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Como relógio dado a Lula pode beneficiar Bolsonaro

8 de agosto de 2024

TCU determinou que presidente pode ficar com item de luxo recebido de presente em 2005 pela Cartier. Mas decisão não agradou a Lula, pois pode abrir um precedente vantajoso para Bolsonaro no caso das joias sauditas.

Bolsonaro e Lula durante debate eleitoral em 2022
Lula (D) disse ter se sentido usado pelo TCUFoto: MAURO PIMENTEL/AFP

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou nesta quarta-feira (07/08) que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não precisa devolver à União um relógio de luxo que recebeu de presente em 2005.

A decisão desagradou ao atual mandatário por abrir caminho para beneficiar seu antecessor, Jair Bolsonaro, no chamado caso das joias, envolvendo artigos presenteados pela Arábia Saudita e omitidos da Receita Federal.

O TCU analisou uma representação apresentada pelo deputado federal bolsonarista Ubiratan Antunes Sanderson (PL-RS) em agosto do ano passado com base em artigos de jornais, sobre suposta apropriação indevida do relógio da marca Cartier dado a Lula em seu primeiro mandato. Um modelo semelhante do relógio é vendido, hoje em dia, por R$ 59 mil.

O tribunal considerou a representação improcedente, apontando não haver lei específica aplicável a presidentes da República que determine a incorporação ao patrimônio público de presentes recebidos.

Prevaleceu o entendimento do ministro Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro, que foi acompanhado do voto de outros quatro dos oito magistrados. Oliveira argumentou que, atualmente, não há caracterização precisa para enquadrar presentes como bens "de natureza personalíssima" ou "de elevado valor" e defendeu que o Congresso Nacional estabeleça regras sobre valores de itens recebidos que podem ficar em posse de presidentes.

De acordo com o tribunal, a própria fabricante Cartier, e não o então governo francês como alegava o deputado bolsonarista, presenteou Lula com o relógio em julho de 2005, durante as comemorações em Paris do "Ano do Brasil na França". 
O item, que conta com a gravação do nome de Lula, foi registrado no Sistema de Informação do Acervo Presidencial.

A reação de Lula

Segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, apesar de poupado de devolver o relógio, Lula disse se sentir usado pelo TCU para que o tribunal possa vir a inocentar Bolsonaro do caso das joias.

O presidente teria afirmado ter a intenção de devolver o relógio em questão ao TCU, mas interlocutores o teriam desaconselhado a fazê-lo, apontando que isso abriria brecha para que Lula fosse cobrado a devolver outros itens de valor que recebeu em seus dois primeiros mandatos.

O presidente teria sido aconselhado a recorrer da decisão desta quarta sob o argumento de que os fundamentos desta seriam equivocados. Sob esse argumento, Lula poderia de fato manter o relógio em sua posse, por ter recebido o presente muito antes de o TCU estabelecer, em 2016, que mandatários só podem levar consigo após deixarem a Presidência itens considerados de natureza "personalíssima", ou seja, de uso pessoal e baixo valor.

Tal resolução do TCU serviu como base para o tribunal determinar no ano passado que Bolsonaro restituísse à União joias recebidas da Arábia Saudita.

A decisão de 2016, no entanto, havia sido tomada em caráter liminar, até que o tribunal julgasse o mérito do assunto, o que ainda não ocorreu. A defesa de Bolsonaro espera que uma nova avaliação do tema leve em conta a decisão desta quarta e acabe, portanto, por reverter a determinação de que o ex-presidente devolvesse as joias sauditas.

O caso das joias

O governo Bolsonaro teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal joias inicialmente avaliadas em cerca de R$ 6,8 milhões que teriam sido presentes da Arábia Saudita ao ex-presidente e a sua esposa, Michelle Bolsonaro.

As joias foram apreendidas quando uma comitiva do governo Bolsonaro retornava ao Brasil após uma viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2021. As peças estariam na mochila de um militar que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque, e não foram declaradas,

Segundo o documento da Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, o militar da comitiva de Bolsonaro disse não ter nada a declarar, mas, ao passar pela alfândega, um fiscal solicitou que ele colocasse sua mochila no raio-x, onde "observou-se a provável existência de joias". A bagagem então foi revistada, e os agentes encontraram um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes. Os objetos foram apreendidos. Um outro pacote com presentes escapou da Receita na ocasião.

De acordo com o documento, o militar informou o ocorrido ao ministro Bento Alburquerque, que tentou liberar as peças alegando se tratar de um presente para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Em depoimento à PF, Albuquerque mudou sua versão e negou que tivesse conhecimento sobre o destino final das peças.

O TCU determinou que Bolsonaro confiasse as joias à União em abril do ano passado. A defesa do presidente cumpriu a decisão, entregando outros dois pacotes de presentes além do apreendido pela Receita.

Em dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro, um sargento da Marinha foi enviado em voo oficial pelo gabinete de Bolsonaro ao Aeroporto de Guarulhos para tentar reaver as joias.

Bolsonaro indiciado

No mês passado, a Polícia Federal (PF) indiciou Bolsonaro na investigação que apura se ele teria se apropriado indevidamente das joias milionárias presenteadas pela Arábia Saudita ao governo brasileiro.

Os crimes que constam no indiciamento de Bolsonaro são associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (apropriação de bens públicos).

O ex-presidente sempre negou quaisquer irregularidades.

lf/le(ots)

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