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Como Hollywood propaga estereótipos

25 de fevereiro de 2019

Desde seus primórdios, indústria cinematográfica americana reflete preconceitos da sociedade e também os reforça. Alguns clichês sobre grupos sociais ou étnicos parecem ser insuperáveis.

Personagem interpretado em versão feminina por Tilda Swinton em "Doctor Strange" é asiático em história em quadrinhos que inspirou o filme
Personagem interpretado em versão feminina por Tilda Swinton em "Doctor Strange" é asiático em história em quadrinhos que inspirou o filmeFoto: picture-alliance/AP/Marvel/Disney/J. Maidment

Nos últimos anos, Hollywood foi alvo de críticas por racismo e sexismo. Ambos são profundamente enraizados e podem ser percebidos nos atores diante das câmeras, nas pessoas que comandam o setor e também na representação de grupos sociais em filmes.

Para mostrar como os estereótipos evoluíram em Hollywood, a DW examinou clichês recorrentes em mais de 6 mil filmes que concorreram ao Oscar desde 1928.

Há muitos exemplos de caricaturas racistas ao longo da história de Hollywood. Negros e asiáticos são os alvos mais comuns. Um exemplo é Breakfast at Tiffany's, com Audrey Hepburn, no qual o vizinho Mr. Yunioshi, com seus dentes tortos e sotaque típico, parodia um japonês.

"Racismo, na forma de exclusão do mercado de trabalho e de papéis estereotipados, marca a indústria cinematográfica de Hollywood já desde os seus primórdios, no início dos anos 1900", escreve a socióloga Nancy Wang Yuen no livro Reel Inequality: Hollywood Actors and Racism.

Mr. Yunioshi encarna vários clichês em "Breakfast at Tiffany's"Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library

De fato, nos primeiros anos, personagens asiáticos, quando existiam, apareciam sempre como clichês ofensivos: ou eram vilões misteriosos e ameaçadores ou caricaturas, como Mr. Yunioshi. Para completar, Mr. Yunioshi ainda é interpretado pelo americano Mickey Rooney, ou seja, é um exemplo de yellowface, um não asiático que é maquiado de forma caricata para se parecer com um asiático.

Essa prática era comum em Hollywood. Produtores relutavam em contratar atores de minorias. Em vez disso, eles colocavam brancos para interpretarem os papéis. O processo acabou se retroalimentando: preconceitos perdem força à medida em que pessoas de diferentes grupos étnicos passam a ter mais contato entre si.

"Só que os asiáticos eram historicamente segregados nos Estados Unidos. Ainda hoje, a maioria dos papéis de asiáticos e americanos de origem asiática não é interpretada por eles mesmo, mas por pessoas que não sabem muito sobre eles", comenta o pesquisador Kent Ono, da Universidade de Utah e que estuda a representação de etnias na mídia.

"Entre as pessoas que não conhecem nenhum asiático, essa situação cria uma ideia curiosa sobre como os asiáticos são. E os asiáticos nos Estados Unidos frequentemente não consegue se identificar com as representações bizarras deles mesmos", completa.

Clichês desse tipo estão reunidos no site Wiki TVTropes.org. Nele, usuários podem documentar todos os clichês que observam na mídia. Quais séries de TV sustentam que Elvis ainda está vivo? Quais games têm uma criança assustadora? E quais filmes têm personagens asiáticos interpretados por brancos?

Yellowface ainda é muito comum. Em 2012, o filme A viagem foi criticado porque muitos dos atores não asiáticos foram fantasiados de asiáticos numa parte da narrativa. A representação não pretendia ser uma caricatura, mas os críticos argumentaram que atores asiáticos poderiam ter desempenhado os papéis. O argumento era de que, como já há poucos papéis para atores asiáticos, e menos ainda para representações não estereotipadas, atores brancos não deveriam interpretar asiáticos.

O debate surgiu também quando Scarlett Johansson ganhou o papel principal no filme de ação da série japonesa Ghost in the Shell. Ou quando Tilda Swinton interpretou um personagem que originalmente era asiático em Doctor Strange.

Personagem interpretado em versão feminina por Tilda Swinton em "Doctor Strange" é asiático em história em quadrinhos que inspirou o filmeFoto: picture-alliance/AP/Marvel/Disney/J. Maidment

Muitos dos piores clichês sobre asiáticos dos anos 1960 e 1970 sumiram dos cinemas. Um que se mantém irredutível, porém, é a dupla "branco forte, asiática suave": um personagem branco e forte com uma parceira asiática submissa. Essa combinação alcançou seu auge mais tarde, já que, antes dos anos 1950, regras de censura rígidas impediam pares românticos de etnias diferentes nos EUA. Quando essa censura perdeu força, o estereótipo avançou.

Muitos dos antigos estereótipos deram lugar a outras representações na segunda metade do século 20. Nos anos 1970 e 1980, o sucesso dos filmes de Bruce Lee e de artes marciais fizeram surgir o estereótipo "todos os asiáticos sabem lutas marciais". Só que, hoje em dia, a representação mais comum de um asiático é o chamado Model minority.

"São cientistas, médicos ou alguma profissão técnica. São os bons alunos que nasceram numa família rica e não costumam ter dificuldades econômicas", explica Ono. Essa tendência não está registrada como clichê no Wiki TVTropes, mas ela encontra sua melhor representação no estereótipo do nerd asiático, que ganhou espaço nos últimos anos.

