500 mil novos aprendizes. Os gastos públicos com o sistema de formação dual são da ordem de 5,4 bilhões de euros. E as empresas contribuem com 7,7 bilhões de euros.
Segundo Thorsten Schlich, chefe de Gestão de Conhecimento do Departamento alemão de cooperação internacional em educação e formação profissional, um jovem na Alemanha não considera um déficit social concluir um ensino técnico em vez de uma formação acadêmica. "Isso está relacionado, entre outras coisas, à possibilidade de ocupar posições de liderança sem necessariamente ter um diploma universitário", afirma.
No Brasil, o sistema dual existe há mais de 30 anos em São Paulo, numa parceria do Colégio Humboldt com a Confederação Alemã das Câmaras de Comércio e Indústria (DIHK), a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK) e o Consulado Geral da Alemanha.
O curso Humboldt de Formação Profissional Dual tem duração de dois anos e funciona em sistema de blocos, intercalando seis semanas de trabalho numa empresa e seis semanas de estudos. Cada aluno é vinculado a uma multinacional, que financia seus estudos e lhe paga um salário durante o programa.
Teoria e prática
Em excursão pela Alemanha com alunos do curso do Humboldt, o professor e Coordenador da Formação Profissional Dual, Heiko Weinhappl, conta que muitos jovens seguem para a universidade logo depois do ensino médio por causa do status que o diploma oferece. No entanto, de acordo com Weinhappl, o nível de empregabilidade após a conclusão do curso técnico é de aproximadamente 80%.
Joyce Kiefer Cantero, de 19 anos, estuda Logística e trabalha parte do tempo na empresa Carl-Zeiss. Ela conta que não sabia que rumo tomar quando concluiu o ensino médio, e o sistema dual caiu como uma luva. A jovem tinha apenas duas certezas sobre o que queria: ser financeiramente independente e não ficar só na teoria da sala de aula.
Quando ficou sabendo da jobrotation – é preciso estagiar em seis áreas diferentes dentro da empresa –, logo se convenceu de que esse seria o caminho a seguir. Mudando de área cada vez que voltava para a empresa, ela pôde sentir na pele do que gostava. Depois dessa experiência, Joyce entendeu o que realmente queria fazer da vida: Marketing.
Alexander Mateus Hoeffer, também de 19 anos, não tinha dúvidas de que queria ser arquiteto, mas após conversar com amigos, ficou mais interessado no sistema de ensino dual.
"Não é fácil trabalhar numa multinacional aos 18 anos, sem ter experiência", conta. Mas isso não lhe fez perder o entusiasmo. O jovem conta que, com os certificados conferidos pelo curso, é possível ingressar numa universidade na Alemanha ou fazer pós-graduação no Brasil.
Assim como o colega, Carina Cipriano, de 19 anos, sabia bem com o que queria trabalhar logo ao acabar o ensino médio: Contabilidade. Ela chegou a passar no vestibular da Unifesp para Contabilidade, mas acabou optando pelo curso técnico no Humboldt.
Ela não é descendente de alemães, mas estudou o idioma e não queria perder o contato com a língua. "Além de juntar prática e teoria, nós aprendemos quatro idiomas. Falamos alemão praticamente o tempo todo, um pouco de português e ainda temos aulas de espanhol e inglês", conta.
Dez dicas para estudar na Alemanha
A Alemanha está se tornando um destino cada vez mais atraente para estudantes de diversos países, mesmo aqueles com tradição em receber estrangeiros nas suas universidades, como Inglaterra e Estados Unidos.
Foto: DAAD/Volker Lannert
Gratuidade relativa
Depois de longo impasse e muitos protesos, os Estados alemães aceitaram, no ano passado, abolir as mensalidades em várias universidades. Mas só fica livre do pagamento de taxas quem se candidatar para cursos específicos nas universidades públicas, aceitar e quiser estudar sob as mesmas condições que os estudantes alemães - com todos os desafios inerentes.
