Como o morango está secando uma reserva ambiental na Espanha
Ralph Schulze
21 de abril de 2023
Uma das maiores regiões úmidas da Europa, Parque Nacional de Doñana sofre com a demanda europeia pela fruta vermelha e conivência de autoridades locais a crime ambiental.
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É uma tragédia anunciada: o famoso Parque Nacional de Doñana, na Espanha, uma das maiores regiões úmidas da Europa, está ameaçado de secar. O cultivo extensivo de morangos, que abastece supermercados europeus em vários países, é principal impulsionador deste cenário desastroso.
Centenas de agricultores de morango bombeiam ilegalmente água dos lençóis freáticos na região do parque nacional para irrigar suas plantações. Em vez de agir contra essa prática criminosa, o governo regional conservador da Andaluzia, quer legalizar o cultivo ilegal. A Comissão Europeia, associações ambientais internacionais e o governo federal progressista da Espanha falam de um escândalo.
"A situação é crítica", afirma Eloy Revilla, diretor da estação de pesquisa biológica no parque nacional e o melhor perito neste pedaço de natureza ameaçado. Com 1.200 quilômetros quadrados, o Parque Nacional de Doñana é o habitat de cavalos selvagens, águias-imperiais, linces, tartarugas e milhões de aves migratórias.
Revilla aponta para uma estepe castanha-amarela rodeada de pinheiros. Segundo ele, ali fica antigamente uma lagoa rasa, onde milhares de flamingos buscavam por caranguejos, caracóis e larvas de insetos. Devido à diminuição do lençol freático, essa lagoa se transformou num deserto de lama seca.
A lagoa se tornou o símbolo da morte do parque nacional. De acordo com Revilla, cerca de 60% de todas as lagoas do parque já secaram. Elas são fundamentais para a vida rica em espécies na região. Com elas, muitas das espécies ameaçadas que tinham como último refúgio essa reserva nacional única desaparecem.
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Cercado por morangos
Enormes plantações se estendem por mais de 100 quilômetros quadrados ao norte e oeste do parque. Morangos são cultivados em estufas para abastecerem o mercado europeu. Além do turismo, os negócios com as frutas vermelhas – principalmente morango, mas também framboesa – são os setores econômicos mais importantes da província de Huelva, no sul da Espanha.
Durante décadas, o número de fazendas de morango na periferia do Parque Nacional de Doñana aumentou – impulsionado principalmente pelo consumo da fruta na Europa. O morango espanhol costuma ser mais barato do que o produzido em países europeus do norte e do centro. Políticos espanhóis de todos os partidos se alegraram com o boom e deram um desconto para o roubo maciço de água realizado pelos agricultores.
No entanto, a pressão aumentou quando, em 2021, o Tribunal Europeu de Justiça condenou a Espanha pelo roubo de água e pela falta de proteção ao parque nacional. A agência nacional de proteção da água começou a inspecionar os ladrões. A polícia ambiental cimentou centenas de poços ilegais. A repressão nem sempre teve efeito, e alguns agricultores voltaram a explorar os lençóis freáticos em outros pontos.
Mais de 20 redes varejistas europeias apoiaram um apelo da associação de proteção à natureza WWF para que políticos espanhóis e agricultores garantam o cultivo sustentável para não prejudicar a reputação do morango produzido na região.
Guerra pela água
Também entre os agricultores há uma guerra pela água: entre aqueles que possuem os direitos legais de exploração e os que irrigam suas lavouras ilegalmente. Há relatos sobre ameaças feitas aos agricultores que defendem o cultivo sustentável e que querem tomar medidas contra os ladrões de água.
A escassez de água, que só irá aumentar com as mudanças climáticas globais, não está só fazendo o parque secar, como também afeta o cultivo do morango. A associação regional de agricultores Freshuelva estima que a colheita deste ano será 30% menor do que a de 2021.
A emergência de água atinge também os produtores que atuam dentro da lei e que cada vez mais precisam deixar de cultivar a fruta devido à irrigação insuficiente.
Mas esse cenário não parece incomodar o governo local, que deseja legalizar 600 agricultores ilegais. O presidente da Junta da Andaluzia, Juanma Moreno, afirma não ter nenhuma relação com a escassez de água e culpa o governo federal pela crise, alegando que este não investe suficientemente na região e não fornece água suficiente para o parque e para os agricultores. Em resposta, Madri afirmou que usará todos os meios para barrar os planos de legalização de Moreno.
A origem de 10 alimentos que hoje são globalizados
A maioria do que se coloca no prato diariamente procede de lugares espalhados pelo mundo. Um novo estudo do Centro Internacional para a Agricultura Tropical (CIAT) identificou a origem de alimentos considerados globais.