Segundo o Hollywood Diversity Report, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Hollywood ainda tem um longo caminho pela frente. Apesar de os asiáticos serem 6% da população americana, eles ocuparam apenas 3% dos papéis em 2017 e 2018. Os negros ocupam 12,5% dos papéis, o que é quase o mesmo percentual de sua representação na população dos Estados Unidos. Porém, em muitos casos os personagens negros não aparecem bem na tela.

Negros morrem antes

Nos primórdios de Hollywood, personagens negros frequentemente também não eram interpretados por atores negros. Na verdade, eles quase não apareciam, salvo como representações caricaturescas, interpretados por brancos, o chamado blackface. Essa prática vem da tradição teatral americana, que é cheia de estereótipos racistas de negros.

Hoje, o blackface é inaceitável, mais ainda do que yellowface. Ele praticamente não é mais usado em filmes, salvo para criticar essa prática. Em Dear white people, por exemplo, membros de uma fraternidade organizam uma festa blackface na universidade. O filme, assim como a série da Netflix a que ele deu origem, usaram essa cena como base para um debate sobre racismo nas universidades dos Estados Unidos.

Mas, à medida em que o número de caracteres e personagens negros em Hollywood aumentava, outros estereótipos inevitavelmente foram surgindo. Até hoje, homens negros costumam ser apresentados como amedrontadores ou bravos, e mulheres negras, como barulhentas e atrevidas. Quando um filme tem um personagem negro, muitas vezes ele é o melhor amigo negro. E quando pessoas morrem num filme, muitas vezes o personagem negro é o primeiro. Nada disso mudou nos últimos anos, apesar de uma maior consciência sobre estereótipos.

Latinos são amantes

Os latino-americanos são, com cerca de 18% da população, a maior minoria étnica nos Estado Unidos. Assim, não surpreende que eles também representem uma boa porção dos estereótipos que aparecem nos filmes de Hollywood. Uma olhada em 2.682 filmes desde o ano de 2000 mostra que o suposto sex appeal é a característica mais associada aos latinos.

A mulher latino-americana frequentemente aparece como a spicy latina: temperamental, sedutora, atraente, que sabe se defender sem perder a imagem de sensualidade. Já os homens muitas vezes desempenham o papel do amante latino, com um visual pré-definido (pele morena, cabelo escuro) que serve como generalização de todos os homens latino-americanos.

Alemães são quase sempre os nazistas

Estereótipos que se apoiam em acontecimentos históricos podem ser especialmente dolorosos. Para os alemães, que reconhecem sua culpa pelos crimes cometidos no regime nazista, ver frequentemente personagens alemães nazistas não é nada agradável. E, considerando os filmes de 2000 para cá, este ainda é o estereótipo mais comum: o de que todos os alemães são nazistas.

Logo em seguida vem outro clichê difícil de ser enterrado: o do cientista alemão. Esse, pelo menos, é um estereótipo positivo e que encontra sua origem em cientistas verdadeiros, que fugiram do regime nazista para os Estados Unidos. O mais famoso deles é Albert Einstein.

O Dr. Brown de "De volta para o futuro" faz referência ao clichê do cientista alemãoFoto: picture-alliance/dpa/Universal/Zemeckis

Russos são beberrões e grosseiros

Até hoje as representações de russos em filmes de Hollywood são marcadas pelas imagens criadas na Guerra Fria. O estereótipo mais comum é o personagem beberão, machão e grosseiro. Nos filmes, esses caracteres precisam suportar de tudo, são os que mais se machucam e costumam viver vidas duras e de grandes privações.

É também muito comum que russos sejam interpretados por atores que não são russos. Em Rocky 4, por exemplo, o sueco Dolph Lundgren interpreta o boxeador Ivan Drago. O mesmo ocorre com Arnold Schwarzenegger em Fogo contra fogo e com Viggo Mortensen em Senhores do crime. Durante a Guerra Fria, havia uma compreensível carência de atores russos em Hollywood. Mas, mesmo hoje em dia é essa uma das características mais comuns dos personagens russos.

Adaptação de Hollywood é lenta

O elenco dos filmes de Hollywood ainda está longe de representar a diversidade da população mundial – e até mesmo da população dos EUA. Tanto diante da câmera quanto atrás dela, os brancos têm presença dominante. Isso também influencia na maneira como representações cinematográficas reproduzem estereótipos.

Apesar disso, há motivos de esperança: em 2017, Viola Davis foi a primeira mulher negra a vencer tanto o prêmio Tony quanto o Emmy e o Oscar por sua atuação em Um limite entre nós. Em 2018, a comédia romântica Podres de ricos, com elenco quase exclusivamente asiático, foi um sucesso de bilheterias. E também no ano passado, a atriz de origem vietnamita Lara Condor estrelou o filme de romance adolescente A todos os rapazes que amei, exibido pelo Netflix, no papel principal.

Como mostram os números do Diversity Report, a indústria cinematográfica está se movendo lentamente em direção a um modelo de representação mais igualitária. "Ainda existem grandes barreiras", diz Ono, "e sempre haverá pessoas que são representadas conforme estereótipos. Mas hoje tenho mais esperança do que há dois anos. Há grandes diretores independentes que trabalham para obter mais representação. E, de vez em quando, até mesmo Hollywood escuta."

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