Como o cinema alemão via a homossexualidade 100 anos atrás
Jochen Kürten av
28 de junho de 2019
Há um século era lançado na Alemanha o primeiro filme a abordar a temática gay de forma aberta e direta. Restaurado após destruição pela censura, "Diferente dos outros", de Richard Oswald, impressiona por sua atualidade.
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Em 1919 chegava aos cinemas alemães o primeiro filme a se ocupar de forma aberta e direta da temática homossexualidade: Diferente dos outros (Anders als die Andern), de Richard Oswald, cineasta vienense que se especializara em "filmes educativos", um gênero bastante popular dos primórdios do cinema.
Suas produções anteriores abordaram temas como prostituição, estupro e aborto. Para a nova película, Oswald buscou a colaboração de Magnus Hirschfeld, médico e reformador da sexualidade que, em 6 de julho do mesmo ano, fundaria o Instituto de Pesquisa Sexual em Berlim.
Diferente dos outros trata de um violinista (Conrad Veidt) que mantém uma relação com um de seus alunos, expondo-se a chantagem por um michê. A situação redunda num processo em que, representando a si, Hirschfeld (ele próprio homossexual) faz um apelo ardente pela anulação do Parágrafo 175, o qual desde 1872 criminalizava relações sexuais entre homens (a anulação só viria em 1994). Ainda assim, o processo resulta em desonra social para o músico, que, não vendo mais futuro para si, se suicida.
"Hirschfeld via o cinema como um importante meio para a ciência, a cooperação entre ciência e cinema, para assim alcançar um público maior", explica a jornalista Sabine Schwientek, que acaba de lançar uma abrangente biografia do ator Conrad Veidt, onde analisa a participação dele em Diferente dos outros.
"A dúvida, no início, era se se fazia um documentário de base puramente científica ou se apresentava, de modo exemplar, um destino fictício, baseado em fatos reais, aproximando-o do público." Por fim decidiu-se fazer uma mistura de ambos.
Após sua estreia, em 28 de maio de 1919, a película muda afirmou-se como sucesso de bilheteria, ao mesmo tempo em que gerou um grande escândalo. A obra de Oswald provocou reações indignadas da imprensa conservadora e nacionalista de direita, e muito breve ouviam-se apelos veementes pela introdução de uma censura cinematográfica na Alemanha.
A revista mensal Kothurn classificou Diferente dos outros de "kitsch tedioso e sem imaginação, enfeitado com pesquisas científicas sérias [...] um filme como lata de lixo para todos os dejetos do dia". Não menos drástica foi a caracterização do professor de história da arte Konrad Lange, no livro de 1920 O cinema no presente e no futuro. "Bem recentemente são as manifestações perversas da vida sexual que despertam apreciação especial, como conteúdo de filmes educativos." E o comentário do jornal Deutsche Zeitung é ainda mais pérfido: "Será que nós, alemães, devemos nos deixar empestear pelos judeus?"
Na avaliação de Schwientek, o filme de Oswald ultrapassara um "limiar de dor conservador", com sua narrativa emocional e melodramática e abordagem aberta da homossexualidade, por isso "as reações devem ter sido extremamente brutais".
Hoje é quase impossível imaginar tais efeitos, porém, "considerando quanto demorou até o Parágrafo 175 ser anulado, pode-se até certo ponto imaginar como foi espetacular esse lançamento em 1919". A jornalista lembra que na época homossexualidade era tema absolutamente tabu, e "ocorreram grandes tumultos durante a exibição".
Porém as críticas severas, tanto a Richard Oswald quanto a Conrad Veidt, já despontaram durante os trabalhos de rodagem. Ambos foram ameaçados por diferentes lados, "o filme desencadeou grandes ondas". Mas os direitistas foram a maior fonte de condenação.
"Eles aproveitaram a temática do filme como pretexto para propagar suas palavras de ordem antissemitas, pois tanto Oswald e Hirschfeld quanto o ator que encarnava o amante, Kurt Sivers, eram judeus." Na época, a população judaica era alvo de incitação populista na Alemanha.
Os círculos de direita acabaram por se impor: em maio de 1920 foi introduzida a censura cinematográfica, resultando também na proibição do filme de Oswald. Suas cópias foram destruídas, só restando fragmentos. Apenas muitos anos mais tarde eles foram restaurados, complementados com material documental e em 2006 lançados em DVD pelo Museu do Cinema de Munique.
Após a Segunda Guerra Mundial, foi ninguém menos do que o diretor Veit Harlan (Jud Süss), notório por suas colaborações para a propaganda nazista, a ousar retomar o material, também contatando Oswald durante a pré-produção de O terceiro sexo (1957, no original: Anders als du und ich (§175)) por causa dos direitos sobre o título.
Entre outros muitos projetos, o ator Conrad Veidt ficaria famoso pelo papel de Cesare em O gabinete do Dr. Caligari (1920), assim por sua participação em Casablanca (1942).
