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Orquestra Juvenil

4 de dezembro de 2011

Música de câmara rara, uma estreia mundial e favoritas do repertório orquestral. Apresentação da Polyphonia Ensemble com Orquestra Juvenil da Bahia reforçou sucesso de programa de formação musical baseado em El Sistema.

Orquestra Juvenil da Bahia, Manuel López Gómez - 03.12.2011 Verbeugung, Teatro Castro Alves, Brasilien, Bahia, Salvador. Foto: DW/Augusto Valente, 03.12.2011
Apresentação entusiasmou público em SalvadorFoto: DW

A previsão se confirmou. No concerto deste sábado (03/12), a sala principal do Teatro Castro Alves em Salvador, Bahia, com mais de 1.500 lugares, estava repleta. O programa foi dividido entre o conjunto de câmara alemão Polyphonia Ensemble e a Orquestra Juvenil da Bahia (OJB). O enorme interesse tem uma explicação: desde seus recentes sucessos internacionais e de mídia, a OJB é “uma popstar da cidade”, explica Ricardo Castro, criador do projeto Neojibá, de formação de orquestras jovens.

A façanha é tão mais admirável, considerando-se que a iniciativa tem apenas quatro anos de existência e que a capital do estado da Bahia não dispõe de uma tradição continuada de música erudita. Além disso, parte dos jovens entre 12 e 25 anos provém de famílias de baixa renda. Até pouco tempo, nenhum de seus parentes sequer ouvira uma orquestra ou pusera os pés em um teatro. Apesar disso, a atmosfera é tomada por extrema expectativa e concentração.

Os músicos alemães abriram a noite com uma obra rara: o Sexteto em mi menor de Gustav Holst (1874-1934). Enquanto sua suíte sinfônica The Planets tornou-se um dos greatest hits do repertório erudito, o restante da obra do compositor britânico permanece injustamente negligenciado. Este é o caso da peça para oboé, clarinete, fagote, violino, viola e violoncelo, da qual sequer existe uma gravação.

O Polyphonia Ensemble preferiu limitar-se a executar o primeiro dos quatro movimentos do SextetoModerato –, a fim de dar lugar a dois quintetos de sopros formados por membros da orquestra jovem, executando obras de Johann Christian Bach e Danzi, com musicalidade e destreza louváveis.

Polyphonia Ensemble e compositor André Mehmari (ao piano)Foto: DW

Inspirado pelos mestres

O ponto alto da metade camerística do concerto foi uma encomenda da Deutsche Welle. O paulista André Mehmari, de 34 anos, baseou seu septeto Variações Villa-Lobos em temas da obra orquestral Bachianas Brasileiras nº 7, do grande mestre do Modernismo musical sul-americano.

Além de ser um dos mais bem sucedidos compositores brasileiros de sua geração, Mehmari é exímio instrumentista, e assumiu a parte do piano da obra de câmara. As Variações atestam um sólido conhecimento da música erudita europeia, desde o contraponto bachiano até uma citação de Igor Stravinsky, passando pela técnica de variação beethoveniana. Assim como nas Variações Diabelli, a peça de Mehmari descreve um arco dramático definido, explorando temperamentos extremos.

Embora preparada em apenas poucos ensaios, a estreia fluiu com naturalidade e brilho. Era sensível o prazer de tocar dos músicos do Polyphonia Ensemble, os quais, nas palavras do compositor, realmente “vestiram a camisa” da obra inédita. E o aplauso entusiástico do público do Teatro Castro Alves confirmou o sucesso da combinação, própria de Mehmari, de técnicas eruditas, ritmos populares, efeitos modernos e líricas melodias. Sob a boa égide do patriarca Heitor Villa-Lobos, naturalmente.

Shooting star de El Sistema

A proposta dos Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis da Bahia (Neojibá) inspira-se nos quase 40 anos de experiência de José Abreu com o programa de formação musical El Sistema, da Venezuela. Suas bases são a prática precoce da música em cojunto, instrução informal entre os jovens colegas e a crença no poder transformador da beleza.

Assim, nada mais oportuno do que o maestro da noite ser Manuel López Gómez. Natural de Caracas, ele começou em El Sistema aos seis anos de idade, ao violino, para depois adentrar pela regência. E hoje é uma das figuras de proa do programa venezuelano, ao lado do já célebre Gustavo Dudamel, de quem é amigo e assistente.

