Como Trump joga imigrantes brasileiros na rota da deportação
Heloísa Traiano
12 de fevereiro de 2025
Presidente dos EUA cria condições para caçar e deter em larga escala os indocumentados que evitam a fronteira com o México.
Trump anunciou uma série de medidas linha-dura para reprimir imigração irregular Foto: Sra Devlin Bishop/U.S Air/Planet Pix/ZUMA Press Wire/picture alliance
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Em sua volta ao poder, Donald Trump anunciou uma série de medidas linha-dura para a repressão da imigração irregular nos Estados Unidos (EUA). Por vários mecanismos, o pacote do presidente joga na rota da deportação milhões de imigrantes com vidas estabelecidas ao longo de anos em solo americano.
Dentre os grupos sob maior pressão, está a crescente comunidade brasileira, que frequentemente entra no país com vistos de turista ou de estudante para escapar do perigoso cruzamento pelo México. O controle migratório na fronteira sul foi o foco da estratégia de repressão aos indocumentados na gestão do democrata Joe Biden.
Em 2022, o Departamento de Segurança Interna (DHS) estimou que 230 mil brasileiros vivessem sem permissão nos EUA — o oitavo maior grupo por nacionalidade, aproximando-se das comunidades colombiana e venezuelana.
Caso concretizados, os planos de Trump se diferem da estratégia central do seu antecessor ao mirar em estimados 8 milhões de trabalhadores que, segundo o Centro para Estudos de Migração de Nova York (CMS), atuam sobretudo na agricultura, construção e serviços. Além de aumentar o controle nas fronteiras, o novo presidente agora capilariza as operações do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE) em todos os cantos dos EUA, chegando a lugares considerados sensíveis como igrejas, hospitais ou escolas.
Trump ainda instaura a política de remoções expressas em qualquer lugar. Funcionários de baixo escalão ganham permissão para remover sumariamente estrangeiros indocumentados sem audiência diante de um juiz, caso eles não possam provar que estão nos EUA há pelo menos dois anos. Sob Biden, essa medida só poderia ser aplicada a no máximo 160 quilômetros das fronteiras.
O coração da imigração ilegal do Brasil para os EUA
20:38
"Ainda não sabemos o impacto de longo prazo ou a longevidade destas medidas, mas há um esforço muito claro em estabelecer as bases para aumentar a capacidade de realizar deportações no interior dos EUA", afirma Colleen Putzel, analista de políticas do think tank Instituto de Política Migratória.
Também foram derrubadas instruções para que agentes do ICE considerassem critérios que poderiam evitar deportações, como a ausência de antecedentes criminais e a presença de família nos EUA.
"Os indocumentados sempre foram uma proporção considerável da população americana, e já tivemos na história programas que engajavam com ideias de deportação em massa. Mas o fôlego e o escopo das ordens executivas de Trump não têm precedentes", diz Mario Russell, diretor-executivo do CMS.
Atmosfera de medo ao redor dos EUA
Trump e seu "czar de fronteira", Tom Homan, declararam querer ver deportados todos os 11 milhões de indocumentados nos EUA. Autoridades do governo estabeleceram metas diárias de até 1,5 mil apreensões diárias para o ICE, segundo a imprensa americana.
Advogados especializados em Washington, Flórida e Pensilvânia relatam uma nova atmosfera de medo entre imigrantes indocumentados. Diante da pressão sobre qualquer um e em qualquer lugar, há até quem pense em se "autodeportar".
"Eu tenho clientes que consideram voltar para o Brasil, mesmo que tenham casos fortes na Justiça, porque não querem parar numa detenção do ICE", conta Karen Hoffmann, advogada na Filadélfia. "Estas pessoas estabeleceram vidas e negócios aqui. Além do sofrimento humano, será uma grande perda se forem deportadas."
Entre 2022 e 2023, na gestão Biden, a população detida pelo ICE aumentou em 40%, de 26 mil para 37 mil, com ligeiro crescimento posterior. Cerca de 9 mil brasileiros foram apreendidos no governo de Biden, entre 2021 e 2024, sobretudo por violarem a legislação migratória em Boston, lar de uma vasta comunidade brasileira.
