Comunistas russos querem proibir série "Chernobyl"
14 de junho de 2019
Produção da HBO que retrata o desastre nuclear de 1986 gera amplo debate na Rússia. Partido comunista diz que série "demoniza" o regime soviético e pede às autoridades que proíbam exibição e punam seus criadores.
Anúncio
O partido Comunistas da Rússia (KR, na sigla em russo) pediu às autoridades do país que proíbam a exibição da popular minissérie Chernobyl, da HBO, alegando que a produção americana "demoniza" o regime soviético e a população russa.
"Se tivermos sentimento de dignidade como povo e como Estado, a Rússia deve dar uma resposta aos criadores da série", afirmou em nota o deputado Serguei Malinkovich, um dos dirigentes do KR. "Devemos mover causas penais contra o diretor, o roteirista e o produtor executivo da série por calúnias públicas."
O parlamentar acrescenta que, em Chernobyl, "uma autêntica tragédia foi convertida em objeto de manipulacao ideológica por parte da emissora HBO". "A série de televisão sobre os dramáticos acontecimentos de abril de 1986 é uma ferramenta ideológica desenhada para desprestigiar e demonizar a imagem dos dirigentes e do povo soviético."
Malinkovich reconhece que a prisão dos responsáveis pela série é uma tarefa difícil de se cumprir, mas sugere que ao menos a entrada deles na Rússia seja proibida. Também disse esperar que algum país, como Cuba e China, possa deter essas pessoas e extraditá-las para Moscou. "Estes senhores devem compreender que se converteram em inimigos intransigentes da Rússia", concluiu o deputado.
O partido – que não deve ser confundido com o maior e mais influente Partido Comunista da Federação Russa – enviou suas solicitações na quinta-feira (13/06) ao Ministério do Interior e à agência federal reguladora dos meios de comunicação, Roskomnadzor, responsável pela censura da mídia.
Apesar da indignação do KR, Chernobyl teve boa recepção na Rússia, ainda que alguns críticos acusem os criadores de distorcer os fatos para passar uma imagem negativa dos dirigentes soviéticos.
O ministro da Cultura do país, Vladimir Medinski, chegou a chamar a série de "magistral" e destacou o respeito mostrado pelos criadores. "Imaginava que seria pior", afirmou.
Contudo, ele apontou que, apesar de se aproximar bastante da verdade, a série erra ao retratar algumas situações que não correspondem à realidade. Medinski afirmou ainda que a Rússia prepara alguns grandes projetos cinematográficos sobre o acidente na usina nuclear de Chernobyl.
"O grau de realismo em Chernobyl é maior do que em muitos filmes russos sobre aquela época", afirmou, por sua vez, o jornal pró-Kremlin Izvestia. Já a crítica do diário Rossiyskaya Gazeta, publicado pelo governo da Rússia, escreveu: "É uma produção de qualidade bastante alta em termos de série televisiva, não há nada em que se possa encontrar falhas."
A série também recebeu grandes elogios da crítica de outros países por sua contundente recriação do desastre nuclear de 1986 na Ucrânia da era soviética. A produção não foi veiculada nas televisões russas, mas estava legalmente disponível na plataforma de streaming Amediateka, que também exibiu séries de sucesso como Game of Thrones.
Os arredores da cidade ucraniana continuam inabitáveis 32 anos depois do acidente nuclear. Mas algumas pessoas já voltaram para suas casas. O cotidiano delas foi fotografado por Alina Rudya.
Foto: DW/A. Rudya
O otimismo de Baba Gania
Baba (mulher, senhora) Gania (e) tem 86 anos. Há dez, ela é viúva e, há 25, cuida da irmã Sonya, portadora de deficiência mental. "Não tenho medo da radiação. Cozinho os cogumelos até sair tudo", explica. A fotógrafa ucraniana Alina Rudya a visitou várias vezes: "É a pessoa mais calorosa e gentil que eu conheço", diz.
