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Como funcionará o inédito Ministério dos Povos Indígenas

3 de janeiro de 2023

Comandado por deputada indígena maranhense Sônia Guajajara, nova pasta recria órgãos extintos em 2019 e reorganiza a Funai, enfraquecida no governo Bolsonaro.

Ministra Sônia Guajajara
Ministra Sônia Guajajara, nasceu e foi criada na Terra Indígena Arariboia (MA)Foto: Vincent Bosson/Fotoarena/IMAGO

Em decreto publicado em 1º de janeiro, o governo Lula oficializou a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o primeiro na história da política nacional a ser dedicado exclusivamente às demandas indígenas.

A pasta será comandada pela deputada federal eleita em 2022 Sônia Guajajara. Nascida e criada na Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, a parlamentar é a primeira ministra indígena do Brasil.

O Ministério dos Povos Indígenas, segundo detalha o documento, tem por função reconhecer, garantir e promover os direitos dos povos indígenas; proteger os povos isolados e de recente contato; demarcar, defender e gerir territórios e terras indígenas; monitorar, fiscalizar e prevenir conflitos em terras indígenas e promover ações de retirada de invasores dessas terras.

Também passam integrar a pasta dois importantes órgãos que até então estavam vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Social: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o maior órgão de política indigenista do país desde 1967, e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), criado em 2015 por Dilma Rousseff para garantir a participação de representantes dos povos indígenas na formulação de políticas públicas. Enquanto a Funai perdeu suas funções no governo anterior, o CNPI foi extinto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Colocar a Funai dentro do Ministério dos Povos Indígenas é reconhecer a necessidade de aproximar as políticas indigenistas à realidade dos povos indígenas e de incluí-los nos processos de decisão política”, afirma o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.

Além da Funai e do CNPI, a pasta é formada por três secretarias – além da Secretaria-Executiva – e sete departamentos, sendo eles:

  • Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, formada pelos departamentos de Demarcação Territorial e de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato;
  • Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, formada pelos departamentos de Justiça Climática e o de Gestão Ambiental, Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena;
  • Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas, formada pelos departamentos de Promoção da Política Indigenista e de Línguas e Memórias Indígenas;
  • Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas, que não está vinculado a nenhuma secretaria

Retomada da Funai e da política de demarcação

Um dos coordenadores do grupo de trabalho de povos indígenas do governo de transição de Lula, Karipuna afirma que o foco do ministério indigenista será a retomada das demarcações de terras indígenas, política paralisada nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.

"A demarcação de terras é a principal demanda do movimento indígena brasileiro desde antes da Constituição Federal de 1988. A pauta ganhou força depois do texto da Constituição, que garantiu o direito de termos nossas terras demarcadas, mas essa política não foi efetivamente implementada até hoje”, diz Karipuna.

O Brasil tem 722 terras indígenas conhecidas. Todas elas deveriam ter sido demarcadas até 1993, segundo a Constituição Federal, mas apenas 487 foram homologadas (quando o processo de demarcação é concluído).

Além de abandonar a política de demarcação territorial, o governo Bolsonaro tentou submeter a Funai ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), então comandado pela ministra Tereza Cristina, parlamentar egressa representante da bancada ruralista. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal, contudo, julgou a ação inconstitucional e a Funai permaneceu no Ministério da Justiça e Segurança Pública, porém sem suas funções essenciais, como a demarcação de terras.

Com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, a Funai recupera suas funções. O órgão também passa a ser presidido por uma indígena, a deputada federal Joenia Wapichana.

Além da Funai, a política de demarcação de territórios indígenas do ministério também conta com o Departamento de Demarcação Territorial, que analisará os processos de demarcação encaminhados pela Funai. Também caberá ao departamento promover ações de fiscalização e desintrusão nos territórios indígenas, acompanhando eventuais reintegrações de posse.

"Sabemos que retomar a demarcação de terras indígenas será um enorme desafio para o país, já que não depende somente de vontade política, também precisamos garantir que essa política indigenista seja incluída no orçamento da União”, pondera Karipuna.

Criação da nova pasta era promessa de campanha do presidente Lula (esq., ao lado de Sônia Guajajara)Foto: Adriano Machado/REUTERS

Política interseccional

Para cumprir suas funções, o Ministério dos Povos Indígenas deverá atuar de maneira interseccional com outros ministérios e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

"O Ministério dos Povos Indígenas nasce com uma responsabilidade enorme de garantir a proteção dos povos indígenas e de avançar na demarcação de suas terras, mas será preciso uma ação integrada entre a pasta e diferentes órgãos para promover a segurança e autonomia dessas populações”, diz Karipuna.

Um dos exemplos da expectativa de atuação interseccional é a competência do Ministério dos Povos Indígenas terá nos acordos e tratados internacionais relacionados aos povos indígenas, cabendo à ministra Sônia Guajajara trabalhar em articulação com o Ministério das Relações Exteriores.

A pasta também vai promover e acompanhar, em articulação com o Ministério da Saúde, o atendimento à saúde diferenciado aos povos indígenas de recente contato, além de atuar em articulação com a Secretaria Especial de Saúde Indígena, também do Ministério da Saúde, em prol da política de saúde indígena.

De tutelados a atores políticos

A criação de um ministério totalmente dedicado às demandas indígenas foi uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Mais do que uma conquista pessoal, esta é uma conquista coletiva dos povos indígenas do Brasil, um marco na nossa história de luta e resistência. A criação do Ministério dos Povos Indígenas é a confirmação do compromisso que o presidente Lula assume conosco, garantindo a nós autonomia e espaço para tomar decisões sobre nossos territórios, nossos corpos e nossos modos de viver”, declarou Sônia Guajajara em nota enviada à imprensa no dia da sua nomeação, 29 de dezembro.

Apesar da conquista do movimento, Karipuna explica que, até a campanha eleitoral de 2022, a Apib não havia proposto a nenhum governo até então a criação de um ministério indígena. Em entrevista à DW Brasil em setembro, a ministra Sônia Guajajara também lembrou que a Apib só entrou para a política partidária em 2017, como estratégia para reverter a política anti-indigenista colocada em curso no país após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. 

Por isso, para Kleber Karipuna a criação do Ministério dos Povos Indígenas é resultado de um processo de luta dos povos indígenas por protagonismo e autonomia na política brasileira.

"Apesar da legislação já ter rompido com o regime de tutela do índio pelo Estado, vários governos, o judiciário e parte da sociedade ainda vê o indígena como alguém incapaz. É um preconceito estrutural que não vê o indígena como um cidadão. Ter um ministério indigenista dirigido por uma indígena é reconhecer que os indígenas podem falar por si sós”, diz o coordenador executivo da Apib.

 

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