Conciliar futebol e maternidade, um desafio possível
Thomas Klein
10 de julho de 2023
Após receber o apoio do Chelsea e retornar ao gramado pouco depois de dar à luz, meio-campista alemã Melanie Leupolz quer servir de exemplo para outras mulheres ao disputar a Copa do Mundo.
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Comandada pela técnica Martina Voss-Tecklenburg, a seleção alemã feminina fez sua estreia na Copa do Mundo de 2023 na segunda-feira (24/07), com uma sonora vitória de 6 a 0 sobre o Marrocos. Entre as jogadoras estava Melanie Leupolz, que, devido ao afastamento de Lena Oberdorf por motivo de doença, assumiu logo como titular.
"Excelente começo de torneio", escreveu Leupolz em seu canal no Instagram, após o início bem-sucedido da Alemanha no Mundial. Até pouco tempo atrás, a presença da jogadora de 29 anos no campo em Melbourne sequer era tida como certa. Afinal, ela havia dado à luz um menino em outubro do ano passado.
Mas a meio-campista não se permitiu uma longa pausa após o parto. Apenas três meses e meio após o nascimento do filho, ela já estava de volta aos treinos com seu clube, o Chelsea, da Inglaterra.
"Tive todo o apoio e compreensão da minha treinadora. Ela também tem filho e, por isso, sabe o que é importante para conciliar futebol profissional e família. Sou muito, muito grata", disse Leupolz em entrevista à DW.
A treinadora principal do Chelsea, Emma Hayes, trabalhou até o nono mês de gravidez. E poucas semanas depois, voltou aos treinos acompanhada do carrinho de bebê.
"A aceitação é total. Emma sempre diz que posso levar meu filho para o treino e que ele não é uma distração para a equipe ou para ela", diz Leupolz, segundo citação publicada no site da Federação Alemã de Futebol (DFB).
Chelsea é considerado modelo
O Chelsea é considerado um modelo na Inglaterra quando se trata de jovens mães profissionais. Pouco depois do parto de Leupolz, o clube renovou o contrato com a jogadora antes do prazo.
"Tive apoio do clube, que me disponibilizou treinos para o assoalho pélvico, o que permitiu que eu logo recuperasse minha antiga força. A cada duas semanas eu falava via Zoom com especialistas nessa área sobre os exercícios que podia fazer. Como resultado, meu tempo de inatividade foi bem curto", conta a alemã, em entrevista à DFB.
"Meu corpo se recuperou muito rápido e bem. Eu mesma fiquei surpresa. Recentemente, voltei ao gramado por 90 minutos contra o Olympique Lyon pela Champions League. Estou muito feliz por estar de volta", disse a jogadora.
Olympique Lyon cortou salário de jogadora
A situação de Leupolz não é padrão quando se trata da combinação maternidade e esporte profissional. É o que mostra o caso da jogadora islandesa Sara Björk Gunnarsdottir, por exemplo. Ela deixou o alemão Wolfsburg para se juntar ao francês Olympique Lyon em 2020 e, no ano seguinte, engravidou.
Com o consentimento do novo clube, ela viajou para a Islândia nos últimos meses da gestação. No entanto, o Lyon passou a lhe pagar apenas parte do salário e, mais tarde, interrompeu a remuneração por completo.
Somente após a intervenção de um tribunal da Fifa, Gunnarsdottir, que atualmente joga pelo Juventus de Turim, recebeu cerca de 82 mil euros em salários atrasados.
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"A Federação Alemã de Futebol é muito aberta"
Apesar do apoio que recebeu do Chelsea, Leupolz afirma que é um desafio desempenhar dois papéis, o de mãe e o de jogadora profissional. "Eu sabia, é claro, que ter um filho durante a carreira implica um certo risco. Mas é maravilhoso que possa funcionar quando se recebe o apoio adequado", diz a alemã.
A Federação Alemã de Futebol costuma lidar com a questão de forma positiva. Antes de Leupolz, a goleira Almuth Schult conseguiu retornar à seleção alemã após ter filho. A treinadora da Alemanha, Martina Voss-Tecklenburg, também deu à luz sua filha quando ainda era jogadora e continuou atuando no mais alto nível do futebol profissional.
"A DFB é muito aberta para essa questão. Se eu precisar de alguma coisa, devo informá-los, e eles tentarão implementá-la. É por isso que nós dois, meu filho e eu, somo muito bem-vindos, e é maravilhoso que seja assim", diz Leupolz.
"Sabemos do que somos capazes"
Enquanto as colegas de equipe de Leupolz aproveitam o tempo livre depois dos treinos, a jovem mãe começa sua segunda jornada de trabalho.
