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ConflitosOriente Médio

Como o mundo reage ao fim do regime de Assad na Síria

8 de dezembro de 2024

Aliado do ditador, Irã diz respeitar soberania da Síria; já a Rússia, que também apoiou regime, diz estar em contato com todos os grupos de oposição. Países árabes e do Ocidente oscilam entre comemoração e cautela.

Rebelde armado pisa sobre cabeça de estátua destruída de Hafez al-Assad, pai do ditador Bashar al-Assad
Rebelde pisa sobre estátua destruída de Hafez al-Assad, pai do ditador Bashar al-Assad; destino da Síria é incertoFoto: Hussein Malla/AP/dpa/picture alliance

O surpreendente e repentino fim da ditadura de Bashar al-Assad na Síria, anunciado por rebeldes islamistas neste domingo (08/12) após uma campanha que durou menos de duas semanas, é observado com atenção por todo o mundo.

Ainda não se sabe se a queda de Assad, festejada por muitos sírios mundo afora, significa de fato o fim de uma sangrenta guerra civil que durou quase 14 anos, deixou mais de 500 mil mortos e forçou a fuga de quase a metade de seus 23 milhões de habitantes, muitos deles vivendo hoje no exterior.

O paradeiro de Assad, cuja família comandou a Síria com mão de ferro por mais de 50 anos, ainda é incerto. A Rússia, aliada do regime, afirma que ele deixou o país. Citando fontes do governo, veículos russos afirmam que o ditador e sua família estão em Moscou – mais cedo, haviam circulado registros de radar mostrando uma aeronave que decolou de Damasco, sede do governo, e que teria sido possivelmente abatida no entorno de Homs.

Comunidade síria em Hamburgo, na Alemanha, comemora fim do regime de Assad na Síria; cenas como essa se repetiram por diversas outras capitais europeiasFoto: Bodo Marks/dpa/picture alliance

Rússia e Irã, aliados de Assad

Durante muitos anos na guerra civil, Assad dependeu da ajuda de aliados para conter os rebeldes. Aviões de guerra russos conduziram bombardeios, enquanto o Irã enviou tropas aliadas, incluindo o Hezbollah libanês e milícias iraquianas, para reforçar o Exército sírio e atacar redutos insurgentes.

O Irã afirmou por meio de seu Ministério do Exterior respeitar a unidade e soberania nacional da Síria e pediu o "rápido fim de conflitos militares, a prevenção de atos terroristas e o início do diálogo nacional" com todos os setores da sociedade síria. Também disse esperar a continuidade das relações "duradouras e amigáveis" entre os dois países.

Já o Ministério do Exterior russo declarou que Assad deixou a Síria após instruir seus emissários a organizar uma transição de poder pacífica, mas frisou não ter participado das negociações para a saída do ditador.

A Rússia tem bases militares naval e aérea na Síria, e afirma que elas estão em alerta, mas negou que estejam sob ameaça.

O Kremlin opera a base aérea de Hmeimim na província de Latakia, que já foi usada para lançar ataques aéreos contra rebeldes, e mantém uma instalação naval em Tartus, na costa síria. 

Tartus é o único ponto russo de reparo e reabastecimento no Mediterrâneo, além de servir como um ponto estratégico para o transporte de militares russos de e para a África – daí, segundo analistas, a importância da base para a estratégia de influência russa no Oriente Médio, no Mediterrâneo e na África.

O Kremlin diz estar em contato com todos os grupos de oposição na Síria e conclama todos os lados a não praticarem atos de violência. O país também moderou sua retórica, deixando de usar o termo "terroristas" para se referir aos rebeldes.

Israel comemora queda de Assad, mas parece apreensiva com rebeldes

A Síria de Assad era parte do chamado Eixo da Resistência, grupo de países hostis a Israel. O governo do premiê israelense Benjamin Netanyahu comemorou a queda do ditador, atribuindo-a aos ataques israelenses ao Hezbollah no Líbano e ao Irã e dizendo-se interessado em uma política de "boa vizinhança".