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Chegadas e deportações em alta sob Biden
Os EUA tiveram fluxo recorde de imigrantes sob Biden. Cerca de 10 milhões de pessoas foram vetadas nas fronteiras e 1,5 milhão foram deportadas — incluindo mais de 7 mil brasileiros.
Primeiro avião trazendo brasileiros deportados pelo governo Trump chegou no fim de janeiro ao paísFoto: MICHAEL DANTAS/AFP/Getty Images
Aproximadamente metade das deportações na gestão democrata ocorreram entre outubro de 2023 e setembro de 2024. De 192 países, o Brasil foi o décimo primeiro em deportados no período, com 1,8 mil pessoas. Os dez primeiros são todos da América Latina e somaram 256 mil deportados.
Outros 2,9 milhões de imigrantes e requerentes de asilo foram expulsos nas fronteiras pelo Título 42, norma invocada por Trump em 2020 contra a covid-19 e mantida por Biden até maio de 2023. A medida, inicialmente de saúde pública, tornou praticamente impossível pedir asilo nos Estados Unidos, permitindo a deportação rápida de migrantes que cruzam a fronteira irregularmente, sem nem sequer analisar eventuais solicitações.
Tensão diplomática com o Brasil
As deportações de brasileiros aumentaram depois que o governo de Michel Temer assinou um acordo com a primeira gestão Trump para facilitar a devolução ao Brasil de indocumentados sem chance de recurso nos EUA.
Logo após a segunda posse de Trump, o Itamaraty pediu esclarecimentos aos EUA sobre a chegada de deportados algemados e submetidos a tratamento degradante. O uso de algemas, entretanto, não é inédito.
"O governo brasileiro considera inaceitável que as condições acordadas com o governo norte-americano não sejam respeitadas", disse a pasta em nota. "O Brasil concordou com a realização de voos de repatriação, a partir de 2018, para abreviar o tempo de permanência desses nacionais em centros de detenção norte-americanos, por imigração irregular e já sem possibilidade de recurso."
Em 2024, o Brasil rejeitou 8.799 pessoas que não tinham visto ou não atendiam outros requisitos migratórios e expulsou ou deportou outras 36, segundo a Polícia Federal (PF).
Ao contrário dos EUA, o Brasil não realiza deportações ou inadmissões em massa, nem freta voos para a devolução de estrangeiros. Para estes casos, diz a PF, voos comerciais se encarregam do transporte de até dois indivíduos, e o uso de algemas é excepcional para quando há risco à segurança do voo.
O mês de fevereiro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: John Macdougall/AFP/Getty Images
Moraes determina bloqueio do Rumble no Brasil
O ministro do STF Alexandre de Moraes determinou (21/02) o bloqueio da rede social Rumble no Brasil, acusando a plataforma de "reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos" de ordens judiciais, além de tentativas de "não se submeter ao ordenamento jurídico brasileiro [...] para instituir um ambiente de total impunidade e de 'terra sem lei' nas redes sociais brasileiras". (21/02)
Foto: EVARISTO SA/AFP
Hamas entrega corpos de 4 reféns israelenses
Grupo islamista alega que reféns teriam sido mortos em bombardeio de Israel. Vítimas são um bebê de 9 meses, seu irmão de 4 anos, a mãe deles, de 32 anos, e um idoso de 83 anos. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) acusou o Hamas de ter transformado o ato em palco político. (20/02)
Foto: Stringer/REUTERS
Trump culpa Ucrânia por invasão russa e chama Zelenski de "ditador"
Irritado ao ouvir de Volodimir Zelenski que vive numa "bolha de desinformação" após ter ecoado a linha oficial do Kremlin e atribuído à Ucrânia a culpa pela invasão russa em 2022, o presidente americano Donald Trump chamou o colega de "ditador" e aconselhou-o a ser "rápido" se não quiser "ficar sem país". A escalada diplomática é mais um passo no estranhamento entre EUA e Ucrânia. (19/02)
