Como os Beatles gravaram seu primeiro álbum em 13 horas
Silke Wünsch
Publicado 22 de março de 2023Última atualização 23 de março de 2023
Lançado no Reino Unido há 60 anos, primeiro álbum dos Beatles nasceu depois do single "Please please me" ser o primeiro hit da banda no topo das paradas. A missão levou menos de um dia para ser cumprida.
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Paul McCartney brada no microfone: "One-two-three-four!". Começa então uma canção de rock áspera e veloz que coloca o corpo todo em movimento. I saw her standing there, expectorada por um Paul levemente resfriado e um John Lennon também gripado.
Este é o início fulminante de um álbum que catapultou definitivamente os quatro garotos de Liverpool para a primeira fileira do cenário musical pop da época.
Lançado no Reino Unido em 22 de março de 1963, Please please me se posicionou imediatamente entre os dez primeiros álbuns das paradas britânicas. Em 8 de maio, chegou ao primeiro lugar e não saiu dali por 30 semanas seguidas, só sendo substituído pelo segundo álbum do grupo, With The Beatles.
O sucesso foi a recompensa por seis anos de trabalho árduo, fazendo contatos, adquirindo experiência e não desistindo. E, em última instância, também foi mérito de dois homens que acreditaram na banda: Brian Epstein, dono de uma loja de discos e empresário dos Beatles, e o produtor musical George Martin.
Beatles "dinâmicos", "sensacionais", "fabulosos"
Em retrospectiva, a banda formada por Lennon, McCartney, George Harrison e Ringo Starr estava num estágio peculiar em 1962. Por um lado, cada vez mais conhecida. por outro, tocava em pequenas boates para jovens ou abrindo o show de outros artistas.
Fosse onde fosse, há cerca de um ano os Beatles estavam se apresentando quase que ininterruptamente: em clubes na Inglaterra, com frequência em Hamburgo, onde já eram quase funcionários fixos do Star Club, em programas de TV. Chegavam a ter duas apresentações por dia.
O grupo era apresentado como "The dynamic Beatles", "The fabulous Beatles", "The sensational Beatles, "The North's no. 1 Rock Combo" (O conjunto de rock número 1 do Norte da Inglaterra), era a principal atração do renomado Cavern Club de Liverpool, e sua comunidade de fãs crescia cada vez mais.
Alusões sexuais fortes demais para os anos 60
Entre todas essas apresentações, em novembro de 1962 George Martin chamou os meninos para irem ao estúdio. O primeiro single, Love me do, lançado em outubro daquele ano, só chegou ao 17º lugar das paradas, mas conseguiu tornar o grupo nacionalmente conhecido. Por isso, era importante gravar um novo hit.
Martin insistia que fosse o sucesso garantido How do you do it, escrito por Mitch Murray, compositor muito popular nos anos 1960 e 70. Mas os Beatles queriam lançar uma música própria: tinham convicção no próprio material.
John Lennon em 11 músicas
Passados 40 anos de sua morte, o mais polêmico, controverso e irreverente dos beatles ainda é lembrado por sua música e suas atitudes em defesa da paz.
Foto: picture alliance/Mary Evans Picture Library
"Hello Little Girl"
John Winston Lennon (na foto com a mãe, Julia) nasceu em 9 de outubro de 1940 em Liverpool. Sua carreira começou aos 15 anos, com The Quarrymen. No segundo show da banda, ele conheceu Paul McCartney e o chamou para entrar no grupo. Logo Lennon compôs sua primeira música, "Hello Little Girl". George Harrison, de 14 anos, se juntou aos dois, seguido de Stuart Sutcliffe. Em 1960, nasciam os Beatles.
Foto: RKA/MPI/Captital Pictures/picture-alliance
"Please Please Me"
A banda, agora com Pete Best na bateria, viajou a Hamburgo para uma temporada de shows de 48 dias. O grupo mergulhou na cultura das drogas e das ideias liberais em relação ao sexo. "Posso ter nascido em Liverpool, mas cresci em Hamburgo", disse Lennon. De volta à Inglaterra, ele compôs seu primeiro grande hit, "Please Please Me", faixa título do álbum de estreia dos Beatles, de 1963.
