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Como um hospital de SP se tornou exemplo em transplante

Simone Machado
27 de outubro de 2024

Taxa de aceitação de doação de órgãos em hospital do interior chega a 75%, bem acima da média nacional de 55%. Estratégia para melhorar índice passou por treinamento de funcionários e campanhas de conscientização.

Sala de operação do Hospital de Base
Mudança no Hospital de Base começou em 2011Foto: Alexandre Souza/Hospital de Base

"Ter uma parte do meu irmão vivo e poder ajudar. Ele se foi, mas deu vida e uma nova chance para outras pessoas."

A frase é da gerente de Recursos Humanos, Estela Athaydes Martins, que em um momento de dor vivido pela família com a morte do irmão Sadraque Muni Martins, de 24 anos, disse "sim" aos médicos quando a família foi abordada sobre a possibilidade de doação dos órgãos do jovem. Apesar de Sadraque nunca ter falado sobre o assunto, o acolhimento da equipe médica foi fundamental para a ação.

"É um momento em que a gente não consegue pensar sozinho e precisa de ajuda. O desespero era muito grande porque foi tudo de repente", conta Estela.

O rapaz teve morte encefálica após permanecer por quase uma semana internado depois de ser atropelado. Com a autorização da família, coração, fígado, rins e córneas foram doados. "Tivemos acompanhamento com psicóloga e todo suporte da equipe médica. Eles nos mantinham informados sobre tudo que estava acontecendo, sobre o tempo que demoraria para a retirada dos órgãos e sobre a liberação do corpo", acrescenta a irmã.

Acolhimento e sensibilização

O acolhimento de familiares e a sensibilização sobre o procedimento de doação de órgãos têm sido algumas das estratégias adotadas por profissionais do Hospital de Base, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, para aumentar o número de famílias que autorizam a doação de órgãos.

Profissionais passam por treinamento sobre como abordar famíliasFoto: Alexandre Souza/Hospital de Base

A capacitação de enfermeiros, médicos e psicólogos da instituição com foco nessa abordagem humanizada começou em 2011 com a criação da Unidade de Transplantes de Órgãos e Tecidos do HB de Rio Preto e do departamento de Organização de Procura de Órgãos (OPO).

"É preciso entender as fases do luto e comunicar sobre o falecimento desse familiar com acolhimento. Para isso, os profissionais responsáveis por esse trabalho passam por treinamento para lidar com as famílias nessa fase crítica. Somente depois desse acolhimento é que falamos sobre a possibilidade da doação de órgãos", explica João Fernando Picollo, médico nefrologista e coordenador da Organização de Procura de Órgãos (OPO).

Além da equipe do próprio hospital, o treinamento também é oferecido a profissionais de saúde de outros hospitais da região noroeste do estado de São Paulo. Isso porque, esses hospitais podem fazer esse primeiro acolhimento à família e também realizar a abordagem para a doação de córneas – que pode ser realizada em qualquer tipo de morte, não apenas na encefálica como nos demais órgãos.

Região de São José do Rio Preto registra ainda 45 doadores de órgãos por milhão de habitantesFoto: Alexandre Souza/Hospital de Base

"É importante que os profissionais façam o diagnóstico de morte encefálica bem conduzido. Os profissionais precisam também saber explicar sobre como acontece a captação do órgão e tirar todas as dúvidas dos familiares, passando mais segurança a eles sobre o procedimento de doação", acrescenta Picollo.

O Curso de Comunicação em Situações Críticas e de Determinação em Morte Encefálica (CDME), como é chamado o treinamento, fornece aos participantes as habilidades técnicas, éticas e jurídicas necessárias para realizar o diagnóstico de morte encefálica, orientação sobre a melhor maneira de lidar com o luto e abordar questões como a comunicação de más notícias, além do processo de solicitação de doação de órgãos.

O treinamento é feito duas vezes ao ano e também há simpósios para que os profissionais estejam constantemente se atualizando sobre o tema.

Trabalho também é feito fora do hospital

Como parte das ações de conscientização sobre transplante de órgãos e captação de doadores, o Hospital de Base também realiza ações com a comunidade fora do hospital. Palestras e campanhas sobre a importância de conversarem com os familiares sobre a doação de órgãos são realizadas todos os anos em praças e shoppings da cidade com foco na população em geral.

Essas ações são acompanhadas de testes de glicemia, aferição da pressão arterial e teste de tipagem sanguínea, com incentivos para doação de sangue, uma vez que para receber um órgão o receptor necessita ser compatível com o sangue do doador.

Outra ação é voltada aos alunos de 14 a 17 anos de escolas da cidade. Durante um semestre, eles têm aulas com médicos do HB que explicam e tiram dúvidas sobre o tema. Ao final do curso, os alunos fazem uma visita ao hospital para conhecer o departamento de captação de órgãos e transplantes.

"É preciso difundir a cultura da doação de órgãos junto à sociedade e essas são maneiras de levarmos conhecimento e informação. Quanto mais as pessoas estão familiarizadas com o assunto, aumenta essa vontade de ser doador e quando a família sabe dessa vontade, o processo de abordagem é muito mais simples", acrescenta Picollo.

Crescimento de mais de 100% em uma década

O número de transplantes realizados no Hospital de Base após a implementação dos treinamentos cresceu 108%, tornando o hospital referência em transplantes de órgãos e tecidos.

Hospital também faz trabalho de conscientizaçãoFoto: Alexandre Souza/Hospital de Base

No período de janeiro a dezembro de 2013, o HB realizou 199 transplantes. Em 2023, esse número passou para 414. Dos 3.456 procedimentos feitos na última década no hospital, o transplante de medula óssea foi o de maior número com 1.175 procedimentos. Em segundo e terceiro lugar, aparece o de rim (1.122) e o de córnea (562), respectivamente.

A região de São José do Rio Preto registra ainda 45 doadores de órgãos por milhão de habitantes, índice muito próximo ao da Espanha, referência para o mundo, com 49 doadores por milhão.

O número também é superior ao registrado no restante do estado de São Paulo, que tem a média de 24 doadores por milhão, e do registrado no Brasil que é de 19,9 doadores por milhão de habitantes, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes.

Atualmente, no país, a taxa de autorização das famílias é 55% e na região de São José do Rio Preto esse número é de 75%.

"É um trabalho de longo prazo, no qual fomos aumentando gradativamente. E não tem como crescer sozinho, para que os números de transplantes cresçam é necessário que o hospital cresça como um todo. Com muita dedicação conseguimos montar uma equipe médica voltada ao transplante, o que não é fácil já que a atividade em consultório é mais rentável para o profissional", conta Mário Abbud, nefrologista e coordenador do Centro de Transplantes de Órgãos (CTO) do Hospital de Base.

Um trabalho na faculdade de medicina da cidade para conscientizar os futuros médicos sobre a importância da doação de órgãos e sobre a necessidade de ter profissionais capacitados nessa área também é realizado pela equipe de transplantes do HB.

Como a doação de órgãos pode mudar a vida de uma pessoa

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