Maestro Manuel López GómezFoto: DW

Ao vivenciar os ensaios de López com a jovem orquestra baiana, é fácil esquecer que ele conta apenas 28 anos. Pois a profundidade e clareza de sua visão musical são tão grandes quanto sua determinação pedagógica, e a quantidade de métodos a que sabe recorrer, a fim de retirar dos músicos o som e a expressão necessários.

Sobretudo ao tratar com as cordas, Manuel López emprega termos técnicos precisos, sugere posições e dedilhados. Mas também recorre a metáforas por vezes mirabolantes: “O som dos trombones está muito ‘arenoso'. Precisa ficar mais amalgamado [esfrega um punho sobre o outro], como mel”. Diante de uma dificuldade rítmica, lembra, austero, que música é matemática, que tudo tem um pulso, “ta-ta-ta-ta, até as flores têm pulso, está cientificamente provado”. E assim conquista progressos inacreditáveis em curto espaço de tempo.

Orquestra Juvenil da Bahia no Teatro Castro Alves, de SalvadorFoto: DW/Augusto Valente

Prata da casa

E chegou a ansiada hora dos popstars de Salvador. A Orquestra Juvenil abre sua parte com o primeiro movimento da Sinfonia Inacabada de Franz Schubert. Para eles, esta é claramente a peça mais difícil do programa. Talvez por Schubert permanecer sempre camerístico, mesmo ao escrever para a orquestra, analisará Manuel López mais tarde. Ainda assim, a façanha musical é notável.

Segue-se um momento mágico. Com toda a orquestra e maestro presentes, as luzes do palco se apagam, deixando apenas dois tênues focos, um sobre a estante do primeiro violino, outro sobre o piano, no fundo da orquestra. E o spalla da noite, o berlinense Markus Däunert, executa o movimento final do Quarteto para o fim dos tempos, de Olivier Messiaen, acompanhado pelo fundador do Neojibá, o também pianista e regente Ricardo Castro.

Nessa disposição anticonvencional, o sublime duo, composto e estreado num campo de concentração alemão, confirma sua dimensão metafísica: a intimidade entre o violino e o piano se acentua na distância física entre os dois solistas, na total ausência de contato visual. “Nunca me senti tão perto do Ricardo”, afirma Däunert. E a longa e agudíssima nota final do violino se revela mais angelical e dolorosa do que nunca ao ser interrompida pelo brusco acender das luzes e pelo grito inumano dos metais que introduz a Dança dos Capuletos, do Romeu e Julieta de Serguei Prokofiev.

A popularíssima peça, explorada em shopping centers e comerciais de perfume, chega precisa, com toda a brutalidade exigida pelo compositor russo. Quem a escutou no ensaio da véspera mal pode acreditar no progresso que os instrumentistas fizeram, orientados pelo regente venezuelano. E o espanto é ainda maior na obra seguinte, o esfuziante último movimento da Sinfonia nº 4, de Piotr Tchaikovsky. Apenas ocasionais problemas de equilíbrio ou afinação lembram não tratar-se de uma orquestra profissional.

 Terminado o programa oficial, o maestro López troca o blusão negro pela camiseta do Neojibá, para apresentar as peças de bis. E aí todo mundo perde a compostura. Durante a execução da brasileira Tico-tico no fubá ou do Mambo de West Side Story, os músicos têm a liberdade para se levantar, dançar, desafiar os colegas, improvisar coreografias em grupo; o público ri e bate palmas em ritmo.

Sem a menor compostura: ‘Tico-tico no fubá’ sinfônicoFoto: DW

O efeito é irresistível. Ao final, alguns espectadores saem cantarolando os temas musicais da noite. Um ou outro expert improvisado afirma em alto e bom som que a OJB “é a melhor orquestra do mundo”. Ponto para a música erudita. Ponto para a determinação dos organizadores do Neojibá, o talento dos jovens músicos e o apoio dos profissionais alemães. E ainda mais um ponto para o poder transformador da beleza.

Autor: Augusto Valente 
Revisão: Marcio Pessôa

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