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Esporte

Como sobreviver à mercantilização do futebol?

19 de fevereiro de 2019

O St. Pauli, do norte da Alemanha, é o clube que mais bem representa o dilema entre engajamento social e futebol competitivo. Sua torcida teme que, com eventual subida à primeira divisão, perca-se a identidade popular.

Torcida do St. Pauli durante o dérbi local contra o Hamburgo
Torcida do St. Pauli durante o dérbi local contra o HamburgoFoto: picture-alliance/dpa/A. Heimken

De todos os clubes que atualmente disputam a segunda divisão da Bundesliga, o FC St. Pauli provavelmente é aquele que mais bem representa o dilema entre engajamento social e futebol competitivo, talvez só comparável, com ressalvas, ao Union Berlin.

Acontece que o ativismo do clube berlinense é mais domesticado, familiar até, do que aquele praticado pelo seu rival da cidade de Hamburgo. Já no que diz respeito à sua competitividade futebolística, parte da torcida do St. Pauli, assim como a do Union Berlin, teme que, com uma eventual subida à primeira divisão, os clubes percam sua identidade popular em favor do sucesso comercial a qualquer custo.

Boa parte de sua história das últimas décadas o St. Pauli passou na segunda divisão. Marcou presença na divisão de elite em apenas oito temporadas. A primeira vez foi em 77/78. Não aguentou o tranco, ficou em último lugar e foi rebaixado para a "segundona" novamente.

Seguiram-se mais quatro rebaixamentos, em média um por década. Sua presença mais longeva no futebol de elite foi de 1988 a 1991, sendo que em 1989 terminou o campeonato em décimo lugar.  Até hoje sua melhor colocação na tabela da Bundesliga.

Seu último rebaixamento foi em 2011 e, desde então, vagueia com altos e baixos na segunda classe do futebol alemão e fica oscilando nas posições intermediárias da tabela.

Em compensação, se faltou competência para ocupar uma cadeira cativa na Bundesliga, sobrou consciência política e social.

Como escreve o jornalista Leandro Vignoli no seu livro À sombra de gigantes, enquanto a torcida do arquirrival Hamburgo era infiltrada por hooligans neonazistas na década de 80, muitos torcedores do St. Pauli se engajavam na luta dos sem teto contra as arbitrariedades da polícia.

Graças à forte atuação de grupos de torcidas organizadas desde os anos 90, como por exemplo o Pro Fans, manifestações racistas e sexistas foram banidas do seu lendário estádio Millerntor. Deste modo, o St. Pauli se tornou o primeiro clube na Alemanha a proibir gritos de guerra, cânticos, faixas e banners que tenham viés preconceituoso.  Está registrado oficialmente nos estatutos do clube. 

Outra expressão desta "Fankultur" progressista é a caveira, emblema tradicional e secular da pirataria que a torcida utiliza como símbolo do "pobre contra o rico". No caso, o pobre seria o St. Pauli que ano após ano luta com problemas financeiros, e o rico sendo representado pelos clubes todo-poderosos e multimilionários como Bayern Munique, Borussia Dortmund e Hamburgo. 

Andreas Rettig, o principal executivo do clube, reconhece a importância dos valores que marcaram a história recente do clube e dos quais não se pretende abrir mão.

"Os valores do clube são muito importantes. Não aceitamos propostas de patrocínio de empresas cujos valores não coincidem com os nossos".

De outro lado, o dirigente sabe que um clube de futebol não funciona nem sobrevive em nível profissional sem comercialização.

Poderia se pensar que a torcida do St. Pauli é homogênea, descendente direta do cenário "punk" dos anos 80 com sua militância contra homofobia, racismo, capitalismo selvagem e neonazismo. Essa turma subsiste firme e forte, mas em número menor. Calcula-se que represente não mais do que 25% da torcida que costumar lotar o Millerntor-Stadion, com capacidade para quase 30 mil espectadores.

Esses torcedores ocupam a famosa "Südkurve" (curva sul) do estádio com inscrições, faixas e banners repletos de alusões ao seu ativismo. Uma delas diz "Nenhum homem é ilegal", clara demonstração política a favor dos refugiados.

Atualmente, porém, a maioria da torcida é composta por pessoas comuns que vão ao estádio com seus familiares e amigos. São da classe média e ganham um salário líquido mensal de 2 mil euros (aproximadamente 8 mil reais), bem acima da média do bairro.

É nesse segmento que a atual diretoria do St. Pauli está de olho. Sabe que, mais cedo ou mais tarde, será preciso entregar resultados. O principal objetivo é voltar à primeira divisão e tentar se estabelecer por lá de forma perene e isto sem perder a identidade.

O próprio diretor Andreas Rettig brinca: "Como principal executivo posso garantir que administrar e superar o dilema militância x mercantilização do nosso clube não será fácil, mas juntos, vamos conseguir".  

Missão difícil, mas não impossível.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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