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Como o Brasil alimenta a desigualdade

28 de agosto de 2018

Educação pública de baixa qualidade, sistema tributário injusto e aposentadorias privilegiadas ajudam a formar uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Cena do cotidiano: garoto engraxa os sapatos de um homem, que consulta o celular no RioFoto: Getty Images/AFP/Y. Chiba

A riqueza brasileira é distribuída de forma extremamente desigual. Somados, os seis brasileiros mais ricos têm o mesmo patrimônio que os 100 milhões na base da pirâmide social – e a maior parte destes são pardos ou negros, descendentes de escravos trazidos da África durante os 350 anos de escravidão no Brasil.

Esse processo de desigualdade tem suas origens na escravidão. "Mas é um processo que se alimenta e se reproduz o tempo todo. Então ficar olhando apenas para um passado distante não é muito produtivo", comenta o economista Samuel de Abreu Pessoa, da empresa de consultoria Reliance. 

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O processo de desigualdade começa pelo sistema educacional, que não garante um acesso igualitário à educação. "Nossa desigualdade foi muito agravada pela maneira como tratamos a questão educacional durante a grande transição demográfica brasileira", diz Pessoa. A população brasileira cresceu enormemente entre 1930 e 1980. Ao mesmo tempo, houve um enorme sub-investimento em educação nesse período, afirma.

Segundo ele, o total investido correspondia a apenas 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje são 6%. "O Brasil não gasta pouco com educação pública, mas gasta de forma extremamente ineficiente", comenta Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal. Como consequência, a qualidade da educação pública, nos ensinos fundamental e médio, é muito baixa, o que afeta principalmente as camadas mais pobres da população, que não podem pagar pelo ensino privado.

As consequências dessa situação se manifestam também na baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Esta, por sua vez, contribui para os baixos salários, observa Pessoa.

Já o Estado pouco faz para mudar essa situação por meio de uma política fiscal mais justa ou elevando os gastos sociais. "O Estado é quase neutro na forma como interfere na desigualdade", constata o economista.

O sistema fiscal também contribui de forma expressiva para a desigualdade brasileira. Enquanto os 10% mais pobres usam cerca de 32% de sua renda para pagar impostos, a carga tributária dos 10% mais ricos é de 21%.

"O sistema tributário brasileiro é fortemente concentrado no consumo", comenta Tathiane dos Santos Piscitelli, da Fundação Getúlio Vargas. Isso naturalmente gera injustiça. As famílias pobres acabam reservando uma parcela muito maior dos seus ganhos para o consumo, o que faz com que elas também paguem, proporcionalmente, muito mais impostos do que os mais ricos, que destinam uma parcela menor dos seus vencimentos ao consumo.

Além disso, o imposto de renda também favorece os mais ricos. "A tributação sobre a renda deveria ser progressiva, mas na verdade é regressiva, pois há isenção total sobre a distribuição de lucros e dividendos da pessoa jurídica para pessoa física", comenta Piscitelli. O imposto para empresas está em 34%, mas muitas delas usam furos na legislação para pagar bem menos. "É um ponto que precisa ser repensado."

Assim como o sistema previdenciário, cujo déficit não para de aumentar. Responsável por essa situação são as aposentadorias do serviço público. "O setor público garante uma aposentadoria absolutamente fora da realidade", comenta Pessoa. Mas tentativas de reforma esbarram na oposição dos funcionários públicos. "O setor público é cooptado pelas corporações. E os servidores públicos fazem o Estado servir a eles, e não ao público."

Hoje o Brasil destina o equivalente a 14% do PIB para pagar aposentadorias. No Japão são apenas 10%, apesar de no país asiático haver, em relação à população, quatro vezes mais aposentados. Como resultado, falta dinheiro para investimentos em infraestrutura, escolas e hospitais. "Tudo isso estimula as pessoas a pagarem menos impostos", diz Pessoa, o que cria um círculo vicioso.

"A crise econômica que começou em 2014 ameaça os avanços registrados nos últimos anos no combate à pobreza. De 2001 a 2014, o Brasil vivenciou uma redução anual na desigualdade, e a renda dos 5% mais pobres cresceu duas vezes mais que a renda média", diz o economista Marcelo Neri, ex-presidente do Ipea. "Nesse período, programas sociais diminuíram a pobreza em dois terços. Mas atualmente a desigualdade vem crescendo fortemente, o que não acontecia desde 1989." Segundo Neri, 7 milhões de brasileiros voltaram para a pobreza desde 2014.

O resultado são 13 milhões de desempregados, 34 milhões de trabalhadores informais e 27 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Já os trabalhadores com carteira assinada são apenas 33 milhões. "Precisamos reduzir de forma rápida o nível de informalidade no mercado de trabalho para dar ao trabalhador condições de acesso às garantias mínimas das leis trabalhistas", afirma o ex-presidente do Banco Central Carlos Geraldo Langoni. "Só com um crescimento anual de 3% ou 4% é possível pensar em políticas sociais."

Appy defende uma simplificação do sistema tributário "complexo e ineficiente", bem como cortes nos benefícios fiscais às empresas. "O modelo brasileiro está contaminado por uma quantidade monumental de benefícios fiscais para setores e empresas", comenta. "Isso gera distorções econômicas enormes e problemas políticos." Ele calcula que 10% do PIB são perdidos dessa maneira.

Appy sugere uma reforma radical em favor da redistribuição. "Estamos propondo cruzar os dados de CPF na compra de bens de consumo com os dados do cadastro de programas sociais – e devolver aos pobres, via transferência de renda, uma parcela relevante dos impostos que pagarem no seu consumo. Assim focamos nas pessoas certas." Quatro candidatos presidenciais – Ciro Gomes, Marina Silva, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad – já manifestaram apoio à ideia, afirma.

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