Na corrida para fechar um acordo climático global, negociadores em Paris resolvem prolongar a Conferência do Clima em um dia. Novo rascunho chega mais perto de consenso e é avaliado de forma positiva por ONGs.
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Depois de uma noite de negociações, que se estenderam até quase o amanhecer desta sexta-feira (11/12), foi anunciado que a Conferência do Clima (COP21) será prorrogada em um dia. "Eu vou apresentar o texto não na noite desta sexta-feira, como havia previsto, mas na manhã de sábado, de manhã cedo, e nós devemos ser capazes de tomar uma decisão até o meio-dia", informou o ministro francês do Exterior e presidente da COP21, Laurent Fabius.
Os negociadores dos 196 países que participam da Conferência do Clima (COP21) mergulharam numa longa rodada de negociações depois de terem recebido na noite de ontem o que deve ser a última versão do rascunho do acordo climático global.
O documento foi divulgado na noite de quinta-feira por Fabius e disponibilizado ao público. Elogiado pela maneira como tem conduzindo as negociações, de forma "inclusiva, responsiva e transparente", o time de Fabius propôs um novo texto após ter passado a madrugada anterior ouvindo a avaliação dos outros países.
A reação geral de pesquisadores e ONGs que acompanham a COP21 foi positiva. "Houve um progresso significativo, o texto está mais balanceado", comentou Jennifer Morgan, diretora do Instituto de Recursos Naturais (WRI, na sigla em inglês).
"Mas com os anos aprendemos que nada está decidido até que tudo esteja decidido", ressaltou, lembrando que os ministros ainda debatem o acordo final, que deve ser anunciado no sábado.
Observadores não estão tão certos, porém, se o texto é forte o suficiente para sinalizar aos investidores que abandonem os combustíveis fósseis. O termo específico "descarbonização", que constava do primeiro rascunho, e havia sido endossado pelos líderes do G7 em junho, foi retirado. No lugar dele, o novo rascunho fala se refere à meta de se atingir "a neutralidade de emissão de gases do efeito estufa na segunda metade do século".
"Este não é o sinal que precisamos para aumentar a pressão nos investidores para abandoner o petróleo, o carvão e o gás", diz Jan Kowalzig, da organização humanitária Oxfam.
Temperatura e antigo racha
O acordo é baseado na Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC, na sigla em inglês) que os 186 países responsáveis por mais de 90% das emissões mundiais apresentaram antes da COP21. Nesse documento, cada nação se compromete a atingir uma meta de corte das emissões nacionais, que deve ser cumprida até 2030.
Da maneira como estão, as reduções planejadas não são suficientes para limitar o aumento da temperatura em 1,5˚ C até 2100, faixa considerada segura para minimizar os impactos das mudanças climáticas. O documento cita como meta de temperatura o termo "bem abaixo de 2˚C", deixando um espaço pra manobra.
Giro por um mundo transformado pelo clima
As mudanças do clima global estão alterando a face do mundo, do derretimento do gelo polar e elevação do nível do mar à migração da vegetação. Quem quiser mostrar aos filhos como é uma geleira de verdade, que se apresse.
Foto: Reuters/Mariana Bazo
Mundinho pequeno
Mesmo se conseguirmos manter o aquecimento global abaixo de 2°C, 2015 poderá ser o ano mais quente já registrado desde a era pré-industrial. O risco de o nível do mar subir mais de um metro e submergir Amsterdã persiste. Se continuarmos a emitir dióxido de carbono na velocidade atual, até 2100 a Terra terá se aquecido em 4°C – e Nova York estará sob o mar.
Foto: CC BY 2.0 Duncan Hull
Recifes de coral por um fio
Mergulhar na Austrália para admirar os belos recifes de coral pode ser um prazer com dias contados, pois o aquecimento global vai destruindo esses ecossistemas submarinos. As águas cada vez mais quentes causam a descoloração dos corais, e um aumento de 2°C pode dissolvê-los. O acréscimo de CO2 torna a água dos oceanos mais ácida, impedindo o crescimento normal das estruturas calcárias.