"Quando estou em campo, sou 100% jogadora de futebol profissional e, quando estou em casa, sou 100% mãe", diz. "É muito bom que seja possível combinar os dois papéis, que enriquecem um ao outro."
Leupolz pôde participar dos treinos preparatórios para a Copa do Mundo sem problemas, o que permitiu que seu sonho de disputar um Mundial pela Alemanha se tornasse realidade. Ao ser convocada por Voss-Tecklenburg para ir à Austrália, ela foi autorizada a levar o bebê.
"Sabemos do que somos capazes, o que queremos, aonde nosso caminho pode nos levar", diz Voss-Tecklenburg. "Faremos todo o possível para ajudar a Melly [apelido de Melanie Leupolz]", completa a técnica, afirmando que 23 babás e a "avó" Martina estão a postos. "Muitas das jogadoras devem estar felizes por poder cuidar do pequeno."
Exemplo para outras mulheres
Para Leupolz, na Copa do Mundo está em jogo mais do que o título de campeãs. Ela quer servir de exemplo para outras mulheres que desejam conciliar futebol e maternidade.
"Espero que eu possa ser um modelo a ser seguido, porque para mim tudo funcionou muito bem. Quero que outros clubes percebam isso", diz a alemã.
Ela espera que outras mulheres possam deixar de lado o medo de serem abandonadas por suas federações e clubes ao se tornarem mães.
"Se uma mulher decidir ter um filho durante sua carreira, espero poder encorajá-la e mostrar que isso é possível", afirma.
Mulheres pioneiras no esporte
Conheça algumas mulheres que fizeram história no esporte.
Foto: Imago Images/Sven Simon
Só para homens?
Alice Milliat não aceitou que a competição esportiva fosse uma atividade exclusiva do sexo masculino. Nascida na França em 1884, ela praticou hóquei, remo e corrida de carros. Em 1917, ela foi uma das fundadoras da Federação Francesa de Esportes Femininos FSFSF e da Federação Internacional de Esportes Femininos FSFI, que organizou os primeiros Jogos Mundiais Femininos em 1921.
Foto: akg images/picture alliance
Favorita da torcida
A ciclista Alfonsina Strada se inscreveu para o Giro d'Italia em 1924 como Alfonsin Strada. Os organizadores pensaram que ela era um homem. Quando a viram antes da prova, decidiram que mesmo assim ela poderia competir. A italiana fracassou depois de algumas etapas, mas permaneceu na corrida porque o público a aclamava. Ela é a única mulher a já ter competido em um Grand Tour masculino.
Foto: Imago Images/Leemage
A primeira mulher na Fórmula 1
Maria Teresa de Filippis foi a primeira mulher a correr na Fórmula 1. A italiana começou a competir em 1948, aos 22 anos, para a equipe Maserati. Em 1958, ela participou de várias corridas no Campeonato Mundial de Automobilismo, hoje Mundial de F1. Quando um amigo próximo morreu em um acidente um ano depois, ela encerrou sua carreira.
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Apesar de todas as adversidades
Embora o furioso diretor de corrida da Maratona de Boston (de casaco preto) tenha tentado arrancar o número dela, Kathrine Switzer foi a primeira mulher a correr uma maratona em 1967 e também a completou. Ela havia se inscrito secretamente. A maior distância permitida para as mulheres na época eram 800m. Alguns anos depois, passou a ser permitido a mulheres participar de provas de longa distância.
Foto: picture alliance/dpa/UPI
Por prêmios iguais
No início dos anos 1970, Billie Jean King lutou por prêmios iguais em dinheiro para profissionais de tênis masculinos e femininos. Em protesto, a 12 vezes vencedora do Grand Slam criou em 1970 com outras jogadoras uma série própria de torneios, que mais tarde virou a Women's Tennis Association WTA. Em 1973, veio o sucesso: o prêmio em dinheiro do US Open foi igual para mulheres e homens.
Foto: Imago Images/Sven Simon
Pelo direito de voar
Até início dos anos 1990, o salto de esqui feminino não era permitido pela associação mundial. Eva Ganster só podia competir com homens. Em 1997, a austríaca foi a primeira mulher a saltar de uma rampa de esqui. Seus esforços surtiram efeito: desde 2011, há a modalidade feminina na Copa do Mundo, e desde 2014 a modalidade feminina é olímpica.
Foto: Imago Images/WEREK
Com frequência "a primeira"
Em 2003, Meredith Michaels-Beerbaum se tornou a primeira e única mulher a liderar o ranking mundial de saltos. Ela também é a primeira mulher da equipe alemã de hipismo a participar de um grande campeonato e, assim, abriu portas para jovens amazonas. "Quando vim para a Alemanha, ficou muito claro que as mulheres tinham um papel secundário no meu esporte", disse Meredith, nascida nos EUA.