Foto: picture-alliance/Ch. Mohr
Manga, verde, amarela ou rosa – e asiática
Ela é tropical e parece bem brasileira, mas originalmente surgiu no Sul da Ásia. A manga, assim como o coco, foi trazida para o Brasil com a colonização portuguesa e se adaptou bem ao clima. Ela faz parte da dieta de alimentos não nativos, que vem crescendo no mundo em consequência de preferências culturais, desenvolvimento econômico e urbanização, conforme comprovou o estudo do CIAT.
Foto: DW/A. Chatterjee
Arroz para meio mundo
O arroz vem originalmente da China mas virou item básico da dieta de mais da metade da população mundial. A produção de cada quilo exige de 3 mil a 5 mil litros de água. Em alguns países produtores, a contaminação por arsênico dos lençóis freáticos é tão forte, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) alertou para as consequências do consumo do cereal.
Foto: Tatyana Nyshko/Fotolia
Trigo nosso de cada dia
O trigo já era cultivado há mais de 7 mil anos na região do Mar Mediterrâneo. Na forma de pão ou de outras massas, como o macarrão, é um dos alimentos mais importantes do mundo. Cultivado em enormes campos de monocultura, o cereal é também usado para alimentar animais . Os campeões do cultivo são China, Índia, Estados Unidos, Rússia e França.
Foto: Fotolia/Ludwig Berchtold
Milho, dos astecas aos transgênicos
Originário do Centro do México, o milho hoje é plantado em todos os continentes. Apenas 15% da safra vai parar nos pratos, pois a maior parte serve como ração para animais. A indústria o aproveita, ainda, para fabricar xarope de glucose e produzir combustível. Nos Estados Unidos, cerca de 85% da produção é de milho transgênico, e outros países vão pelo mesmo caminho.
Foto: Reuters/T. Bravo
Batata, dos Andes para a Europa
As batatas consumidas hoje em dia são variações de espécies silvestres dos Andes, na América do Sul. Só há cerca de 300 anos o tubérculo passou a ser cultivado em grande escala na Europa, sendo fundamental na dieta de países como a Alemanha e Irlanda. Atualmente, porém, o cultivo da batata no continente está em declínio, enquanto cresce nos maiores centros de produção: China, Índia e Rússia.
Foto: picture-alliance/dpa/J.Büttner
Açúcar, de cana ou beterraba
A cana-de-açúcar vem do Oeste da Ásia, embora não se saiba exatamente de onde. Já há mais de 2.500 anos era usada para adoçar. O Brasil é atualmente o principal produtor, com grande parte da safra destinada ao bioetanol, também para exportação. A colheita é um trabalho árduo e, em geral, mal pago. O açúcar de cana é mais barato no mercado mundial do que o de beterraba, originário da Europa.
Foto: picture-alliance/RiKa
Banana, a preferida global
Cheia de vitaminas, a banana engorda menos do que reza sua fama. Fruta preferida em escala mundial, ela tem origem no Sudoeste Asiático. Hoje é cultivada principalmente na América Latina e Caribe, a custos tão baixos que saem mais baratas na Alemanha do que as maçãs cultivadas no próprio país. As condições para os trabalhadores rurais costumam ser ruins e há uso intensivo de pesticidas.
Foto: Transfair
Café, prazer com reflexos sociais
Procedente da Etiópia, o café é a segunda bebida mais consumida e principal fonte de renda de cerca de 25 milhões de produtores no mundo. Contando-se as famílias, são 110 milhões de pessoas dependentes das flutuações do mercado mundial. Contudo vem ganhando espaço a negociação por cooperativas e empresas de comércio justo. Mais de 800 mil pequenos agricultores já aderiram a esse sistema.
Foto: picture-alliance/dpa/N.Armer
Chá, relíquia colonialista
O chá vem da China e era servido aos imperadores. Tirando a água pura, é a bebida mais consumida do planeta: a cada segundo, mais de 15 mil xícaras são ingeridas. Considerado bebida nacional na Inglaterra, o chá ainda hoje é produzido principalmente nas antigas colônias do Império Britânico, como o Quênia, Índia e Sri Lanka. As condições do trabalho no campo são catastróficas.
Foto: DW/Prabhakar
Cacau, presente dos deuses
Os astecas, na atual América Central, usavam os grãos de cacau como moeda e oferenda. Também preparavam com eles uma bebida que diziam vir dos deuses. Não é difícil de acreditar: hoje o chocolate é amado no mundo inteiro. Produzido numa estreita faixa próxima ao Equador, o cacau sofre flutuações de preço no mercado mundial que afetam duramente os pequenos agricultores.