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Como o novo Congresso irá reagir ao futuro presidente?

4 de outubro de 2022

Analistas divergem sobre a governabilidade de Lula com Legislativo de tendência conservadora e alertam para riscos de avanço autoritário em novo governo Bolsonaro, a exemplo da Hungria.

Prédio do Congresso em Brasília
Foto: AP

A consolidação dos grupos de extrema direita no Congresso Nacional foi um dos maiores destaques da eleição brasileira. Enquanto a direita liberal erodiu, candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) tiveram desempenho expressivo na Câmara dos Deputados e no Senado. Com o cenário do Legislativo desenhado, analistas começam a projetar como deverá ser a relação com o chefe do Executivo a partir de 2023, seja ele o atual mandatário ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Apesar da vantagem de 6 milhões de votos na disputa presidencial, o petista não viu a superioridade se espelhar no parlamento. Os partidos que compõem sua base de apoio elegeram 108 deputados. Com a adesão do PDT a sua candidatura no segundo turno, a soma chega a 125. O número representa cerca de um quarto da Câmara.

Já a base inicial de Bolsonaro somaria 187 parlamentares, com PP e Republicanos. O PL, do presidente, terá a maior bancada da Casa, com 99 deputados. A hegemonia do partido se reproduz no Senado, com 14 congressistas, à frente do PSD, com 11; MDB e União Brasil, com dez cada um, e o PT de Lula, com nove.

Em termos numéricos, a nova composição do Congresso apresenta um cenário desconfortável para o ex-presidente, especialmente pelo fortalecimento de uma direita hostil a Lula. Será um quadro bastante modificado em relação a governos anteriores do petista, que tinha o PSDB como principal força de oposição, enquanto parte expressiva da centro-direita integrava seu arco de alianças.

"A direita triunfou, e é um Congresso de direita. Um governo Lula, se for eleito, vai ter muitas dificuldades com o Congresso, muita resistência. O bolsonarismo estará muito presente na vida política brasileira nos próximos anos", avalia o pesquisador Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A leitura de Stuenkel é ecoada pela análise do cientista político Claudio Couto, também da FGV. "Não serão poucas as dificuldades. No caso do Senado, há uma presença ainda mais forte do bolsonarismo 'raiz'. Não são apenas políticos do Centrão que podem abandonar Bolsonaro em caso de mudança de governo", afirma o pesquisador.

Centrão pode migrar

A volatilidade do bloco de partidos fisiológicos conhecido como Centrão é justamente um dos fatores que leva o cientista político Alberto Carlos Almeida a divergir. O analista acredita que a base de apoio de Lula chegaria rapidamente a 200 deputados – com políticos do partido de Bolsonaro, inclusive.

"O PL tem, sim, muitos bolsonaristas lá dentro. Mas também há muitos deputados que preferem estar ao lado do governo. Isso também se aplica ao União Brasil e outros partidos. O apoio de legendas que se aliam a Bolsonaro de maneira pouco entusiasmada, como o MDB e o PSD do Kassab, ampliaria ainda mais essa base. O mesmo vale para o Senado", comenta.

Em linha com Almeida, o pesquisador João Feres, cientista político vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), avalia que o ex-presidente não enfrentaria problemas de governabilidade em um terceiro mandato.

"Lula tem todas as condições de governar. Só haveria problemas para passar pautas muito progressistas, já que é um Congresso conservador. Mas o Lula é um sujeito super hábil para trabalhar esse tipo de coisa. Não vejo riscos de esse desenho do Congresso causar instabilidade política", assinala.

O exemplo de Viktor Orbán

Caso seja reeleito, o presidente Jair Bolsonaro teria uma situação bem mais favorável no Congresso do que no início de seu primeiro mandato, quando tentou governar sem uma base de apoio sólida.

"O cenário é totalmente diferente. Bolsonaro não só fez uma coalizão com o Centrão, como conseguiu ampliá-la com os resultados eleitorais deste ano. Ele já começaria um segundo mandato com uma base de sustentação fortalecida no Legislativo", avalia Claudio Couto, da FGV.

Com o respaldo da reeleição e o parlamento a seu favor, Bolsonaro teria mais espaço para avançar em uma agenda autoritária. Entre os analistas, há um receio de que o presidente siga o exemplo do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que modificou regras institucionais para fortalecer o seu próprio poder.

"Bolsonaro já deu vários sinais de que seguiria essa receita para implantar o seu próprio regime autoritário por aqui. É o grande perigo que nós corremos", diz Couto. O cientista político alerta para o risco de ataques ao poder Judiciário, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal (STF).

"Temo por uma alteração constitucional para ampliar o número de ministros do Supremo e, assim, fazer uma Corte bolsonarista. Ou seja, o presidente não ficaria restrito aos dois ministros que pode vir a indicar, caso seja reeleito, e poderia ampliar esse número para ter uma maioria que lhe fosse subalterna", avalia.

A articulação no 2º turno

Com o início do segundo turno, tem crescido a expectativa por acenos de Lula à direita, com vistas a ampliar o arco de alianças ainda na eleição. Nesta terça-feira (04/10), a The Economist defendeu que o ex-presidente "se mova para o centro" a fim de evitar um novo governo de Bolsonaro, que "seria ruim para o Brasil e o mundo", na visão da tradicional revista britânica de orientação liberal.

"Lula pode decidir nomear para ministro da Economia alguém como o [Henrique] Meirelles, ou então dizer que nomearia alguém com esse perfil. Ele deve enfatizar ainda mais as suas tentativas de se aproximar do voto evangélico e do agronegócio. De repente, dizer que irá indicar um representante do agro como ministro da Agricultura", projeta Oliver Stuenkel, da FGV.

Em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (03/10), Guilherme Boulos (Psol-SP) defendeu que o ex-presidente solidifique sua base de apoio à esquerda para garantir a votação que recebeu no primeiro turno. Eleito deputado federal com a maior votação de São Paulo, Boulos foi coordenador da campanha de Lula no estado.

"Francamente, não acho que o Lula ganhe um voto aderindo à agenda da Faria Lima. E pode perder muitos. O voto do Lula é um voto popular", afirmou. "Você tem que se manter com essa agenda, justamente para manter esse público e manter esses votos."

Em linha com a estratégia reivindicada por Boulos, o cientista político Alberto Carlos Almeida acredita que o movimento de Lula em direção ao centro deverá ser observado com mais ênfase após uma eventual vitória no segundo turno.

"Ele não irá fazer sinalizações, no segundo turno, com o objetivo de tentar construir essa base. Isso é algo feito após a eleição, na formação de ministério, nas conversas pós-eleitorais", comenta.

Enquanto Lula e o PT discutem estratégias para ampliar o arco de alianças no segundo turno, Bolsonaro tem avançado na busca por alianças regionais. O candidato à reeleição já recebeu o apoio do senador eleito Sergio Moro (Podemos); dos governadores reeleitos Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, além do atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), fora do segundo turno no estado.

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