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Como o termo "Holocausto" chegou à Alemanha

Heike Mund av
28 de janeiro de 2019

Em grego, "holocausto" significa "totalmente incinerado". O termo, que passou a designar o extermínio dos judeus e outros grupos indesejados pelos nazistas, chegou à Alemanha 40 anos atrás, com uma série de TV americana.

Cena da série de TV "Holocausto"
Cena da série "Holocausto": judeus são deportados para campo de concentraçãoFoto: picture-alliance/dpa

Cheios de expectativa, milhões de espectadores da Alemanha Ocidental ligaram seus televisores na noite 22 de janeiro de 1979. As ruas das cidades estavam desertas; naquela noite e nas seguintes, o público alemão vivenciou em casa um evento midiático histórico: nunca antes um filme ou programa televisivo apresentara a perspectiva das vítimas o que, de forma antes abstrata, até então se chamara de "genocídio dos judeus".

Profundamente abalados, milhares de telespectadores ligaram para as emissoras, ainda no meio da noite. Semanas após a emissão, ainda se acumulavam, pelos corredores da emissora WDR, caixas e caixas de cartas dos telespectadores.

O que causara toda essa agitação fora a série televisiva americana Holocausto, com a futura estrela hollywoodiana Meryl Streep no papel principal feminino. Na mídia alemã, discutiu-se acaloradamente sobre a série. A questão principal era se essa forma de representação poderia acarretar uma trivialização da história.

Nos Estados Unidos, onde Holocausto fora irradiada pela primeira vez no início de 1978, pela rede NBC, o drama televisivo em quatro episódios também movimentou cidadãos que até então nunca haviam se interessado por história e nada sabiam do extermínio sistemático dos judeus na Europa. Para eles, o genocídio planejado por parte dos nazistas não passava de um exagero propagandístico.

Série abriu caminho do estrelato para Meryl Streep (c.)Foto: picture-alliance/dpa

O diretor Marvin J. Chomsky entremeara as cenas gravadas com documentos filmados da época nazista em preto e branco. Era uma nova forma de "drama documentário" que mais tarde seria também adotada na televisão alemã. Após o extraordinário sucesso do épico de escravidão Raízes, que garantira à concorrente ABC fantásticas cotas de audiência, a emissora NBC tentava, com esse espetacular drama televisivo, reconquistar os espectadores perdidos.

Na época, o autor e sobrevivente do Holocausto Elie Wiesel, que assistira aos 428 minutos da série por ocasião da estreia na TV, estava seriamente preocupado que o assassinato de milhões de judeus europeus fosse reduzido ao destino de uma única família. Num artigo para o jornal New York Times, ele criticou: "Estou horrorizado com a ideia de que um dia o Holocausto venha a ser avaliado e julgado segundo essa produção da TV NBC que leva o seu nome."

O lado das vítimas

O roteiro, elaborado pelo autor americano Gerald Green, conta a história fictícia de duas famílias alemãs: a do médico Weiss, que vive em Berlim como judeu assimilado, e a do jurista nacional-socialista Erik Dorf. De início hesitante, porém impulsionado por sua ambiciosa esposa, este logo se adapta às novas circunstâncias, e em pouco tempo ascende ao cargo de vice de Reinhard Heydrich, o brutal organizador do genocídio dos judeus.

Pela primeira vez, a série televisiva mostrava o lado das vítimas judias de modo muito pessoal, sem números abstratos, sem generalizações. Os telespectadores podiam acompanhar de perto cada etapa da marginalização dos cidadãos judeus, as deportações e, por fim, a morte nas câmaras de gás.

A série televisiva foi rodada sobretudo na Áustria – único país em que se obteve permissão para tomadas externas com uniformes da SS – e na Alemanha, em parte até mesmo em locais originais do Holocausto, como o campo de concentração Mauthausen e Hadamar, onde os nazistas mataram nas câmaras de gás dezenas de milhares de deficientes mentais.