Richard Oswald morreu em 1963 em Düsseldorf. Seu Diferente dos outros conta como mais importante filme mudo sobre homossexualidade, mantendo uma espantosa atualidade, 100 anos depois, por sua abordagem liberal.
A Austrália é o país mais recente do mundo a permitir legalmente o casamento de pessoas do mesmo sexo. Conheça alguns países onde a união homoafetiva é garantida por lei.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2001, Holanda
A Holanda foi o primeiro país do mundo a permitir o casamento de pessoas do mesmo sexo depois que o Parlamento votou a favor da legalização, em 2000. O prefeito de Amsterdã, Job Cohen, casou os primeiros quatro casais do mesmo sexo à meia-noite do dia 1º de abril de 2001 quando a lei entrou em vigor. A nova norma também introduziu a permissão para que casais homoafetivos adotassem crianças.
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2003, Bélgica
A Bélgica seguiu a liderança do país vizinho e, dois anos depois da Holanda, legalizou o casamento de pessoas do mesmo sexo. A lei deu a casais homoafetivos muitos direitos iguais aos dos casais heterossexuais. Mas, ao contrário dos holandeses, os belgas não deixaram que casais gays adotassem. Esse direito foi garantido apenas três anos depois pela aprovação de uma lei no Parlamento.
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2010, Argentina
A Argentina foi o primeiro país da América Latina a legalizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, quando 33 senadores votaram a favor da lei, e 27 contra, em julho de 2010. Assim, a Argentina se tornou o décimo país do mundo a permitir legalmente a união homoafetiva. Em 2010, Portugal e Islândia também aprovaram leis garantindo o direito ao casamento gay.
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2012, Dinamarca
O Parlamento dinamarquês votou a favor da legalização do casamento gay em junho de 2012. O pequeno país escandinavo já havia aparecido nas manchetes da imprensa internacional quando se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer uniões civis para casais gays, em 1989. Casais formados por pessoas do mesmo sexo também já podiam adotar crianças desde 2009.
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2013, Uruguai
O Uruguai aprovou uma lei eliminando a exclusividade de direitos de casamento, adoção e outras prerrogativas legais para casais heterossexuais em abril de 2013, um mês antes de o Brasil regulamentar (mas não legalizar) o casamento gay. Foi o segundo país sul-americano a dar esse passo, depois da Argentina. Na Colômbia e no Brasil, o casamento gay é permitido, mas não foi legalizado pelo Congresso.
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2013, Nova Zelândia
A Nova Zelândia se tornou o 15º país do mundo e o primeiro da região Ásia-Pacífico a permitir casamentos homoafetivos em 2013. Os primeiros casamentos aconteceram em agosto daquele ano. Lynley Bendall (e.) e Ally Wanik (d.) estavam entre esses casais, com a união civil a bordo de um voo entre Queenstown e Auckland. No mesmo ano, a França também legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
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2015, Irlanda
A Irlanda chamou atenção internacional em maio de 2015, quando se tornou o primeiro país do mundo a legalizar o casamento gay com um referendo. Milhares de pessoas comemoraram nas ruas de Dublin quando os resultados foram divulgados, mostrando quase dois terços dos eleitores optando a favor da medida.
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2015, Estados Unidos
A Casa Branca foi iluminada com as cores da bandeira do arco-íris em 26 de junho de 2015. A votação no Supremo Tribunal dos EUA decidiu por 5 a 4 que a Constituição americana garante igualdade de casamento, um veredito que abriu caminho para casamentos homoafetivos em todo o país. A decisão chegou 12 anos depois que o tribunal decidiu pela inconstitucionalidade de leis criminalizando o sexo gay.
A Alemanha foi o 15º país europeu a legalizar o casamento gay no dia 30 de junho de 2017. A lei foi aprovada por 393 votos a favor e 226 contra no Bundestag (Parlamento alemão). Houve quatro abstenções. A chanceler federal alemã, Angela Merkel, votou contra, mas abriu caminho para a aprovação quando, alguns dias antes da decisão, disse que seu partido poderia votar livremente a medida.
Foto: picture-alliance/ZUMA Wire/O. Messinger
2017-2018, Austrália
Após uma pesquisa mostrando que a maioria dos australianos era a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo, o Parlamento do país legalizou a união homoafetiva em dezembro de 2017. Os casais australianos precisam avisar as autoridades um mês antes do casamento. Assim, muitas pessoas se casaram logo depois da meia-noite de 9 de janeiro (2018), como Craig Burns e Luke Sullivan (na foto).
Foto: Getty Images/AFP/P. Hamilton
E no Brasil?
Na foto, as brasileira Roberta Felitte e Karina Soares posam após casarem em dezembro de 2013, no Rio. Em maio daquele ano, o Brasil regulamentou o casamento gay por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mas, apesar de cartórios não poderem se recusar a casar pessoas do mesmo sexo, a norma não tem força de lei e pode ser contestada por juízes.