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Como tratar hiperatividade sem remédio

Maurício Cancilieri22 de julho de 2016

Terapias que estimulam o cérebro prometem amenizar, sem o uso de medicamentos, sintomas típicos do TDAH: desatenção e hiperatividade. Mas não há consenso entre os médicos sobre qual melhor maneira de tratar os pacientes.

Sauer sein
Foto: Fotolia/Nicole Effinger

Uma criança inquieta, que na escola mal para sentada na cadeira, é uma forte candidata a receber um diagnóstico comum no Brasil: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tratado, na maioria dos casos, com remédios tarja preta. Houve um tempo em que os psicofármacos usados no tratamento, como a famosa ritalina, até se esgotavam nas farmácias brasileiras. Esse tempo passou.  

Não que o TDAH tenha saído da agenda dos profissionais da educação ou da rotina dos pais desesperados por uma cura para o "mau comportamento" dos filhos. O que aconteceu foi que começaram a surgir alternativas aos medicamentos, que apresentam efeitos colaterais fortes, como taquicardia e insônia. A modernização das terapias para exercitar o cérebro, como o método Neurofeedback, tem apontado um outro caminho possível para "medicar" de forma natural quem tem o transtorno.

A proposta do Neurofeedback, que teve sua origem no Japão, é treinar o intelecto para que o paciente consiga sustentar um determinado esforço mental por mais tempo. Ou seja, se a intenção dele for fazer uma tarefa inteira em sala de aula, com os meses de prática o cérebro vai saber como atingir esse objetivo. Chega a um ponto em que o raciocínio passa a se manter estável, evitando interrupções seguidas, como ocorre com quem tem TDAH.  

Para alcançar um bom nível de concentração, no treinamento do Neurofeedback a criança fica conectada a um computador. As ondas cerebrais são medidas com ajuda de eletrodos. Quando o software detecta desatenção, imediatamente envia um sinal. Ao longo de dezenas de sessões, o jovem aprende a se controlar.

Neurofeedback no Brasil

Pediatra há 20 anos, Valéria Modesto, pós-graduada em Neurociências pelo Instituto D'Or, no Rio de Janeiro, já trabalha com Neurofeedback no Brasil. Ela faz atendimentos clínicos na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Os pacientes têm respondido bem às intervenções terapêuticas.

A especialista enfrenta resistência entre a classe médica com o projeto que criou em 2011 para cuidar de pessoas com TDAH, o "Mente Confiante", mas diz que não vai desistir. "Os resultados são percebidos a partir da décima segunda sessão. A pessoa melhora o foco, reduz a ansiedade e entende melhor suas emoções", explica.

Convencida das possibilidades do Neurofeedback, Modesto diz que a aplicação das técnicas provoca outras mudanças, como "controle da tensão muscular, sudorese, frequência cardíaca e modulação do ritmo biológico do sistema nervoso central". Os efeitos, de acordo com ela, permanecem de um a dois anos.

Luta contra os medicamentos

A terapia livre de químicos é defendida por muitos especialistas justamente porque continua fazendo efeito sobre o paciente mesmo depois de concluídas as séries de exercícios de estimulação cerebral.

Para a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Maria Aparecida Moysés, o diagnóstico precipitado do TDAH com a prescrição de medicamentos pode inclusive mascarar o diagnóstico de outras doenças. "Esse diagnóstico, que é um rótulo, não ajuda. Não podemos sedar o sofrimento. Muitos profisionais deixam de diagnosticar psicose e autismo e colocam tudo no gavetão do TDAH." A pediatra adverte que o estado de "atenção" produzido pela ritalina não é o efeito terapêutico dela, mas uma reação adversa.

Na verdade, Moysés também é contra tratamentos alternativos como o Neurofeedback, por questionar a própria existência do TDAH. "O Neurofeedback também é um erro porque parte do princípio de que o déficit de atenção é uma doença. Esse é um transtorno jamais se comprovou. Algumas crianças são mais agitadas, mais ativas. Isso é uma doença?", questiona.

Metilfenidato, princípio ativo da ritalina, é uma das mais conhecidas substâncias usadas no tratamento de hiperatividade.Foto: picture-alliance/dpa

Em defesa da ritalina

Já Bruno Palazzo Nazar, professor de psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do King's College de Londres, defende que o metilfenidato "é uma medicação comprovadamente valiosa". E discorda que o transtorno de hiperatividade seja algo inventado. Segundo ele, profissionais que se posicionam contra o diagnóstico "se deixam guiar por ideologias e preconceitos em detrimento dos pacientes e seus familiares, que sofrem".

A respeito do Neurofeedback, Nazar pertence ao grupo de especialistas desconfiados da validez clínica do método. "A mais recente revisão de estudos científicos aponta que o Neurofeedback talvez não seja eficaz no tratamento do TDAH", diz.

Ainda de acordo com Nazar, o risco de um possível "vício" em ritalina nunca foi comprovado cientificamente. "Como se trata de uma doença crônica, alguns pacientes vão precisar de uso contínuo da medicação, assim como faria um hipertenso ou um diabético", afirma.

O que diz a OMS?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o Décifit de Atenção e Hiperatividade como uma desordem neurológica. De acordo com a OMS, as terapias cognitivo-comportamentais, como Neurofeedback, são indicadas para as crianças com diagnóstico de TDAH.

O uso da ritalina não é descartado pela organização, desde que haja para o paciente um acompanhamento rigoroso por uma equipe de especialistas, além do consentimento da família. A OMS recomenda também que os pais recebam apoio para lidar com a situação.

No Brasil, algumas escolas já aplicam os direitos do Estatudo da Criança e do Adolescente nos casos de TDAH. Um jovem com o distúrbio pode ter condições especiais para fazer uma prova, ou solicitar assistência especializada na rotina escolar, como já acontece com quem sofre de autismo.

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