Ator Michael Moriarty, que representou Erik Dorf, 40 anos depoisFoto: WDR

Após um estupro coletivo, a filha da família Weiss, Anna, é levada para lá pelos soldados da SA e assassinada. Para o elenco – em grande parte atores de teatro famosos, britânicos e americanos – foi difícil suportar a proximidade dos palcos de morte dos nazistas e a autenticidade dos acontecimentos de fundo histórico.

O ator americano Michael Moriarty, que representava o arrivista nazista Dorf, precisou de apoio psiquiátrico durante as rodagens, pois não conseguia mais dormir à noite.

"Para fazer a coisa bem, é preciso se abrir", comentou no documentário Wie Holocaust ins Fernsehen kam (Como Holocausto  chegou à televisão), apresentado em janeiro de 2019 na TV alemã WDR, acompanhando a retransmissão da série. "E quando você deixa entrar em si as piores coisas que já existiram, elas continuam vivendo para sempre na sua própria alma."

Encarando o passado

Os diretores e superintendentes das diferentes emissoras de direito público da Alemanha combinaram de apresentar Holocausto  simultaneamente. Apenas a bávara BR, sediada em Munique, se eximiu. Ao fim de cada episódio, a WDR de Colônia transmitiu ao vivo uma seleta rodada de debates, com especialistas e vítimas do Holocausto.

A iniciativa era inédita, assim como o fato de sobreviventes dos crimes nazistas se apresentarem num programa da TV alemão: o cientista político Eugen Kogon; Hermann Langbein, ex-preso político de Auschwitz e Neuengamme; e Renate Lasker, que juntamente com a irmã Anita sobrevivera à deportação para o campo de extermínio Auschwitz-Birkenau e a "marcha da morte" para Bergen-Belsen. Ambas foram libertadas pelas tropas britânicas em abril de 1945.

A descrição do verdadeiro cotidiano do campo de concentração feita naquela noite por Renate Lasker-Harpprecht (como atualmente se chama), em palavras secas, chocou os telespectadores alemães profundamente. Nunca ninguém relatara em público o que os detentos sofriam diariamente sob o terror da SS.

Ao fim, ela se dirigiu pessoalmente ao público jovem: "É sempre questionando que vocês podem proteger a seus filhos e a nós. E se mostrarem coragem de cidadãos e não forem tão covardes como foram seus pais e avós."

Chegada ao campo de concentração de Auschwitz, em cena da sériaFoto: picture-alliance/dpa

Nem os numerosos documentários históricos televisivos sobre a era nazista, nem filmes como O diário de Anne Frank  (1959) haviam alcançado o que a série Holocausto  desencadeou em toda a Alemanha Ocidental e também na Áustria: cotas de audiência beirando os 40%, dezenas de milhares de telefonemas no meio da noite e montanhas de cartas de telespectadores, que mais tarde também ocupariam pesquisadores científicos. Em janeiro de 1979, não havia um jornal na Alemanha que não tratasse da irradiação da série televisiva americana e seus efeitos emocionais no país.

Ivo Frenzl, redator de transmissões da TV WDR, escrevia retrospectivamente: "As transmissões de Holocausto  conseguiram que, de forma súbita e muito dolorosa, todo um povo se lembrasse da própria história." E de repente questionava-se: o que nossos avós faziam na época nazista? Por que não ajudaram os nossos vizinhos judeus? Quanto sabiam, realmente?

Hoje em dia, classes escolares e, sobretudo, jovens turistas dos EUA, Canadá, Japão ou Israel vêm a Berlim para visitar um dos memoriais do Holocausto. E também para se ocupar de forma nova com um capítulo da história alemã e judaica que só chegou plenamente à consciência do amplo público em 1978-79, através de uma série televisiva americana. Uma série que também trouxe à Alemanha o conceito de "holocausto" (do grego holókaustos, totalmente incinerado).

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