Como um aparelho mecânico enganou o gênio Beethoven
Torsten Landsberg | Augusto Valente
28 de janeiro de 2021
Há cerca de dois séculos, regentes e músicos de orquestra lutam para realizar os frenéticos andamentos indicados pelo grande compositor clássico. Dois pesquisadores espanhóis parecem ter encontrado a solução do problema.
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Sucessos da música pop obedecem a um sistema simples, porém engenhoso: os produtores sabem que andamento uma melodia deve ter, o efeito dos modos menor e maior sobre as emoções dos ouvintes, qual a duração máxima e mínima de uma canção.
Por trás das canções mais populares de Britney Spears está toda uma fábrica de hits, cujos perfis seguem sempre as mesmas fórmulas. O que se posiciona nas paradas dificilmente foi parar lá por acaso, graças à previsibilidade da percepção humana.
Por sorte, porém, numa forma artística emocional nem tudo pode ser planejado e controlado de antemão. Quando Peter Gabriel gravou seu terceiro álbum solo, em 1979, com o colega da banda Genesis Phil Collins à bateria, uma nova técnica de gravação foi inventada por acaso.
Do teto do estúdio pendia um microfone pelo qual os músicos se comunicavam com os técnicos de som durante as pausas dos takes. Então alguém o esqueceu ligado durante a gravação, e o compressor eletrônico reduzia os sons altos e reforçava os baixos, criando uma reverberação seca, abafada abruptamente. E assim nasceu um novo som de bateria que marcaria os anos 1980.
A força de uma novidade
Mas o que isso tudo tem a ver com Beethoven? Uma prova de que não se deve subestimar o papel do acaso na história da música, popular ou erudita, é o recente reaquecimento de um velho debate: como explicar os andamentos frenéticos nas partituras das sinfonias de um dos maiores compositores da história? Será que foram fruto de um azar? E talvez de uma certa inépcia para lidar com novas tecnologias?
Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi um dos primeiros compositores a abraçarem a novidade que foi o lançamento do metrônomo, em 1815, pelo inventor Johann Nepomuk Mälzel. O dispositivo permitia fixar com precisão a velocidade em que a música devia ser executada, através de um pêndulo que marcava as divisões exatas do minuto. Essas eram indicadas na partitura com a abreviatura "MM" (Mälzels Metronom), seguida de um número.
A 9ª Sinfonia de Beethoven pelo mundo
08:33
O músico nascido em Bonn ficou entusiasmado, pois as tradicionais indicações de andamento (em italiano: tempo) – Adagio, Allegro, Presto, etc. – lhe eram imprecisas demais. Apesar de suas primeiras oito sinfonias serem anteriores ao invento de Mälzel, ele até forneceu a posteriori os números de metrônomo para cada um de seus movimentos.
Hoje os metrônomos são digitais, e um mostrador indica a quantidade de batidas por minuto. Nos antigos modelos mecânicos, que ainda se encontram em cima de um ou outro piano, o compositor devia contar o andamento ou lê-lo no aparelho. Era isso que Beethoven, surdo em seus últimos de vida, tinha que fazer. Como o aparelho e a tecnologia eram novos, ele pode ter cometido um erro de manuseio.
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Absolvidos de heresia musical
Os pesquisadores espanhóis Almudena Martin-Castro e Iñaki Ucar desenvolveram um modelo matemático correspondente ao metrônomo do compositor alemão. Além disso, analisaram os andamentos de 36 gravações de suas sinfonias por 36 regentes diferentes.
Uma das conclusões, publicadas na revista científica online Plos One, é que mesmo os maestros que se comprometem a seguir exatamente as indicações na partitura regem as sinfonias beethovenianas em andamento mais lento do que o anotado. Contudo Ucar e Martin-Castro também deduzem que Beethoven lia errado os números do metrônomo, abaixo do peso no pêndulo, em vez de acima.
O que lhes trouxe essa inspiração foi o manuscrito da Sinfonia nº 9, a única composta após o lançamento do aparelho: no primeiro movimento, o compositor anota "108 ou 120 Mälzel", indício de que não estava totalmente seguro quanto às próprias indicações metronômicas.
Há cerca de dois séculos maestros e músicos vêm se esfalfando para realizar os quase impossíveis andamentos ditados pela pena beethoveniana, e para eles o estudo dos espanhóis deverá ser um bálsamo para a autoconfiança musical. Embora na prática tenham mesmo tocado as sinfonias do gênio da música clássico-romântica mais lento do que o indicado, agora têm, preto no branco, a confirmação de que não cometeram nenhuma heresia.