Foto: picture-alliance/ dpa
Alpes sem esqui
O aquecimento nos Alpes é "três vezes a média global", segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O nível de neve diminui a cada ano e a vegetação conquista montanhas mais altas. Estações de esqui nas zonas inferiores estão ameaçadas de falência. Alguns resorts até cobrem a neve com material reflexivo durante os meses mais quentes, na tentativa de deter o derretimento.
Foto: picture-alliance/chromorange
Veneza – beleza submersa?
A italiana Veneza é apenas uma entre as cidades ameaçadas de desaparecer com a subida do nível do mar. Ou de se tornar inabitável, devido a inundações e tempestades cada vez mais fortes. O mesmo medo atinge Miami, Nova York, Santo Domingo, Bangkok, Barranquilla, Hong Kong, Cidade de Ho Chi Minh, Palembang, Tóquio, Mumbai, Alexandria, Amsterdã: todas elas correm risco.
Foto: picture-alliance/dpa
Passagem Noroeste
O derretimento das geleiras está permitindo que navios cortem caminho entre a Europa e a Ásia pela historicamente intransitável Passagem Noroeste. Em 2007, a Agência Espacial Europeia anunciou que o trecho estava "inteiramente navegável". Embora ainda não esteja suficientemente livre para navios de carga, os cruzeiros agora já oferecem uma rota antes reservada aos aventureiros e exploradores.
Foto: DW/I.Quaile
Elefantes em perigo
O aumento populacional e as mudanças climáticas afetam os animais. Eles lutam para se ajustar às secas cada vez mais frequentes e intensas, ondas de calor, tempestades e o aumento do nível do mar. A organização de proteção ambiental WWF incluiu o elefante africano na lista das espécies e lugares atingidas pelas mudanças climáticas, juntamente com as tartarugas, tigres, golfinhos e baleias.
Foto: Reuters/P. Bulawayo
Seca californiana
As mudanças climáticas são claramente visíveis no estado americano da Califórnia, que é afetado por fortes períodos de seca. Os últimos três anos foram os mais quentes de todos os tempos. Quem quiser passear pelas plantações de amêndoas na Califórnia, as de café no Brasil ou os campos de arroz no Vietnã, é agora ou nunca.
Foto: Reuters/L. Nicholson
Escalando as últimas geleiras
A lista do Patrimônio Mundial da Humanidade inclui numerosas belezas naturais, mas com um aquecimento global de 3°C, 136 dessas 700 maravilhas serão afetadas. Entre elas o Glacier National Park, nos EUA, onde os efeitos das mudanças climáticas estão sendo estudados. Das 150 geleiras existentes aqui no século 19, sobravam 24 em 2010. A previsão é que em 2030 o parque estará privado de todas elas.
Foto: gemeinfrei
Mudança climática a domicílio
Se depois de todas essas imagens, você ainda não teve vontade de conhecer nenhum desses lugares, pode ficar onde está. As mudanças climáticas poderão vir bater à sua porta, sem que você sequer precise se levantar do sofá. A Climate Central acredita que mais de 150 milhões de pessoas moram em áreas que serão submersas ou estarão sujeitas a inundações constantes até 2100. Ou mesmo bem antes disso.
Foto: Reuters/Mariana Bazo
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"É um problema muito grande que a meta de corte de emissões sobre a mesa não vai conter o aquecimento abaixo de 1,5˚C. e o rascunho não faz nada para mudar isso", lamentou o Greenpeace.
Por outro lado, países ricos e emergentes parecem estar chegando a um consenso. O rascunho diz que as nações desenvolvidas precisam assumir a liderança nos esforços para cortar as emissões e mobilizar recursos para os mais vulneráveis – era o que os emergentes esperavam. Mas ainda há pontos importantes abertos na questão em torno de quem vai pagar a conta.