Por outro lado, Tel Aviv também parece acompanhar a movimentação dos rebeldes com alguma apreensão.

Segundo observadores sírios, forças israelenses também teriam atacado neste domingo bases do Exército sírio no entorno de Damasco e em províncias no sul do país. Esses ataques, segundo o jornal The Jerusalem Post, seriam motivados pelo temor de que essas armas possam cair nas mãos dos rebeldes.

O Exército israelense também avançou neste domingo sobre a zona tampão nas Colinas de Golã, na fronteira com a Síria, uma área onde durante 50 anos apenas soldados em missão de paz da ONU eram permitidos. Israel, contudo, argumenta que o tratado perdeu validade diante da retirada das tropas sírias e diz agir em nome da segurança de seus próprios cidadãos.

A região foi anexada por Israel em 1967 durante a Guerra Árabe-Israelense. Com exceção dos Estados Unidos, a comunidade internacional considera a anexação ilegal.

"Não permitiremos que nenhuma força hostil se estabeleça em nossa fronteira", disse Netanyahu.

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu (ao fundo, de preto), visita as Colinas de Golã ao lado do Exército e do ministro da Defesa, Israel Katz (esq.).; área foi anexada por Israel em 1967, em gesto não reconhecido pela comunidade internacionalFoto: Kobi Gideon/Israel Gpo via ZUMA Press Wire/picture alliance

Estados Unidos: Trump rejeita envolvimento

Os Estados Unidos têm apoiado forças curdas no norte do país, na fronteira com a Turquia, que rivalizam com os rebeldes que depuseram Assad e com o Estado Islâmico.

O presidente eleito Donald Trump, porém, declarou no sábado à noite que seu país não deveria se envolver no conflito, e sim "deixar as coisas seguirem seu curso".

Segundo a agência de notícias Reuters, rebeldes apoiados pela Turquia estariam tomando neste domingo posições das forças curdas no norte do país.

No domingo, Trump disse que Assad caiu por ter sido abandonado pela Rússia. "Para começo de conversa, não havia razão para a Rússia estar lá", escreveu o republicano na rede social Truth Social. "Eles perderam todo o interesse na Síria por causa da Ucrânia [...], uma guerra que nunca deveria ter começado, e que pode durar para sempre", acrescentou, antes de apelar a Vladimir Putin por um cessar-fogo.

Representando o governo em fins de mandato de Joe Biden, um funcionário do Pentágono assegurou que os EUA continuarão mantendo "sua presença no leste da Síria e adotar as medidas necessárias para prevenir o ressurgimento do Estado Islâmico".

Turquia celebra deposição, mas pede cautela

A Turquia, que apoia os rebeldes anti-Assad e abriga a maior parte dos refugiados sírios, frisou – no que soou como uma advertência aos curdos na fronteira com a Síria – que "não se deve permitir que organizações terroristas tirem vantagem da situação".

Turquia vê nas Forças Armadas curdas no norte da Síria (foto) uma ameaça aos interesses do presidente Recep Tayyip ErdoganFoto: Orhan Qereman/REUTERS

Celebrando a deposição de Assad como um sinal de "esperança", o governo em Ancara afirma que a Síria chegou a um estágio em que o povo moldará o futuro de seu país, mas que não têm como dar conta da tarefa sozinhos, e pediu a união de grupos de oposição.

"Uma nova administração síria precisa ser estabelecida de forma inclusiva. Não deve haver desejo de vingança. A Turquia conclama todos os atores a agir com prudência e cautela", disse o ministro do Exterior turco, Hakan Fidan. "Nós trabalharemos pela estabilidade e segurança na Síria."

A reação em outros países da região

O governo iraquiano, que por muitos anos se viu às voltas com o Estado Islâmico durante a guerra civil síria, disse que acompanhava os eventos no país vizinho com atenção e reafirmou a importância de não interferir em assuntos internos da Síria ou apoiar um lado em detrimento de outro.

