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Como o neto de uma judia se tornou mercador de Hitler

Ruben Kalus (ca)17 de março de 2016

Há anos o mundo da arte se ocupa com o caso de Hildebrand Gurlitt. Livro recém-lançado mostra como ele se tornou negociante de arte dos nazistas, apesar ou precisamente devido à sua origem judaica.

Após a guerra, Hildebrand Gurlitt foi diretor da Kunstverein da Renânia e VestfáliaFoto: picture-alliance/dpa

O negociante de arte alemão Hildebrand Gurlitt era um aficionado por arte moderna. Mas quando nazistas chegaram ao poder e baniram a arte considerada "degenerada" – formada principalmente por obras modernas e inovadoras – ele resolveu misturar seu amor à arte com negócios.

Os nazistas confiscaram as obras de arte que condenavam ou as compraram por valores irrisórios. Em 1938, eles reconheceram o potencial financeiro dessas obras-primas e, em vez de simplesmente exibi-la para fins de propaganda, decidiram vendê-las no exterior e encher os cofres do Reich.

Para esse chamado "exercício de capitalização" foram procurados comerciantes especializados. Hildebrand Gurlitt se candidatou para a tarefa ao nono departamento do Ministério de Esclarecimento Público e Propaganda e se tornou um dos quatro negociantes de arte do regime. Até 1944, ele realizou milhares de negócios para os nazistas e coletou quadros para o planejado museu de Hitler em Linz.

À procura de proteção

Antes de ter iniciado seus negócios com o regime nazista, Hildebrand Gurlitt era diretor do Museu Rei Albert em Zwickau, onde queria montar uma coleção de arte moderna. No entanto, seu gosto por trabalhos artísticos de vanguarda não agradava a todos, de forma que ele acabou sendo demitido sob pressão da burguesia conservadora. Posteriormente, ele também foi afastado de seu cargo como novo diretor da Kunstverein em Hamburgo, associação que se dedica à coleção de arte contemporânea.

A historiadora da arte Meike Hoffmann pesquisou sobre a história de vida de Gurlitt. Junto a Nicola Kuhn, redatora do jornal berlinense Tagesspiegel, ela lança agora a biografia Hilters Kunsthändler (O mercador de arte de Hitler). Para Hoffmann, foi importante mostrar o desenvolvimento de Gurlitt desde os primeiros tempos. Em entrevista à DW, a autora afirmou querer descobrir por que "ele se deixou arrastar pelo turbilhão, se deixou corromper e como lidou com aqueles complicados mecanismos."

Meike Hoffmann é autora de "O negociante de arte de Hitler"Foto: picture-alliance/dpa

Uma motivação importante para Gurlitt foi sua origem judaica. Sua avó era judia, o que o fazia "um quarto judeu". Por meio de seu trabalho para os nazistas, ele desfrutou da "proteção" dos alemães e pôde, ao mesmo tempo, continuar trabalhando com obras que sempre foram suas favoritas, explicou Hoffmann.

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Em 400 páginas, a biografia de Gurlitt mostra, além da história pessoal, as estações de sua carreira, como era a sua atuação em negócios para o regime de Hitler com vista a conseguir o maior lucro possível. Para tal, dos trabalhos confiscados, Gurlitt "escolhia deliberadamente obras-primas, porque sabia que esses artistas eram bem cotados no mercado internacional, e ele logo poderia se distinguir como um grande provedor de divisas", afirma a historiadora da arte.

Uma parte desses trabalhos terminou na própria coleção pessoal de Gurlitt. "Uma ou outra obra foi, certamente, adquirida por interesse pessoal. Mas, em grande parte, trata-se de obras que sobraram e que ele não pôde vender a museus alemães", diz a autora.

Pesquisa detalhada

Após a guerra, em 1948, Gurlitt se tornou diretor da Kunstverein da Renânia e Vestfália. Ali, com o seu trabalho, ele "iniciou o processo de ressarcimento da modernidade clássica", explica Hoffmann.

As informações sobre Hildebrand Gurlitt foram encontradas pela historiadora da arte em arquivos de museus. "Ainda hoje, em quase todos os arquivos de museus na Alemanha e, sobretudo, na Suíça, França e Inglaterra, há correspondências com Hildebrand Gurlitt, já que ele manteve durante todo o tempo um contato intenso com todos essas instituições", disse Hoffmann à DW.

Capa do livro "Hitlers Kunsthändler"

Os Arquivos Federais da Alemanha também serviram de fonte. Um golpe de sorte e um ponto de partida para o livro foi a aquisição de correspondências e documentos do ano 1943/44. Andreas Hünecke, um colega da historiadora, comprou essas fontes importantes pela internet. "Foi ali que comecei lentamente a pensar numa publicação sobre Hildebrand Gurlitt", explicou a autora.

"Força-tarefa Gurlitt"

Nos últimos anos, os negócios de arte da família Gurlitt marcaram decisivamente a vida profissional de Meike Hoffmann. Ela não pesquisou somente sobre Hildebrand Gurlitt, mas também sobre o seu filho Cornelius, em cujo apartamento foram encontradas, em 2012, mais de mil obras de arte, entre elas, trabalhos de Marc Chagall, Max Liebermann, Henri Matisse e Pablo Picasso.

Todos os quadros foram aprendidos. Muitos deles estavam sob a suspeita de serem arte roubada pelos nazistas. No final de 2013, o chamado "Tesouro de Munique" se tornou público. Em seguida, o governo alemão formou uma força-tarefa para determinar a origem das obras de arte. O objetivo era saber se alguns dos trabalhos foram saqueados pelos nazistas, para devolvê-los aos seus devidos proprietários e herdeiros.

Meike Hoffmann também fez parte dessa força-tarefa contratada para pesquisar a proveniência das obras. O grupo foi dissolvido depois de quase dois anos. O resultado da pesquisa foi esclarecedor: das 499 obras suspeitas, somente quatro puderam ser identificadas inequivocamente como arte roubada pelos nazistas. No caso de outros dois quadros, cuja proveniência pôde ser esclarecida, há uma forte suspeita de terem sido roubados pelo regime de Hitler.

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