"Estamos caminhando para um mundo em que todos os países terão que pôr dinheiro de alguma forma em ações de combate e adaptação às mudanças climáticas", avalia positivamente Monica Arayla, diretora da fundação Nivela, baseada na Costa Rica.
O esboço manteve a cifra de 100 bilhões de dólares por ano para alimentar, a partir de 2020, um fundo que financiará as medidas de mitigação e adaptação em países mais pobres. Na visão das nações emergentes e menos desenvolvidas, no entanto, esse valor é muito inferior ao montante que precisa de fato ser investido.
Antes da divulgação da versão atualizada do rascunho, o negociador-chefe do Brasil, José Antônio Carvalho, foi enfático: "Nós queremos um acordo robusto, balanceado, justo e legalmente vinculante (com força de lei)." A delegação brasileira passou todo o dia em consultas bilaterais com vários países, como Alemanha e China.
De fora da festa
Ninguém soube prever como deverá agir a chamada "coalização de alta ambição" (High Ambition Coalition) nas horas finais. A África do Sul disse não entender onde esse grupo quer chegar. "Os objetivos não são claros, não sabemos o que eles estão discutindo", disse Alf Wills, representante da delegação sul-africana.
Gao Feng, da delegação chinesa, preferiu não comentar. Quando questionado pela DW Brasil sobre o porquê de os países do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) não terem sido convidados para integrar a coalizão, disse simplesmente: "Eu não quero responder a essa pergunta".
Na avaliação de Jacques Marcovitch, professor e ex-reitor da Universidade de São Paulo, a terminologia do grupo é "criativa e sempre bem-vinda". A questão central, no entanto, seria as métricas: "Coalizão em torno de que metas? Em qual horizonte de tempo? Quais são os recursos alocados? Esta é a essência de qualquer acordo ambicioso."
O que diz a ciência
Dez ações contra as mudanças climáticas
Três quartos dos gases estufa são produzidos pela combustão de carvão, petróleo e gás natural; o resto, pela agricultura e desmatamento. Como se podem evitar gases poluentes? Veja dez dicas que qualquer um pode seguir.
Foto: picture-alliance/dpa
Usar menos carvão, petróleo e gás
A maioria dos gases estufa provém das usinas de energia, indústria e transportes. O aquecimento de edifícios é responsável por 6% das emissões globais de gases poluentes. Quem utiliza a energia de forma eficiente e economiza carvão, petróleo e gás também protege o clima.
Foto: picture-alliance/dpa
Produzir a própria energia limpa
Hoje, energia não só vem de usinas termelétricas a carvão, óleo combustível e gás natural. Há alternativas, que atualmente são até mesmo mais econômicas. É possível produzir a própria energia e, muitas vezes, mais do que se consome. Os telhados oferecem bastante espaço para painéis solares, uma tecnologia que já está estabelecida.
Foto: Mobisol
Apoiar boas ideias
Cada vez mais municípios, empresas e cooperativas investem em fontes energéticas renováveis e vendem energia limpa. Este parque solar está situado em Saerbeck, município alemão de 7,2 mil habitantes que produz mais energia do que consome. Na foto, a visita de uma delegação americana à cidade.
Foto: Gemeinde Saerbeck/Ulrich Gunka
Não apoiar empresas poluentes
Um número cada vez maior de cidadãos, companhias de seguro, universidades e cidades evita aplicar seu dinheiro em companhias de combustíveis fósseis. Na Alemanha, Münster é a primeira cidade a aderir ao chamado movimento de desinvestimento. Em nível mundial, essa iniciativa abrange dezenas de cidades. Esse movimento global é dinâmico – todos podem participar.
Foto: 350.org/Linda Choritz
Andar de bicicleta, ônibus e trem
Bicicletas, ônibus e trem economizam bastante CO2. Em comparação com o carro, um ônibus é cinco vezes mais ecológico, e um trem elétrico, até 15 vezes mais. Em Amsterdã, a maior parte da população usa a bicicleta. Por meio de largas ciclovias, a prefeitura da cidade garante o bom funcionamento desse sistema.