Foto: picture-alliance/dpa
"A Hard Day's Night"
Além de músico, Lennon também atuava. Em 1964, compôs "A Hard Day's Night", faixa-título do primeiro filme da banda, "Os reis do iê, iê, iê", que concorreu em duas categorias do Oscar. Lennon também estrelou o filme "Oh, que delícia de guerra!" (1967), de Richard Lester. Em 2009, a diretora Sam Taylor-Wood lançou o longa "O garoto de Liverpool", baseado na adolescência do músico inglês.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
"The Ballad of John and Yoko"
Lennon conheceu Cynthia Powell na faculdade, em 1957. Cinco anos mais tarde, eles se casaram e, em 1963, nasceu Julian. Tudo mudou em 1966, quando o músico conheceu a artista japonesa Yoko Ono, com quem acabou se casando em 1969. A mídia logo ficou obcecada com o novo casal. No mesmo ano, o single "The Ballad of John e Yoko" chegou ao topo das paradas do Reino Unido.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Bob Dear
"Julia"
Lennon teve relacionamentos conturbados com as mulheres de sua vida. Admitiu publicamente ter violentado Cynthia (e), e todos sabiam que o relacionamento com Yoko era tempestuoso. A relação com a mãe, Julia, também não era fácil. Lennon foi criado por uma tia, e a música "Julia" é uma homenagem à mãe, que morreu em 1958.
Foto: AP
"Tomorrow Never Knows"
Nos anos 1960, Lennon estava fascinado por Timothy Leary, um dos pais da contracultura psicodélica e defensor dos benefícios espirituais do LSD. "Tomorrow Never Knows" foi o próprio cântico de louvor de Lennon à droga. Na canção, convidava os ouvintes a "desligar a mente, relaxar e boiar rio abaixo". Muitos acreditavam que "Lucy in the Sky with Diamonds" era um acrônimo disfarçado para LSD.
Foto: Getty Images
"Revolution 1"
Lennon nunca deixou de atacar o sistema. "Revolution 1", de 1968, se tornou um hino contra a ordem estabelecida. O artista causou polêmica mundo afora ao afirmar, em 1966, que os Beatles eram maiores que Jesus Cristo, levando discos da banda a serem queimados. Na música "God", de 1970, Lennon cantou: "Não acredito em Jesus. Não acredito nos Beatles! Só acredito em mim. Em Yoko e em mim."
Foto: Getty Images
"All You Need is Love"
Lennon acabou se tornando um dos maiores defensores da paz mundial, no auge da Guerra do Vietnã. "All You Need is Love", de 1967, entoou o chamado Verão do Amor, uma série de manifestações pacíficas que pediam o fim do conflito. Em 1969, ele e Yoko protagonizaram, na Holanda e no Canadá (foto), um protesto que ficou conhecido como "bed-in", onde ele compôs outro hino da paz, "Give Peace a Chance".
Foto: AP
"How Do You Sleep?"
Os Beatles se separaram em 1970. No ano seguinte, Paul McCartney compôs "Two Many People" – uma "cutucada" na arrogância política de Lennon e Yoko. Profundamente magoado, Lennon devolveu o ataque com a música "How Do You Sleep?", sugerindo que a única música boa de McCartney havia sido "Yesterday". Lennon continuou amigo de Ringo Starr e George Harrison e mais tarde se reconciliou com McCartney.
Foto: Jim Marshall Pho
"(Just Like) Starting Over"
Em 1975, Lennon decidiu dar uma pausa na música. Ele e Yoko reataram após uma separação de 18 meses – o que ele chamou de "fim de semana perdido" –, e o filho Sean nasceu em 9 de outubro, dia em que Lennon completava 35 anos. Após cinco anos afastado da música, ele lançou o simbólico single "(Just Like) Starting Over", em 20 de outubro de 1980. Dois meses depois, Lennon foi assassinado.
Foto: AP
"Imagine"
Mesmo com a morte de John Lennon, suas músicas foram mantidas vivas pela legião de fãs – e monumentos de paz foram erguidos em sua homenagem em cidades como Nova York, Lima, Havana, Liverpool, Reykjavik e outras. "Imagine", sua mais famosa canção, ganhou versões de cantores como Madonna, Stevie Wonder e Elton John e continua sendo uma das músicas mais tocadas de todos os tempos.