Foto: Fotolia/N-Media-Images
Controle sua tendência “workaholic”
O visto para estudante limita a permissão de trabalho. Estudantes sem passaporte da União Europeia podem trabalhar anualmente 120 dias em tempo integral ou 240 em tempo parcial. Durante o semestre, estudantes devem somente trabalhar 20 horas por semana. Comparando com EUA e Inglaterra, aluguel, alimentação, seguro saúde e transporte público são mais baratos.
Foto: DW/M. Soric
Candidatura de bolsas
Se você é talentoso na sua área e assíduo em candidaturas, deve haver uma fonte de financiamento esperando por você para estudar na Alemanha. O DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico - é uma instituição pública e oferece diversas possibilidades de auxílio para estrangeiros. Existem também fundações com bolsas especiais. A bolsa ajuda o estudante ser aceito na universidade.
Foto: DAAD - Chile
A luta dos imigrantes é real
Se voce não for cidadão europeu, certamente terá que dedicar bastante tempo ao Ausländerbehörde (o serviço de imigração). Você será responsável por resolver questões fundamentais para a sua permanência no país, como arranjar um seguro de saúde, provar suas condições financeiras, encontrar um apartamento, registrar-se na prefeitura, renovar o visto e manter esses documentos organizados.
Foto: AP
Não tema formulários
Você precisará se acostumar com papeladas e formulários diversos, convenções e linguagem burocrática. Tenha sempre a cópia de tudo. Ser organizado e rápido para acessar seus documentos vai ser um ponto importante a seu favor em situações concretas - desde negociações para um visto até eventuais problemas com apartamentos alugados.
Foto: picture-alliance / dpa/dpaweb
Falar alemão ajuda
Na maioria das cidades alemãs, você poderá viver sem saber a língua local. Muitos cursos nas universidades estão disponíveis inclusive em inglês. Contudo, a sua vida será mais fácil se você dominar o idioma alemão. Isso auxiliará em situações do quotidiano – desde lidar com servidores públicos até fazer amigos. Se você decidir trabalhar, a fluência será clara vantagem.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Kalaene
As universidades não vão paparicar você
Muitas universidades privadas no Brasil costumam pegar os estudantes pelas mãos e quase implorar para que concluam seus trabalhos no final do semestre. Não é bem assim que o ensino superior alemão funciona. Você terá retorno se investir tempo e energia. Enquanto alguns cursos são mais expositivos - com avaliação da participação em aula e apresentação de seminários - outros fazem exames finais.
Foto: DW/J. Albrecht
Diversos tipos de acomodações
Algumas universidades alemãs têm residências oficiais para estudantes a seu modo - pode ser uma pequena “vila de estudantes” (Studentendorf) ou blocos de apartamentos localizados na zonas urbanas, que oferecem um quarto simples. Você pode também tentar partilhar um apartamento, ingressando em uma WG (Wohngemeinschaft). Esta pode ser uma boa alternativa para fazer amigos e aprimorar o idioma.
Você não será o primeiro
Não interessa a crise existencial que o afete – seja problemas com o visto ou o ingrediente “exótico” daquela comidinha caseira: alguém em algum fórum de discussão sobre a Alemanha já começou um debate espirituoso sobre o tema. Crie o costume de fazer buscas simples nestes fóruns antes de pedir dicas. Poucas coisas irritam mais os sabichões expatriados do que perguntas redundantes.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Bozoglu
Atenção: você pode querer ficar para sempre
Você terminou o curso e agora só vai querer ficar mais um tempinho, relaxar um pouco na Alemanha, talvez trabalhar e depois voltar para casa para se estabilizar financeiramente, certo? Talvez. Ou você pode se apaixonar perdidamente pela Alemanha. Então vai ter de enfrentar o dilema de dizer permanentemente Tschüss para a sua terra natal ou partir o seu coração por deixar um país encantador.