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PolíticaAfeganistão

Como ONGs mantêm a ajuda humanitária no Afeganistão

9 de setembro de 2021

Tomada de poder pelo Talibã agravou as necessidades do país, que se vê diante de uma catástrofe humanitária. Organizações continuam seu trabalho, sob as condições estabelecidas pelo grupo fundamentalista islâmico.

Sacos de comida estocados ao ar livre
Talibã pediu a diversas entidades que prossigam seu trabalho Foto: Mohammad Jan Aria/ Xinhua/picture alliance

A tomada do poder pelo Talibã e o colapso das estruturas estatais − na medida em que existiam −, intensificaram as necessidades já existentes no Afeganistão. Uma longa estiagem castiga o país, que também está diante de uma catástrofe humanitária, ou já em meio a ela, disse à DW Simone Pott, porta-voz da ONG Ação Agrária Alemã. "Mais da metade da população depende de ajuda humanitária, ou seja, de alimentos, água potável, atendimento médico e abrigo." Um em cada três afegãos passa fome.

A ONG se engaja há anos em Samangan e Jowzjan, duas províncias do norte do país. A situação lá nunca foi boa, diz Pott: nos vilarejos, até 60% das casas foram destruídas ou precisam de reparos urgentes." Além disso, a maioria dos residentes não tem acesso a água potável. "Por isso, eles dependem do fornecimento de água ou têm que comprar água de baixa qualidade, que na verdade não é adequada para beber."

Muitas mulheres vivem sozinhas com seus filhos, relata a porta-voz da ONG. Os homens morreram, vivem como refugiados nos países vizinhos ou estão envolvidos em conflitos. "E, dependendo do que o Talibã ordene, é difícil para essas mulheres saírem de casa. Muitas não sabem como pagar alimentos. Além disso, descobrimos que muitos filhos foram abandonados pelos pais."

Muitas crianças foram abandonadas pelos paisFoto: Rahmat Gul/AP Photo/picture alliance

Cooperação com restrições

Como é possível a ajuda sob o domínio do Talibã? Há dificuldades logísticas, diz Pott. "Um grande problema é o sistema bancário, que não está funcionando completamente no momento. Por isso não podemos fazer nenhuma transferência. Mas precisamos disso para trazer suprimentos, pois temos de pagar o transporte. Esse é um grande problema, especialmente nas áreas mais ao leste."

Além disso, existem as regras do Talibã. Elas se diferenciam muito. Em Cabul, a situação não está clara no momento, as funcionárias da ONG estão trabalhando a partir de casa. "No norte, os talibãs escreveram uma carta para as organizações de ajuda, em que pedem que continuemos nosso trabalho. Tomamos isso como um sinal e estamos recomeçando."

Já na província de Nangarhar, no leste do país, o Talibã emitiu regulamentações em parte muito rigorosas. "Em geral, dependerá muito das condições estruturais que o Talibã irá criar. Sob que condições, por exemplo, as mulheres podem trabalhar? Isso será crucial, pois é claro que precisamos de pessoal profissional e bem treinado, independentemente de serem homens ou mulheres."

Até o momento, o Talibã não causou dificuldades para sua organização, diz Naim Ziayee, radiologista em Düsseldorf e presidente de uma associação alemã que ajuda crianças afegãs. "Após uma breve pausa, há alguns dias reabrimos nossas clínicas e nossa escola."

"Embora os pacientes estejam vindo para tratamento novamente, seu número é menor, as pessoas estão com medo por causa da situação de insegurança", conta. As escolas também estão voltando a ser frequentadas, embora haja muito menos alunos do que o normal, "mas os funcionários e funcionárias estão presentes".

Talibã coopera

As duas clínicas da associação estão localizadas na periferia de Cabul. Na clínica no nordeste da capital, o grupo fundamentalista islâmico é conhecido há anos, conta Ziayee. "Alguns de nossos pacientes lá são membros do Talibã", e a cooperação com eles funciona muito bem. "Após a tomada de poder, o Talibã nos garantiu que poderíamos continuar nosso trabalho sem nenhum problema. Eles até nos pediram isso."

Os talibãs também são bem conhecidos na segunda clínica da associação, no sudoeste de Cabul. Única de seu gênero ali, ela fica na área de comutação para várias centenas de milhares de habitantes, e "ali também os talibãs não têm dificultado o nosso trabalho".

Entretanto, as funcionárias se sentem incomodadas porque os militantes sempre carregam armas, o que assusta os estudantes e os pacientes em particular. "Queremos falar com eles sobre isso, mas é claro que isso leva tempo." Segundo Ziayee, de modo geral, o trabalho em ambas as instalações continua: "Até agora, não houve nenhuma restrição."

Mas, independentemente de qual governo esteja no poder, é necessário ajuda médica. "Portanto, presumo que o Talibã não interferirá, e que todas as mulheres continuarão trabalhando. Se não formos impedidos, com certeza poderemos continuar nosso trabalho. É o que acreditamos no momento."

"Talibãs são uns 200 mil, afegãos são 35 milhões. Não podemos puni-los", afirma funcionário da MSFFoto: Aamir Qureshi/AFP/Getty Images

Leve melhora da liberdade de movimento

Christian Kratzer, diretor executivo da seção alemã da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), comenta que sua organização também está dando continuidade a seus projetos: "Os pacientes continuam tendo acesso aos cuidados de saúde. Todo nosso pessoal pode ir ao trabalho, de forma que podemos  realmente fornecer ajuda médica vital."

"Recebemos pedidos das autoridades locais para continuar trabalhando. Fomos até convidados a entrar em algumas áreas inseguras no passado." Ali, a liberdade de movimento melhorou ligeiramente. "Muitas vezes é mais fácil para nós quando apenas um grupo controla um país ou região, porque então também só temos que falar com um dos lados."

O que pode causar problemas é o fato de o abastecimento através do aeroporto de Cabul estar interrompido. Isso possivelmente vai piorar o acesso aos cuidados de saúde para muitos. "No entanto, tivemos muita sorte que um carregamento ainda pôde pousar lá pouco antes de o aeroporto de Cabul ser confiscado pela ponte aérea militar. Conseguimos distribuir esses materiais pelo país nos últimos dias."

"Não punir os afegãos"

Kratzer acredita que o relacionamento sem transtornos com o Talibã provavelmente se deve ao fato de a Médicos Sem Fronteiras não tomar partido político. Este seria, segundo ele, um pré-requisito básico para poder trabalhar. "E, claro, temos estado em contato com os talibãs nos últimos anos. Temos trabalhado em áreas onde eles estavam presentes."

"O trabalho foi afetado pelos combates no passado, mas através de negociações com o Talibã sabemos muito bem quem eles são, e eles sabem quem nós somos. Há um entendimento mútuo que nos permite continuar trabalhando", conta Kratzer.

Apesar da mudança de poder no Afeganistão, é importante ter em mente as proporções, diz Naim Ziayee. "Se somarmos todos os talibãs, chegamos a cerca de 200 mil indivíduos. Mas a população afegã é de 35 milhões de habitantes. Estes não devem ser punidos."

Kersten Knipp Jornalista especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.
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