Foto: AP
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Na gaveta estava Please please me (literalmente: Por favor, me satisfaça), de John Lennon, que gostava do jogo de palavras com o duplo "please". A música foi gravada em setembro de 1962, nas mesmas sessões em que surgiu Love me do.
Para os padrões da época, o texto, salpicado de alusões sexuais, era considerado indecente. George Martin não gostou do estilo da versão original, achando que era muito monótono e lento. Assim, os Beatles voltaram ao estúdio e gravaram o single que os catapultaria para o primeiro lugar das paradas.
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Para o estúdio, rápido!
Ao finalizar o trabalho no estúdio, George Martin tinha uma certeza: "Vocês acabaram de gravar seu primeiro primeiro lugar". Em 11 de janeiro de 1963, o single foi lançado, e concretizou a profecia de Martin.
A partir desse momento, para além da atmosfera lúgubre e som alto dos clubes, todo mundo entendeu: a música do grupo era excitante, veloz, possante e cheia de alegria de viver. Assim como em Love me do, o riff da gaita no início da canção eletriza, seguido de um ritmo pulsante, harmonias geniais e letras ainda mais geniais.
Nesse meio-tempo, as apresentações ainda diárias dos Beatles eram promovidas com os dois singles. A então famosa cantora teenie Helen Shapiro os leva numa turnê. Brian Epstein, que levava o cargo de empresário muito a sério, cuidou para que o grupo levasse um instrumentário completo.
Quando voltaram a ser chamados a comparecer ao estúdio por George Martin, em 11 de fevereiro, Os músicos estavam exaustos. A tarefa era gravar seu primeiro LP do grupo – num só dia.
Maratona de gravação de 13 horas
Martin queria registrar o estilo rude e original dos rapazes. Com a rotina de apresentações, muitas das canções já estavam tão bem ensaiadas, que, de fato, conseguiram gravar dez canções ao vivo, acrescentando-as às quatro já realizadas.
Para a última música, Twist and shout, Lennon gastou a voz que lhe restava: ficou rouco depois dos dois primeiros takes, e o resultado áspero ficou incrustado para sempre nos ouvidos e na memória de milhões de beatlemaníacos.
Martin usou apenas um gravador de dois canais, apenas poucos instrumentos são superpostos. Por canção, John, Paul, George e Ringo precisaram de 15 a 90 minutos. Depois de quase 13 horas, litros de chá, leite, balas para a garganta e cigarros, as músicas estavam gravadas. Mais tarde, Martin adicionou um piano a algumas faixas.
Apesar da técnica de gravação bastante simples, os custos de produção resultaram bastante altos: 400 libras esterlinas, o equivalente a cerca de 8.500 euros atuais. Hoje, a produção de uma única faixa já começa nos 10 mil euros.
Dada a partida para a Beatlemania
Das 14 faixas de Please please me, apenas seis são versões cover. Na época, não era comum uma banda gravar tantas canções próprias em seu álbum de estreia
O fato de os Beatles terem imposto suas próprias músicas junto ao produtor tornou a dupla Lennon-McCartney rapidamente reconhecida como compositores. Paul e John fizeram um acordo segundo o qual para que ambos os nomes fossem sempre citados, mesmo que só um deles tivesse escrito a música.
Please please me tem um som fresco e novo, um testemunho dessa disciplina férrea, de perfeccionismo e da vontade de criar algo gigantesco. Ele não marcou apenas o início da Beatlemania que tomaria de assalto o mundo inteiro em seguida, mas também o nascimento de uma nova forma de música pop, e inspirou gerações subsequentes de músicos a fazerem o mesmo.
