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Condenação de Daniel Alves é vitória com gosto amargo

Nina Lemos
Nina Lemos
27 de fevereiro de 2024

O fato de Robinho ainda estar em liberdade e algumas reações à sentença de Alves mostram como a violência contra mulher, principalmente quando praticada por famosos e ricos, é tratada no Brasil.

Daniel Alves foi condenado a quatro anos e meio de prisão na Espanha pelo estupro de uma mulher de 24 anos Foto: ULISES RUIZ/AFP

Ele foi condenado à prisão pelo estupro de uma jovem em uma boate na Europa. No início, negou tudo. Deu a entender que a culpada era a vítima. E, quando admitiu o erro, lamentou o fato de ter traído a esposa, mas não o de ter agredido sexualmente uma mulher, que foi tratada por ele, seus amigos e advogados, como alguém que "queria levar vantagem".

Não estou falando de Daniel Alves, que foi condenado semana passada a quatro anos e meio de prisão na Espanha pelo estupro de uma mulher de 24 anos – sentença essa que, apesar de branda, nos dá esperança. Falo de outro ex-jogador de futebol e amigo de Daniel Alves: Robinho.

Ele foi considerado culpado pela Justiça italiana em última instância em 2022 e condenado a nove anos de prisão. Se entrasse na Europa, ele seria preso. Mas Robinho vive no Brasil livre, leve e solto, desfrutando de uma espécie de aposentadoria de luxo. Ele se divide entre duas casas na Baixada Santista, no litoral de São Paulo: Santos e Guarujá.

Robinho é um exemplo perfeito de como o Brasil trata agressores de mulheres ricos e famosos: a impunidade e a morosidade da Justiça ainda reinam. Como foi condenado na Itália, mas está no Brasil, ele teria que cumprir pena no país, já que a lei não permite a extradição de seus cidadãos. Por que ele não foi preso ainda?

Com a sentença de Daniel Alves, colegas jornalistas passaram a anunciar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quer pedir, finalmente, a prisão de Robinho. Tomara.

O fato de Robinho ainda estar em liberdade e algumas reações à sentença de Daniel Alves mostram como a violência contra mulher, principalmente quando praticada por ricos e famosos, é tratada no Brasil. Eles, em geral, não são presos nem condenados, ou recebem benesses, como poder ficar dois anos após uma condenação final em liberdade. Não é coincidência que os dois jogadores tenham sido julgados na Europa.

Se Daniel Alves tivesse praticado o mesmo crime contra uma mulher no Brasil, será que ele seria condenado? Difícil saber, inclusive porque essa vítima talvez nem denunciasse o jogador. Afinal, a gente sabe como as mulheres são revitimizadas quando fazem denúncias.

Na Espanha, segundo reportagem do portal UOL, a vítima contou com incentivo do dono da boate onde foi estuprada para fazer a denúncia. Ela teria procurado a polícia em dezembro de 2022 e dito que temia denunciar porque se tratava de um jogador famoso. Quando recebeu a sentença, teria chorado de alívio e dito: "acreditaram em mim, acreditaram em mim".

Isso é tristíssimo. Mas qual mulher não temeria o mesmo sabendo como denunciantes e acusados costumam ser tratados? Afinal, as vítimas mulheres que têm coragem de denunciar são acusadas de serem "ardilosas", de quererem dinheiro dos jogadores, de serem Marias Chuteiras (sic). Já os homens denunciados são muitas vezes tratados como coitados, vítimas dessas mulheres más. Sim, é uma inversão total.

"Amigos" passam pano

Uma prova: a pena de Daniel Alves foi diminuída graças à ajuda de um amigo muito famoso: Neymar, que emprestou 150 mil euros (cerca de R$ 800 mil) para o jogador pagar a indenização estipulada para a vítima – com isso, o tribunal atenuou a pena de prisão que poderia ser aplicada contra o ex-jogador.

Segundo o pai de Neymar, eles "não podiam virar as costas para um amigo". No fim de semana, o ex-técnico da seleção e hoje treinador do Flamengo, Tite, mostrou que esse pacto da masculinidade tóxica vai muito além da família de Neymar. Ao ser perguntado sobre a prisão do jogador, ele respondeu apenas: "Eu não posso fazer julgamento sem ter todos os fatos e as informações verdadeiras a respeito. Posso falar conceitualmente. Conceitualmente, todo erro deve ser punido".

Conceitualmente? Não pode fazer julgamento? Mas treinador, não se trata de um erro, mas de um crime gravíssimo. E também não estamos falando de um rumor, mas de uma condenação aplicada com seriedade por uma corte de Justiça. Não dá para dizer que é surpreendente que colegas de Daniel Alves "passem pano" para ele. O ambiente futebolístico brasileiro virou uma espécie de campo de masculinidade tóxica, com exceções, é claro. Mas onde estão os colegas de Daniel futebolistas, que não condenam publicamente o crime praticado por Daniel Alves?

Talvez seja pedir demais, mas seria legal se todo o meio do esporte paixão nacional usasse a condenação de Alves como uma razão para iniciar um processo de reeducação. Todos podem mudar e aprender a respeitar mulheres. Mas não é dando tapinha nas costas do amigo abusador que esse ambiente, e esses homens, vão mudar. Chega de passar pano. Aprendam.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.

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