Foto: DW/A. Rudya
Casas vazias, indício de fuga apressada
Gania e a irmã vivem em Kupuvate, um vilarejo na área restrita que foi delimitada num raio de 30 km ao redor das ruínas da usina nuclear de Chernobyl. Depois da explosão do reator, em abril de 1986, 350 mil pessoas precisaram deixar a região. A maioria das casas em Kupuvate ficou vazia. Gania usa essa casa nas proximidades para guardar o seu caixão e o da irmã.
Foto: DW/A. Rudya
A volta dos mortos
"Na verdade, o cemitério de Kupuvate se parece com qualquer outro cemitério dos vilarejos da Ucrânia", conta Alina Rudya. "Muitas pessoas hoje enterradas aqui tiveram de abandonar a região depois da catástrofe e passaram a vida fora da área de radiação nuclear. Eles só voltaram depois de morrer", relata.
Foto: DW/A. Rudya
O último desejo de Baba Marusia
Os poucos que ficaram cuidam dos restos mortais dos familiares – como Baba Marusia, que veio até o túmulo da mãe. A filha vive em Kiev com o marido e duas crianças. "Fico feliz de ter ficado aqui", diz Baba Marusia. "Aqui é minha casa. Quero ser enterrada aqui." E acrescenta: "Mas do lado da minha mãe, não do meu marido."
Foto: DW/A. Rudya
Samosely: voltando para ficar
"Samosely" é como são chamados os habitantes que voltaram e vivem ilegalmente dentro da área de exclusão de Chernobyl. Galyna Ivanivna é um deles. "Minha vida passou como um raio. Tenho 82 anos e parece que nunca vivi. Quando era mais jovem, sonhava em viajar pelo mundo inteiro. Mas eu nunca consegui ir além de Kiev", recorda.
Foto: DW/A. Rudya
Vivendo no próprio mundo
Ivan Ivanovich e sua mulher também fazem parte das poucas centenas de habitantes que mudaram de volta para a área contaminada por radiação nuclear nos anos 1980. Entre os turistas que visitam a região, Ivan se tornou uma espécie de celebridade. "Ele conhece inúmeras histórias que oscilam entre verdade e imaginação", explica Alina Rudya.
Foto: DW/A. Rudya
Testemunhas mudas do passado
Uma semana antes do aniversário de 32 anos da catástrofe de Chernobyl, no dia 26 de abril, Alina Rudya foi à vila de Opachichi. Segundo ela, apenas uma mulher idosa ainda vive aqui – os outros habitantes já morreram. Suas casas vazias ficam abertas como testemunho mudo, mas eloquente, do ocorrido, através de fotos, calendários, cartas, toalhas bordadas e móveis.
Foto: DW/A. Rudya
Despedida a prestação
Marusia observa o marido, Ivan, dormindo. Ele teve um AVC recentemente e sofre de demência. "Às vezes, ele acorda à noite e sai procurando o seu trator. Trabalhou com o veículo por 42 anos." Ela diz que o desejo de morrer está vindo lentamente para ela. "Não quero ser um fardo para meus filhos e netos", afirma.
Foto: DW/A. Rudya
Prevenidos para a morte
Antes de ficar doente, Ivan, marido de Marusia, ainda construiu dois caixões para estar preparado para a própria morte e a morte da mulher. Os caixões ficam num galpão, diretamente ao lado da bicicleta velha. "O de baixo é meu, e o de cima é o do meu marido", explica Marusia.
Foto: DW/A. Rudya
Os últimos "samosely"
Apenas poucos samosely ainda vivem na zona de exclusão. Alina Rudya, que também nasceu perto de Chernobyl, os visitou várias vezes e fez retratos de alguns para um projeto fotográfico de longo prazo que ela quer publicar em livro. "Visitar os vilarejos abandonados está ficando cada vez mais triste. Toda vez que eu venho, alguém morreu, porque quase todos têm mais de 70 anos", explica.