1966: o ano em que os Beatles sacudiram a Alemanha
Até a turnê-relâmpago do grupo inglês pelo país, em junho de 1966, os alemães só tinham uma vaga ideia do que "Beatlemania" queria dizer. De Munique a Hamburgo, os músicos provocaram uma onda de histeria.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Três dias de estado de exceção
A carreira dos Beatles começou em 1962, no Star-Club de Hamburgo, local de rock em que várias bandas se lançaram. Pouco depois, os quatro jovens de Liverpool já eram superstars, desencadeando ataques de histeria onde quer que se apresentassem. Em 1966, eles retornaram à Alemanha para dar uma amostra de sua magia. Durante os três dias da turnê, a imprensa não falou de outra coisa.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Salve-se quem puder
O avião levando o grupo desembarcou em 23 de junho de 1966 no aeroporto Munique-Riem. A loucura se instaurou já na pista de aterrissagem: 200 policiais tentaram conter os fãs, mas os repórteres invadiram a escada de descida. Enquanto Paul sorria, o agente Brian Epstein gesticulava: "Calma, gente..." John abriu caminho com expressão estressada, e os demais Beatles se perderam na confusão.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Hotel sitiado
Os fãs aguardavam diante do Bayerischer Hof, onde os "Fab Four" se hospedariam. Munique jamais vira tantos "adolescentes de juba comprida e jaqueta de vagabundo" juntos. Os ídolos eram chamados em coro, enquanto no hotel era preciso regularizar as acomodações: por descuido haviam sido reservados quartos duplos, para desagrado dos músicos. O público foi à loucura quando eles apareceram na janela.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Trajes típicos e perguntas bobas
Como relatou o jornal "Die Welt", "para seu deleite" os "quatro rapazes do coro" foram presenteados com "lederhosen" com botões de chifre de veado e camisas típicas bávaras. Uma coletiva de imprensa no hotel foi marcada por muitas perguntas bobas. Um repórter do "Bild" perguntou a Ringo se a calça de couro não era grande demais: "Pode ser. Então vou esperar até o bebê crescer dentro."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Fabulosos, mas nem tanto
Enquanto a juventude alemã entrava em êxtase naqueles dias de verão, os mais velhos expressavam sua desaprovação com epítetos como "bobalhões" e "macacos". E a imprensa estava atônita com o sucesso dos quatro. O "Münchener Merkur" se concentrou nos "defeitos": "O míope John Lennon, o canhoto Paul McCartney, o orelhudo George Harrison e o narigudo Ringo Starr."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Decibéis incompreendidos
Em 24 de junho os Beatles fizeram dois shows no Circus Krone de Munique, um à tarde e outro à noite. Durante as apresentações, era quase impossível escutá-los, sob a gritaria histérica do público. O "Süddeutsche Zeitung" desaprovou os decibéis: "Quando as guitarras começam com seu ritmo pesado, o barulho é tanto que, por razões médicas, seria melhor ficar bem longe."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Momentos de histeria
Pela primeira vez a Alemanha vivenciava até onde pode ir a histeria das fãs: uivos de prazer, êxtase até o limiar da dor, desmaios. O repórter do "Main-Echo" capturou alguns desses momentos: "18h56: Uma menina de 16 anos salta de seu lugar, desce correndo os degraus até o palco, cai no chão, aos berros. Os paramédico intervêm e levam a menina para fora."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Felicidade em Essen
Da capital bávara direto para Essen. Por que essa cidade relativamente pequena, na região industrial e carbonífera do Vale do Ruhr? Antes da viagem, Berlim negociara com os agentes do grupo. Mas nessa turnê-relâmpago os Beatles não queriam tocar em locais gigantescos, como a Waldbühne ou o Estádio Olímpico. Em vez disso, apresentaram-se para um público de 8 mil na arena Grugahalle de Essen.
Foto: picture-alliance/Bildarchiv/Hemann
De volta a Hamburgo
O "Hamburger Morgenpost" noticiou: "Por 25 minutos os jovens hamburgueses endoideceram no frenesi dos Beatles. As garotas se contorciam, gemendo e roucas de gritar, ao ritmo fustigante de seus ídolos. Foi a maior loucura já vista nesta casa de shows." O "Bild" foi mais conciso: "Eles gritavam. Eles choravam. Eles caíam." Os dois concertos no Ernst Merck Halle atraíram 5.700 beatlemaníacos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/H. Ducklau
Corações partidos
O que era doce se acabou. No aeroporto de Hamburgo, os fãs se despediram dos Fab Four, que partiram para Tóquio, onde começaria sua turnê pela Ásia. O jornalista do "Die Sonne" de Baden-Baden respirou aliviado: "Sobrevivemos aos Beatles sem danos ao corpo ou à mente." Não exatamente: a turnê relâmpago na Alemanha deixou um saldo de nove cadeiras quebradas. E milhares de corações de fãs partidos.