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O espião comunista que derrubou Willy Brandt

Marie Todeskino (av)28 de abril de 2013

Numa ironia histórica, em maio de 1974 o agente da RDA Günter Guillaume provocou a renúncia do chefe de governo da Alemanha Ocidental que mais se empenhou pela aproximação Leste-Oeste.

Foto: picture-alliance/akg-images

É a noite de 5 de maio de 1974. Em sua residência no morro Venusberg, em Bonn, Willy Brandt está sentado à escrivaninha e escreve: "Assumo a responsabilidade política pelas negligências em relação ao caso do agente Guillaume e apresento minha renúncia ao cargo de chanceler federal". A carta é endereçada ao presidente Gustav Heinemann. Dois dias mais tarde, Brandt recebe seu certificado de exoneração.

Para muitos alemães, aquela terça-feira foi um dia lamentável. Através de sua política para o Leste comunista, Willy Brandt era símbolo de uma nova era de paz e reconciliação na Europa. Por outro lado, sua renúncia colocou um ponto final – temporário – no mais famoso conto de espionagem da história alemã do pós-guerra: o caso Guillaume.

Investimento a longo prazo

Dez dias antes, em 24 de abril de 1974, o "espião do chanceler" Günter Guillaume foi preso em casa, em Bonn. Durante 18 anos, o agente da inimiga República Democrática Alemã (RDA) vivera encoberto na República Federal da Alemanha (RFA) e ascendera até o posto de consultor de Brandt. Um espião do Leste no centro do poder político da Alemanha Ocidental – um imenso êxito para a Stasi, o serviço secreto da RDA.

"O caso Guillaume é representativo da espionagem Leste-Oeste, pois mostra de forma bem clara como espiões eram mantidos no Ocidente", comenta o historiador Eckard Michels, autor de uma biografia sobre o "espião do chanceler" lançada este mês na Alemanha.

Ele explica que a Alemanha Oriental planejava sistematicamente a espionagem no Ocidente. "Na Stasi, consideravam-se as perspectivas de longo prazo. Ou seja: muitos [futuros espiões] eram infiltrados ou recrutados antes de sequer terem uma posição interessante." Como no caso Guillaume, afirma, muitas vezes demorava anos até um agente conquistar um posto de importância.

Willy Brandt (1913-1992)Foto: Imago

Espionagem bem coordenada

Cerca de 12 mil agentes da Stasi estiveram ativos na Alemanha Ocidental, entre 1949 e 1989, como calcula o órgão alemão encarregado da avaliação dos documentos do antigo departamento de segurança da Alemanha Oriental. Os espiões eram coordenados pela Administração Central de Investigação (HVA), o serviço de espionagem estrangeira da RDA.

"A HVA era articulada em repartições e departamentos. Cada departamento tratava, por assim dizer, de uma tendência política, um grupo social ou uma instituição federal da República Federal", descreve Michels.

Portanto a infiltração de setores sociais importantes na Alemanha Ocidental era organizada de forma rigorosa e abrangente. O historiador avalia quanto retorno, em termos de informações significativas, que a RDA obteve através dos informantes que plantava: "Na espionagem política, o dano à RFA não foi tão grande, pois as decisões fundamentais tinham mesmo que ser negociadas no espaço público e justificadas".

Em seu livro, ele constata que a espionagem da RDA era menos eficaz do que, em geral, se pensa. "A RDA enviou muitos espiões para o Ocidente, porém esse contingente se desfez como sorvete de baunilha ao sol, já que o Ocidente era o modelo mais atraente e, lá estando, eles esqueciam de sua missão", explica Michels.

História sem "James Bond"

Também havia espionagem no sentido contrário. Durante décadas, o Serviço Federal de Informações (BND) e o Departamento de Proteção da Constituição do Oeste enviaram agentes para a RDA. Até agora, pouco se sabe sobre esse capítulo da história das duas Alemanhas, e um dos motivos é a dificuldade de encontrar fontes. Muitos arquivos do BND e da proteção à Constituição continuam fechados, e os protagonistas do lado ocidental, comprometidos em manter sigilo.