Foto: Roberto Schmidt/AFP/Getty Images
Procuradoria denuncia Bolsonaro e outros 33 ao STF por tentativa de golpe
A Procuradoria-Geral da República denunciou Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas ao Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente é acusado de cinco crimes, que juntas somam até 43 anos de prisão: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. (18/02)
Foto: Ton Molina/NurPhoto/picture alliance
Avião capota no Canadá
Um avião da Delta capotou em acidente ocorrido no Aeroporto Internacional Pearson de Toronto, no Canadá, ficando de barriga para cima na pista e deixando ao menos 15 feridos. O terminal ficou horas paralisado após o acidente. (17/02)
Foto: Uncredited/CTV/AP/dpa/picture alliance
Candidatos a chanceler federal se enfrentam em debate na Alemanha
Temas como imigração, economia, relação com Estados Unidos e guerra na Ucrânia pautaram o primeiro debate com os quatro principais candidatos a chanceler federal. O evento colocou Olaf Scholz, do SPD, contra seu principal rival, Friedrich Merz, que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto. Também participaram Alice Weidel, da AfD, e o vice-chanceler Robert Habeck, dos Verdes. (16/02)
Foto: Kay Nietfeld/dpa-Pool/picture alliance
Tumulto deixa dezenas de mortos em estação de trem na Índia
Pelo menos 15 pessoas morreram e mais de 10 ficaram feridas em um tumulto em uma estação ferroviária na capital da Índia, Nova Délhi, quando uma multidão tentava chegar na maior congregação religiosa do mundo, o Khumba Mela. No mês passado, 30 pessoas morreram em um tumulto no festival hindu de Kumbh Mela, no norte da Índia. (15/02)
Foto: Uncredited/AP/dpa/picture alliance
Vice-presidente dos EUA pede resgate de valores europeus e fim do "cordão sanitário"
JD Vance provocou choque entre líderes europeus que acompanharam seu discurso na Conferência de Segurança de Munique. O americano quebrou o protocolo ao focar sua fala na política interna da União Europeia, e disse que os EUA estão preocupados com os valores que os europeus estão defendendo. Ele ainda sugeriu o fim do "cordão sanitário" que isola a ultra direita no parlamento alemão. (14/02)
Foto: Leah Millis/REUTERS
Carro avança sobre multidão em Munique, na Alemanha
Um automóvel atropelou um grupo de pessoas no centro de Munique, deixando 30 feridos. As causas do incidente estão sendo investigadas. O governador da Baviera, Markus Söder, falou em "possível atentado". O motorista do automóvel seria um afegão de 24 anos que tinha autorização de permanência no país. Chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, diz que suspeito "tem que deixar o país". (13/02)
Foto: Michael Bihlmayer/Bihlmayerfotografie/IMAGO
Alemanha prorroga controles de fronteira
Governo em Berlim prolongou por mais seis meses os controles em todas as suas fronteiras exteriores, a fim de "frear a imigração irregular", segundo o chanceler federal Olaf Scholz. A medida foi adotada em setembro de 2024. (12/02)
Foto: Matthias Balk/dpa/picture alliance
EUA e Reino Unido rejeitam declaração de Paris sobre IA
Em torno de 60 países assinaram em Paris uma declaração que pede o uso transparente e sustentável da inteligência artificial e regulamentações internacionais, com EUA e Reino Unido sendo as notáveis ausências na lista de signatários. O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, expôs na cúpula as várias reservas dos EUA em relação ao tema.(11/02)
Foto: Thomas Padilla/AP Photo/picture alliance
Donald Trump impõe tarifas de 25% sobre a importação de aço e alumínio
Presidente dos EUA, Donald Trump, assina ordem executiva determinando imposição de tarifas de 25% sobre a importação de aço e alumínio, o que poderá afetar as exportações brasileiras. O decreto de Trump cancela isenções e cotas isentas de impostos para os principais fornecedores, em uma medida que pode aumentar o risco de uma guerra comercial multifacetada. (10/02)
