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Como Niterói virou exemplo na preparação contra a covid-19

6 de abril de 2020

Em janeiro, cidade criou grupo para acompanhar evolução da pandemia e criar estratégias de combate a impactos do coronavírus. Além de investir em hospital, município ofereceu auxílio emergencial aos mais carentes.

Agentes de saúde desinfetam ruas na Vila Ipiranga, em Niterói
Agentes de saúde desinfetam ruas na Vila Ipiranga, em NiteróiFoto: Getty Images/L. Alvarenga

No final de janeiro, quando a China anunciou o isolamento total de Wuhan, cidade de 11 milhões de habitantes onde surgiu a covid-19, para a grande maioria dos brasileiros as imagens de avenidas desertas e comércios fechados ainda pareciam um problema distante. Mas, na mesma semana, a prefeitura de Niterói, no Rio de Janeiro, criava um grupo de resposta rápida para acompanhar e planejar como a cidade deveria reagir se o vírus chegasse até lá.

Esse grupo, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde, começou a compilar publicações acadêmicas sobre a infecção, desenvolver um plano de contingência para reagir à eventual contaminação de seus moradores e treinar servidores da área de saúde. Era uma iniciativa de precaução, mas que acabou abrindo caminho para a cidade se destacar na adoção de políticas públicas antecipadas para lidar com a pandemia.

Entre essas medidas, Niterói anunciou, em 18 de março, que pagaria uma bolsa de 500 reais a seus moradores mais pobres – quando, a nível federal, o governo ainda discutia se iria oferecer algum suporte aos brasileiros desassistidos por meio do Bolsa Família ou de um outro auxílio específico.

O município preparou ainda o primeiro hospital exclusivo do país para o atendimento de pacientes do coronavírus e comprou 40 mil testes de covid-19 para fazer testagem em massa, com o objetivo de chegar a 80 mil testes, ou seja, alcançar 16% de sua população.

No total, as iniciativas de Niterói para atenuar os efeitos do coronavírus na saúde pública, na economia e na estrutura social custarão até 300 milhões de reais, pouco menos de 10% do orçamento anual da cidade, de 3,6 bilhões de reais, afirma à DW Brasil o secretário de Planejamento da cidade, Axel Grael (PDT).

O orçamento municipal da saúde será incrementado em 150 milhões de reais, alta de 30% em relação ao valor inicial. Niterói é uma cidade relativamente rica, com um forte setor de serviços e parte das empresas da cadeia produtiva de petróleo e gás do país.

"Na época da criação do grupo de resposta rápida, ninguém tinha ainda a dimensão que essa pandemia alcançaria, mas isso nos deu uma vantagem importante: quando o vírus chegou, já tínhamos um planejamento e uma reflexão sobre como agir", afirma Grael, que é irmão dos iatistas e medalhistas olímpicos Lars e Torben Grael. 

O primeiro caso de um morador da cidade infectado pelo coronavírus foi confirmado em 7 de março, e na semana seguinte a prefeitura iniciou o processo de isolamento social da população. O secretário municipal de saúde da cidade, Rodrigo Oliveira, avalia que o feriado de Carnaval, entre os 21 e 25 de fevereiro, foi um elemento importante para a chegada do vírus. "É uma época em que muitos estrangeiros vieram ao Brasil, e na qual brasileiros também viajaram ao exterior", diz.

Assistência aos moradores mais pobres

A partir do início do isolamento social e da suspensão das aulas da rede pública, a prefeitura definiu estratégias para garantir a segurança alimentar das famílias mais pobres, com a distribuição imediata de 32 mil cestas básicas.

A outra medida foi a criação de um auxílio emergencial de 500 reais por mês, a ser pago em abril, maio e junho, para as famílias com renda per capita abaixo de meio salário mínimo ou renda familiar total de até três salários mínimos.

Cerca de 35 mil famílias do município serão atendidas, incluindo as listadas no Cadastro Único do governo federal, microempreendedores individuais e ambulantes que tenham faturamento abaixo do valor estipulado.

Moradores de rua também estão sendo convidados a se mudarem para um hotel alugado, onde terão alimentação e hospedagem desde que se comprometam a seguir o isolamento social.

Hospital só para covid-19

As estatísticas internacionais sobre o coronavírus indicam que cerca de 15% das pessoas infectadas precisam ser internados, e até 5% podem necessitar de leitos em UTIs.

Como o número desses leitos é limitado, o isolamento social é adotado para reduzir o pico de infectados e distribuir a contaminação ao longo de um maior período de tempo. Na outra ponta, governos e empresas se esforçam para aumentar o número de leitos hospitalares com respiradores mecânicos.

Em Niterói, a prefeitura estimou que seria necessário criar 200 leitos exclusivos para pacientes com a covid-19. E, no cenário ideal, concentrá-los ao máximo em um mesmo local, "para evitar a contaminação de outros doentes e reunir a expertise médica num só lugar", diz Oliveira.

O governo local aproveitou que havia um hospital privado recém-concluído na cidade, o Hospital Oceânico, que ainda não havia sido inaugurado por questões empresariais, e o alugou por um ano. "Era uma oportunidade", diz Oliveira. Esse hospital será aberto na próxima sexta-feira (10/04) e terá 140 leitos exclusivo para pacientes com covid-19. Mais 60 leitos foram abertos em outras unidades.

Outra política pública adotada por países que começaram a enfrentar a covid-19 antes do Brasil e estão conseguindo mantê-la sob controle é a testagem em massa da população, para identificar os focos de contaminação e evitar a ocorrência de novos casos. Em Niterói, a prefeitura decidiu testar 80 mil de seus cerca de 500 mil moradores, e adquiriu um lote de 40 mil testes, com a expectativa de que seja entregue nesta semana.

Questionado sobre o comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, que vem criticando prefeituras e unidades da Federação que estabeleceram políticas de isolamento amplas para conter a pandemia, Grael afirma que as declarações do presidente geraram "confusão" e podem incentivar alguns moradores a romper o isolamento. No entanto, ele elogia a condução do ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta, durante a crise.

"O ministro da Saúde está fazendo o que tem de ser feito, porém há uma posição divergente no governo federal que atrapalha muito o processo. Mas o que está ficando claro é a força do pacto federativo no Brasil — mesmo que tenhamos na instância federal uma posição dúbia, estados e municípios estão cumprindo seu papel", afirma Grael.

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