Foto: DW/G. Rueter
Melhor não voar
Viajar de avião é extremamente prejudicial ao clima. Os fatos demonstram o dilema: para atender às metas climáticas, cada habitante do planeta deveria produzir, em média, no máximo 5,9 toneladas de CO2 anualmente. No entanto, uma viagem de ida e volta entre Berlim e Nova York ocasiona, por passageiro, já 6,5 toneladas de CO2.
Foto: Getty Images/AFP/P. Huguen
Comer menos carne
Para o clima, também a agricultura é um problema. No plantio do arroz ou nos estômagos de bois, vacas, cabras e ovelhas é produzido o gás metano, que é muito prejudicial ao clima. A criação de gado e o aumento mundial de consumo de carne são críticos também devido à crescente demanda de soja para ração animal. Esse cultivo ocasiona o desmatamento de florestas tropicais.
Foto: Getty Images/J. Sullivan
Comprar alimentos orgânicos
O óxido nitroso é particularmente prejudicial ao clima. Sua contribuição para o efeito estufa global gira em torno de 6%. Ele é produzido em usinas de energia e motores, mas principalmente também através do uso de fertilizantes artificiais no agronegócio. Esse tipo de fertilizante é proibido na agricultura ecológica e, por isso, emite-se menos óxido nitroso, o que ajuda a proteger o clima.
Foto: imago/R. Lueger
Sustentabilidade na construção e no consumo
Na produção de aço e cimento emite-se muito CO2, em contrapartida, ele é retirado da atmosfera no processo de crescimento das plantas. A escolha consciente de materiais de construção ajuda o clima. O mesmo vale para o consumo em geral. Para uma massagem, não se precisa de combustível fóssil, mas para copos plásticos, que todo dia acabam no lixo, necessita-se uma grande quantidade dele.
Foto: Oliver Ristau
Assumir responsabilidades
Como evitar gases estufa, para que, em todo mundo, as crianças e os filhos que elas virão a ter possam viver bem sem uma catástrofe do clima? Esses estudantes estão fascinados com a energia mais limpa e veem uma chance para o seu futuro. Todos podem ajudar para que isso possa acontecer.
Foto: Gemeinde Saerbeck/U.Gunnka
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O rascunho do Acordo de Paris, como já é chamado, pede ajuda da ciência. Na versão atual, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) é convidado para fazer uma avaliação técnica dos impactos que o planeta deve sofrer se a temperatura subir 1,5°C acima do nível pré-industrial, e quais seriam as alternativas para que esse número seja alcançado. O estudo seria publicado em 2018.
Isso deve demandar um grande esforço do corpo científico que compõe o IPCC, já que a maior parte dos cenários considerados no último relatório, divulgado em 2014, trabalhou com a meta de 2°C. Essa foi a temperatura considerada nos estudos de modelagem na maior parte do mundo, e o IPCC compila pesquisas disponíveis para compor seu relatório.
"Podemos dizer que o IPCC indicou que existem várias trajetórias para se limitar o aumento da temperatura em 2°C. Mas isso depende das opções de corte de emissões que os países fizerem e a partir de quando elas serão adotadas", comentou Thelma Krug, vice-diretora do IPCC.
Os impactos das mudanças climáticas já são inevitáveis, relembra Sandro Federici, pesquisador italiano que acompanha as negociações na COP21. "O que será assinado aqui vai definir se os impactos serão mais limitados a regiões ou serão sentidos por todo o planeta com muita força."
O ano de 2015 pode ficar marcado pela assinatura de um pacto global inédito que vai definir um novo modelo de economia, com baixa emissão de carbono. E deve ainda registrar outros recordes: o de mais quente da história, com fenômenos climáticos nunca vistos, como um furacão no Iêmen.