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Como o déficit do governo afeta a vida dos brasileiros

Marina Estarque, de São Paulo6 de dezembro de 2015

Alteração da meta fiscal é um alívio no curto prazo para o Planalto, mas não recupera a confiança do mercado na economia. Especialistas preveem impactos negativos no bolso da população em 2016.

Foto: Comugnero Silvana/Fotolia

O déficit do governo em 2015, de quase 120 bilhões de reias, terá impactos negativos no bolso dos brasileiros no ano seguinte, segundo economistas ouvidos pela DW Brasil.

Segundo eles, a alteração da meta fiscal, aprovada na quarta-feira (02/12) em sessão conjunta no Congresso, é um alívio no curto prazo para o Planalto, mas não recupera a confiança do mercado na economia.

“O governo vinha descumprindo o Orçamento desde 2012, com manobras fiscais reiteradas. Na prática, o mercado já esperava a alteração da meta. O governo perdeu a credibilidade e a reputação, e esse movimento reforça isso”, diz a economista Luciana Rosa de Souza, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Antes da aprovação da nova meta, o governo tinha se comprometido com um superávit primário de 55,3 bilhões de reais – montante que já havia sido revisto. No início do ano, a meta era de 66,3 bilhões, ou 1,2% do PIB. A última alteração permitiu que a União fechasse o ano com um déficit de 2,1% do PIB.

Para 2016, o governo prevê um superávit de 0,7% do PIB, mas especialistas estão céticos quanto ao cumprimento dessa meta. Transformar um déficit em superávit em um período de crise é um grande desafio.

De acordo com previsões do Banco Central, o PIB deve recuar mais de 3% em 2015 e cerca de 2% no ano seguinte. O encolhimento da economia impacta a arrecadação do governo, e fica cada vez mais difícil realizar o ajuste fiscal.

“É difícil acreditar que ela vá cortar gastos em 2016, que é ano eleitoral. A única coisa que poderia ajudar no superávit é o Congresso aprovar um aumento de impostos, mas é improvável”, afirma Antonio Gledson de Carvalho, professor de Finanças da FGV.

Segundo especialistas, essa desconfiança do mercado na capacidade do governo economizar para pagar os juros da dívida afasta os investimentos e agrava a recessão.

“A Dilma pode ficar eternamente dizendo que não vai cumprir a meta, mas isso dispara os juros, o risco-país, e pode aumentar mais a inflação. Só traz turbulência. Se isso acontecer em 2016, aí a gente vira grau especulativo mesmo”, diz o economista Simão Silber, da USP.

Além disso, para realizar o ajuste fiscal, o governo terá que cortar gastos e aumentar impostos, o que contribui para o encolhimento da economia. O desemprego deve aumentar no próximo ano, e a inflação, ainda que menor do que em 2015, será mais um fator de empobrecimento das famílias.

“A nossa inflação deve ficar perto de 7%, e o PIB deve diminuir 3%: é um desempenho horroroso. Recessão e inflação relativamente alta são um castigo para o brasileiro. O padrão de vida vai cair”, alerta Silber.

Nesse cenário, o consumo dos brasileiros também deve recuar. “As pessoas vão poupar o que podem para enfrentar a recessão, ninguém gasta ou investe. E caímos numa espiral negativa”, afirma Carvalho.

Melhor solução

Apesar de demonstrar uma falta de previsibilidade nas contas públicas, a alteração da meta foi a melhor solução no curto prazo, defendem especialistas. Com isso, o governo pode suspender um contingenciamento de 10,7 bilhões nas despesas orçamentárias, realizado na segunda-feira (30/11).

O corte afetava principalmente o Ministério das Cidades, dos Transportes e da Integração Nacional, e poderia ter um efeito recessivo, pois impactava projetos ligados à construção civil, como o "Minha Casa, Minha Vida", que tendem a gerar mais empregos. Ainda que o valor seja pequeno dentro do Orçamento total, economistas consideram que a medida deu mais flexibilidade para o governo realizar investimentos.

Além disso, foi considerado que o contingenciamento poderia paralisar atividades básicas do governo. A presidente Dilma Rousseff chegou a cancelar viagens ao Vietnã e ao Japão com o argumento de que precisava cortar gastos.

Segundo nota da Secretaria de Comunicação, o governo não podia “empenhar novas despesas discricionárias, exceto aquelas essenciais ao funcionamento do Estado e do interesse público”. A nota dizia ainda que o problema era orçamentário e não financeiro.

A preocupação do governo era que Dilma pudesse ser acusada de crime de responsabilidade fiscal, um dos argumentos usados no pedido de impeachment da presidente. De acordo com a lei, o Executivo precisa reavaliar suas contas a cada dois meses e fazer cortes, se necessário, para cumprir a meta.

Para se adequar, o governo teria que contingenciar mais de 100 bilhões, o que era considerado impossível (a maior parte já estava comprometida oficialmente). Sobravam apenas os 10 bilhões, que foram cortados para evitar questionamentos da oposição e do Tribunal de Contas da União.

Para economistas, a inflação, ainda que menor do que em 2015, será mais um fator de empobrecimento das famíliasFoto: MAURICIO LIMA/AFP/Getty Images

"Shutdown"

Nesse período, foi dito que o governo corria o risco de literalmente fechar as portas por falta de recursos, o que é conhecido como shutdown. Apesar disso, economistas consultados pela DW Brasil dizem que esse termo não se aplicaria ao caso brasileiro.

Um shutdown ocorreu pela última vez em 2013 nos EUA, por um impasse do Congresso na votação sobre o Orçamento, agravado pelo fato de o governo já ter atingido o teto permitido de endividamento. Na ocasião, o Executivo suspendeu atividades não essenciais: fechou monumentos, mandou funcionários públicos para casa e até tirou do ar sites oficiais.

Segundo economistas, no Brasil, o governo provavelmente atrasaria pagamentos de fornecedores, como contas de luz, água e telefone, até começar o ano seguinte, e o Orçamento ser renovado. Para especialistas, essa é uma prática comum, que não tem maiores consequências, pois há um prazo, em média de três meses, para que o serviço seja cortado.

Por fim, o governo também poderia adiar o pagamento de servidores públicos – uma medida impopular, que vem sendo usada por Estados e municípios em tempos de crise. Como só duraria um mês, os economistas avaliam que poderia desencadear greves e fragilizar serviços, mas não causar um apagão.

Um dos motivos que impediriam esse “desligamento” é que a Constituição brasileira garante o funcionamento de serviços básicos, como Saúde e Educação. Além disso, há uma série de leis que determinam gastos mandatórios – no Orçamento de 2013, 84% eram despesas obrigatórias, como pagamento de pessoal, aposentadorias, entre outros.

Ainda há as despesas discricionárias não contingenciáveis por previsão legal, como os mínimos constitucionais para a saúde e a educação e o programa Bolsa Família.

“Nos EUA eles mandam funcionário público para casa e dizem que, como não está trabalhando, não paga. Lá é feito um shutdown mesmo, aqui não pode. Nós não podemos deixar de pagar funcionário público. No máximo, podemos adiar o salário. O Orçamento aqui está mais engessado”, diz Silber.

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