Quem foi Ludwig van Beethoven?
O que distinguiu o mestre compositor? Qual dos seus trabalhos marcou a história da música? Como ele era? Conheça melhor o grande compositor alemão que completaria 250 anos em 2020.
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O gênio musical
Ainda criança, Ludwig van Beethoven (1770-1827) era um prodígio. Dizem que seu pai, que queria fazer dele um segundo Mozart, tinha métodos de aprendizado bastante rigorosos. Ludwig tocou seu primeiro concerto aos sete anos. Suas primeiras composições, aos 12. A genialidade só seria evidenciada em obras posteriores, por extrapolarem padrões conhecidos até então, e que continuam inspirando até hoje.
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Estrela já em seu tempo
Hoje, Beethoven é um dos compositores mais ouvidos e interpretados do mundo. Ele já era famoso em vida, o que não era o caso de outros músicos excepcionais de seu tempo. Pense, por exemplo, no triste destino de Mozart, que foi enterrado num túmulo anônimo. Por outro lado, 20 mil pessoas assistiram ao funeral de Beethoven - metade da população do centro da cidade de Viena na época.
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Primeiro artista freelancer
Nos períodos barroco e pré-clássico, compositores como Bach, Haydn ou Händel normalmente eram empregados da corte de um príncipe ou rei - ou em uma igreja. Mas com Beethoven não foi assim: ele conseguiu montar um círculo de mecenas que o apoiavam financeiramente com regularidade. Além disso, ganhava dinheiro com os concertos e a publicação de composições.
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Gênio respeitado
Sua obra ainda é fonte constante de inspiração para os músicos. Seus trabalhos incluem nove sinfonias, cinco concertos para piano, o concerto para violino, 16 quartetos de cordas, 32 sonatas para piano, a ópera "Fidelio", a Missa em dó maior op. 86 e a Missa solemnis op. 123. Seus cadernos com manuscritos meticulosos foram preservados, pois Beethoven costumava desenhar e anotar suas ideias.
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A fatídica "Quinta"
Ta-ta-ta-taaaa. Quatro notas sem melodia – ultrajante para a época! Hoje, é sinônimo de Beethoven, e a "Sinfonia do Destino" é uma das obras eruditas mais tocadas. No entanto, na sua estreia, em 1808, a "Sinfonia nº 5 em dó menor, opus 67" não foi bem recebida: os sons incomuns deixaram o público perplexo. Além disso, a orquestra havia ensaiado muito pouco e o teatro não estava aquecido.
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O clássico: "Para Elisa"
Uma música que cativa há 200 anos: seja em filme, em espera de telefone, como toque, no elevador ou caminhão de gás. "Para Elisa" é uma das peças de piano mais populares do mundo. Não está claro até hoje quem era Elisa. Beethoven se apaixonou muitas vezes, geralmente sem reciprocidade. Ele nunca teve esposa ou família. A obra pode ter sido dedicada à cantora de ópera Elisabeth Röckel.
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A insuperável "Nona"
As sinfonias são feitas para a interpretação por uma orquestra. Para cantores até então não havia lugar no palco. Como Beethoven não se importava muito com convenções, ele inventou algo novo em sua nona e última sinfonia. Assim, no último movimento, não há apenas cantores, mas também um coral. Parte da "Sinfonia n° 9 em ré menor, op. 125, Coral" tornou-se o hino oficial da União Europeia em 1972.
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Além da surdez
É inimaginável: um compositor que já não ouve a própria música. Os problemas auditivos de Beethoven começaram antes mesmo de ele fazer 30 anos. Isso ameaçou não só a sua carreira, mas também a sua vida social. Durante um tratamento em 1802, ele até teve pensamentos de suicídio. Mas o amor pela música o trouxe de volta - seguiram-se 25 anos altamente produtivos.
Beethoven nasceu em Bonn, onde teve as suas primeiras atuações, incentivadores e mentores. Hoje, Bonn se considera A cidade de Beethoven, com o museu Casa de Beethoven e seu amplo arquivo, e o festival anual Beethovenfest. Aos 22 anos, Ludwig mudou-se para Viena, onde encontrou inúmeros apoiadores. Aqui ele também teve aulas de composição com Joseph Haydn. Beethoven morreu em Viena em 1827.