Foto: Rau/Imago Images
Respeitada no apito
A suíça Nicole Petignat foi a primeira mulher a apitar um jogo masculino da Uefa em 2003: na qualificação para a Copa da Uefa entre AIK Solna e Fylkir Reykjavik. Petignat também é árbitra de jogos da Primeira Divisão masculina na Suíça e na Áustria, mas apita principalmente jogos femininos. Os destaques foram a final do Campeonato Europeu de 2001 e a final da Copa do Mundo de 1999.
Foto: picture-alliance/Pressefoto ULMER
Autoridade reconhecida
Mas demorou mais de duas décadas para uma mulher arbitrar um jogo masculino da Copa do Mundo. A francesa Stéphanie Frappart foi escalada pela Fifa na partida entre Alemanha e Costa Rica na Copa do Catar. Ela já apitou jogos masculinos na Liga das Nações, na Liga dos Campeões e nas eliminatórias da Copa do Mundo, mas continua sendo uma exceção em sua área.
Foto: Stanley Gontha/PRO SHOTS/picture alliance
Vencendo preconceitos
Em 2021, Sarah Thomas foi a primeira mulher a integrar uma equipe de arbitragem da final da American Football League NFL, o Super Bowl. Ela precisou lutar contra muitos preconceitos. "Colegas, treinadores e jogadores agora simplesmente me veem como árbitra. É assim que quero que seja", diz. "Nunca permiti que meu gênero fosse uma desculpa ou um pretexto para as pessoas."
Foto: Aaron Josefczyk/Newscom/picture alliance
"Não me sinto ser humano"
"Não me sinto mulher, homem ou mesmo ser humano agora", disse Rachael Blackmore após sua vitória no Grand National. A irlandesa de 31 anos acabara de entrar para a história com o cavalo Minella Times, ao se tornar a primeira mulher a vencer a corrida de galope com obstáculos mais difícil do mundo, realizada desde 1839. Já Charlotte Brew foi a primeira mulher a participar do Grand National em 1977.
Foto: Tim Goode/empics/picture alliance
Na poeira do deserto
Calor, poeira, terreno acidentado e inúmeros competidores masculinos – nada disso impediu a piloto de rali alemã Jutta Kleinschmidt de se tornar a primeira mulher a vencer o Rally Dakar em 2001. Após a vitória, ela também foi eleita a "Esportista do Ano" na Alemanha. A engenheira participou do rali mais difícil do mundo por 18 vezes, além de várias outras corridas.
Foto: picture alliance/dpa
Rápida sobre duas rodas
A motociclista alemã Katja Poensgen é uma das poucas mulheres a competir no Campeonato Mundial. Algumas marcam pontos na série Moto3, que vai até 125cc, mas Poensgen é a única entre os 15 melhores na categoria 250cc. Em 2001 e 2003, ela competiu em uma Honda e fez um total de 25 corridas pelo Mundial.
Foto: Sven Simon/picture alliance
Boa de pontaria
Quando seu último dardo atingiu o alvo em dezembro de 2019 em Londres, "Ally Pally" ficou fora de si. Pela primeira vez, uma mulher venceu um duelo no campeonato mundial de dardos. Fallon Sherrock, cabeleireira da Inglaterra, escreveu história na primeira rodada do torneio de dardos e só falharia na terceira rodada.
Foto: Getty Images/J. Mansfield
Incentivo ao esporte feminino
Uma verdadeira pioneira é a técnica de futebol alemã Monika Staab. Há anos, ela viaja pelo mundo se engajando pelo futebol e organiza programas de treinamento para mulheres e meninas, especialmente em países onde os direitos das mulheres não desempenham um papel importante. "O feedback positivo nos esportes aumenta a autoconfiança", diz ela. "Você precisa disso para enfrentar a vida".
Foto: picture alliance/dpa/N.Mughal
Treinando homens
Quando Corinne Diacre começou a treinar o Clermont Foot, clube da 2ª Divisão francesa, em 2014, ela logo convenceu seus críticos. Na época, a ex-jogadora da seleção foi a primeira mulher a comandar uma equipe masculina profissional. Em três anos no cargo, ela foi bem-sucedida. No entanto, Diacre é uma rara exceção. Mesmo muitas equipes femininas de sucesso continuam sendo treinadas por homens.
Foto: picture-alliance/dpa
Clara vitória contra concorrentes masculinos
Com uma vantagem de nove tacadas no Torneio Misto Escandinavo de 2022, a sueca Linn Grant foi a primeira mulher a vencer um torneio oficial de golfe DP World Tour, superando inclusive os concorrentes masculinos. "Durante toda a semana eu senti que eram as garotas contra os rapazes, e quem quer que pegasse aquele troféu representaria as mulheres", disse.