Para os ex-agentes da Stasi, esse compromisso não vale mais, uma vez que agora a RDA é história. Alguns deles publicaram suas memórias em livro, inflacionando a relevância dos próprios feitos de espionagem. Também Günter Guillaume se encenou como "mestre-espião", com o apoio de Berlim Oriental, após ser liberado da prisão repatriado para a RDA.

"No pouco que ele relatou, há menos do que se poderia ficar sabendo através do exame dos artigos de jornal. O livro de Michels mostra bem isso", avalia o historiador Bernd Rother, da Fundação Willy Brandt.

Na realidade, Guillaume nunca foi uma espécie de "James Bond na Chancelaria Federal". Assim, é difícil compreender que tenha sido justamente um homem desses a fazer cair o chefe de governo da República Federal da Alemanha.

Espião da RDA Günter GuillaumeFoto: picture-alliance/dpa

Renúncia problemática

As informações transmitidas por Günter Guillaume à RDA não justificam a renúncia de Willy Brandt – um ponto de vista que o livro de Michels confirma. Após o desmascaramento do "espião do chanceler", o líder social-democrata assumiu a responsabilidade pelos erros de outros. A decisão, porém, foi antecedida, nos dias após a prisão de Guillaume, por um drama de suspense psicológico.

Os motivos mais profundos para a renúncia foram uma combinação de diversos fatores. "Em segundo plano, já vinha correndo, desde antes, uma crise política", diz Rother. Por isso, explica, a estrela de Brandt, o apoio da população à sua chefia de governo, estava em pleno ocaso.

Outro problema é que, meses antes, Brandt já tomara conhecimento das suspeitas de que seu consultor era um espião. Seguindo o conselho das autoridades de segurança, porém, o premiê permitira que Guillaume permanecesse no posto, prestando-se, ele próprio, ao papel de isca. "Eu, imbecil, nunca devia ter ouvido esse conselho de um outro imbecil", escreveria o ex-chanceler mais tarde.

Logo após a captura do agente oriental, o Departamento Criminal Federal investigou a vida particular de Brandt. Boatos de envolvimento com mulheres vazaram e chegaram à imprensa. Manifestaram-se temores de que Brandt – e com ele o governo alemão – se tornassem passíveis de chantagem através das informações de Guillaume. Mais tarde, tais suposições provaram-se infundadas, mas nos primeiros dias de maio de 1974, Brandt tinha motivos para temer que sua vida privada fosse jogada à lama.

Falta de apoio da liderança social-democrata

A partir desse ponto, ele começou a levar seriamente em consideração a ideia de renunciar. Na noite de 4 de maio de 1974, ocorreu a conversa decisiva entre Brandt e Herbert Wehner, chefe da bancada do Partido Social-Democrata (SPD) no Parlamento.

Wehner disse: "Eu apoio qualquer decisão que você tomar". Porém, não instou Brandt a permanecer no cargo. A falta de apoio junto à liderança do SPD foi o argumento decisivo, afirma o historiador Rother. Por sua vez, o autor Eckard Michels também enfatiza a relevância das razões pessoais, devido às suspeitas que surgiam então. "Certamente essa foi a última gota d'água", conclui.

Vila no Venusberg, em Bonn, onde Willy Brandt Villa viveu de 1969 a 1974Foto: picture-alliance/dpa

Mais tarde, a decisão rendeu a Brandt louvores à sua integridade moral. Quase 40 anos depois, sua forma de lidar com a responsabilidade política segue sendo considerada exemplar. "Em retrospectiva, foi uma reação adequada", julga Bernd Rother.

A renúncia de Brandt e o caso Guillaume, no entanto, permanecem sendo uma dessas grandes ironias da história: justamente o chanceler federal que se empenhara pela aproximação entre os dois Estados como nenhum outro antes dele acabou sendo vítima de um espião da RDA.

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