Foto: Kyodo/picture alliance
Hamas anuncia retirada do exército israelense do corredor de Netzarim, em Gaza
O corredor de Netzarim é uma faixa de terra que divide o enclave palestino em norte e sul. Ele foi estabelecido por Israel quando o conflito em Gaza começou e até agora era militarizado pelo exército israelense. Como parte da trégua entre Israel e o Hamas, o exército israelense se comprometeu a se retirar do corredor e, assim, permitir que os palestinos retornem ao norte de Gaza. (09/02)
Prisioneiros palestinos libertados são saudados por uma multidão ao chegarem à Faixa de Gaza depois de serem libertados de uma prisão israelense. Israel e o grupo extremista Hamas concluíram neste sábado a quinta troca de reféns e prisioneiros, como parte do acordo de cessar-fogo em curso. (08/02)
Foto: Abdel Kareem Hana/AP/picture alliance
Rio vermelho
A água do rio Sarandí, na província de Buenos Aires, ganhou um tom vermelho vivo. A suspeita é de que o fenômeno tenha sido causado pelo vazamento de corante da indústria têxtil ou de resíduos químicos de uma fábrica próxima ao rio, que atravessa o município de Avellenada, a quase 10 quilômetros de Buenos Aires. (07/02)
Foto: Rodrigo Abd/AP/dpa/picture alliance
Israel prepara plano para saída "voluntária" de Gaza
O ministro da defesa de Israel, Israel Katz, ordenou que o exército prepare um plano para a saída de "qualquer residente de Gaza que deseje sair", após declarações do presidente americano, Donald Trump, sobre um possível deslocamento dos habitantes de Gaza. (06/02)
Foto: Dawoud Abu Alkas/REUTERS
Milei segue passos de Trump e retira Argentina da OMS
Presidente da Argentina, Javier Milei, segue exemplo de seu colega em Washington, Donald Trump, e retira o país da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele acusou a entidade de "crime de lesa humanidade" ao intervir nas soberanias nacionais e repetiu acusações do líder americano de "má gestão da saúde". (05/02)
Foto: Tomas Cuesta/Getty Images
Atirador deixa mortos em escola na Suécia
Um atirador matou cerca dez pessoas em um ataque a uma escola para adultos em Örebro, na Suécia. A polícia informou que o agressor também estava entre os mortos. A Suécia vem enfrentando uma onda de tiroteios e ataques a bomba resultantes do problema endêmico no país de crimes de gangues. (04/02)
Governo federal regulamenta poder de polícia da Funai
Decreto regulamenta o poder de polícia de agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A função foi prevista na lei que criou o órgão, em 1967, mas nunca havia sido regulamentada. Funcionários poderão usar a força para combater violações como ataques ao patrimônio cultural, invasões e atividades de exploração exercidas por terceiros dentro de terras indígenas. (03/02)
Foto: Reuters/Handout FUNAI
Multidão protesta contra fim do "cordão sanitário" em Berlim
Protestos eclodiram em toda a Alemanha após partido conservador CDU acatar votos da ultradireita em projeto anti-imigração, rompendo o isolamento da sigla AfD no parlamento alemão. Polícia registrou confrontos com manifestantes. Na capital alemã, 160 mil pessoas se reuniram e direcionaram palavras de ordem contra o candidato a chanceler federal Friedrich Merz. (02/02)
Foto: John Macdougall/AFP/Getty Images
Morre Horst Köhler, ex-presidente da Alemanha
O ex-presidente da Alemanha Horst Köhler morreu aos 81 anos em Berlim. Ele foi o nono presidente alemão do pós-guerra, entre 2004 e 2010. Enquanto esteve no cargo, ele se dedicou a temas voltados para as relações exteriores, projetos de desenvolvimento na África e mudanças climáticas. Antes de entrar para a política, Köhler foi economista e diretor do FMI. (01/02)