A Jordânia, que faz fronteira com o sul da Síria, pediu que se evite qualquer conflito que possa levar ao caos. O rei Abdullah disse que seu país respeita as escolhas do povo sírio. Mensagem semelhante foi emitida pelo Egito, que disse apoiar a soberania e unidade síria.

O Catar voltou a pedir o fim da crise na Síria, com um cessar-fogo e transição política pacífica, e disse observar os eventos no país árabe com interesse. O país é uma das poucas nações árabes que não reconheceu o governo de Assad.

Porta-voz do Ministério do Exterior catari, Majed al-Ansari disse que os países árabes estavam aliviados pela troca limitada de hostilidades na Síria, já que isso facilita a mediação por parte de atores internacionais, e destacou com otimismo que as "instituições estatais seguem intactas, policiamento, água e eletricidade seguem intactas".

"É encorajador que as instituições de governo mantenham suas funções", afirmou ao jornal britânico The Guardian, ressaltando que não há necessidade de derramamento de sangue. "Nenhum grupo, partido ou denominação religiosa deveria se sentir inseguro ou excluído do futuro da Síria."

"Sabemos realisticamente que há muitos desafios. Há muitos militantes na região e existe a possibilidade de a Síria se tornar um Estado fracassado", admitiu al-Ansari, frisando que ainda há incerteza sobre qual é a correlação de forças atual no país.

A Arábia Saudita diz estar em contato com todos os atores regionais na Síria e disposta a fazer o possível para evitar um "resultado caótico para o país".

Já o Afeganistão, que é governado pelos radicais do Talibã, parabenizou "a liderança do movimento e o povo da Síria", citando nominalmente a milícia islamista Hayat Tahrir al-Sham (Organização pela Libertação do Levante, ou HTS) pela "remoção de fatores que contribuíam para o conflito e a instabilidade".

"Esperamos que as fases restantes da revolução sejam gerenciadas de forma efetiva para estabelecer um sistema de governança pacífico, unificado e estável", declarou o Ministério do Exterior afegão.

Abu Mohammed al-Jolani, líder do grupo HTS, que liderou a ofensiva anti-Assad, fala a apoiadores numa mesquita em DamascoFoto: Aref Tammawi/AFP/Getty Images

A reação na Europa

A ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, cobrou punição para Assad pelos crimes cometidos contra a população síria durante a guerra civil, pediu atenção para que o país não caia nas mãos de radicais e apelou a todas as partes para que protejam minorias étnicas e religiosas, criando um "processo político inclusivo e equilibrado".

Para Baerbock, é "impossível dizer exatamente o que está acontecendo na Síria". "Mas uma coisa está clara: para milhões de pessoas na Síria, o fim de Assad significa o primeiro suspiro de alívio após uma eternidade de atrocidades cometidas pelo regime", afirmou. "Assad assassinou, torturou e usou gás tóxico contra seu próprio povo. Ele precisa ser finalmente responsabilizado por isso."

Tom cauteloso semelhante foi adotado pelo Reino Unido. "Se Assad se foi, essa é uma mudança bem-vinda, mas o que vier depois precisa ser uma solução política, e eles terão que trabalhar no interesse do povo sírio", frisou a vice-primeira-ministra Angela Rayner.

O presidente francês, Emmanuel Macron, celebrou a "queda do Estado bárbaro". "Homenageio o povo sírio, sua coragem, sua paciência. Neste momento de incerteza, lhes desejo paz, liberdade e unidade", disse em um post no X. "A França continuará comprometida com a segurança de todos no Oriente Médio."

O enviado especial das Nações Unidas para a Síria, Geir Pedersen, também celebrou a queda de Assad, mas pediu cautela. "Hoje marca um momento decisivo na história da Síria — uma nação que suportou quase 14 anos de sofrimento implacável e perdas indescritíveis... Este capítulo sombrio deixou cicatrizes profundas, mas hoje olhamos para o futuro com esperança cautelosa na abertura de um novo capítulo — de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios."

ra (dpa, Reuters, ots)

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