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"Confiança entre israelenses e palestinos tem que aumentar"

Geraldo Hoffmann e Roselaine Wandscheer (sm)29 de janeiro de 2006

No início da visita da premiê Angela Merkel ao Oriente Médio, especialista palestino analisa em entrevista à DW-WORLD possíveis conseqüências da ascensão do Hamas ao poder por vias democráticas.

Vitória do Hamas poderá pôr fim em atentados suicidas, diz especialistaFoto: AP

DW-WORLD: Como palestino, como o senhor vê a vitória eleitoral do Hamas? O Hamas tem prestígio de fato ou sua eleição pode ser vista como voto de protesto contra a corrupção?

Naser ShroufFoto: DW

Naser Shrouf: O que se nota no momento entre os palestinos são sentimentos mistos. Por um lado, eles estão contentes de dispor de um meio, ou seja, eleições democráticas, para dar uma lição nos corruptos do partido do governo, o movimento Fatah. Por outro, estão inseguros quanto à repercussão desta vitória eleitoral no exterior. Os palestinos sabem que só vai ser possível melhorar suas condições miseráveis com apoio da comunidade internacional.

Mas por que o Hamas?

Acredito que os eleitores optaram pelo Hamas mais por motivos econômicos e sociais do que por sua retórica radical contra Israel e o Ocidente. Naturalmente, os adeptos da ideologia do Hamas esperam que se funde um Estado islâmico na Palestina, mas para isso o movimento não vai obter maioria entre o povo.

Como é viver num território que está em guerra há praticamente décadas?

Evidentemente terrível. A guerra nunca é um estado de normalidade. Só quando vim para a Alemanha entendi o que significa liberdade. Uma vida marcada pelo medo não é vida.

Será que a mídia ocidental compreende o que se passa na Palestina?

A mídia ocidental entende muita coisa de forma errada. Para compreender a vitória do Hamas, é preciso entender a psique e as condições de vida das pessoas que vivem lá. Para elas, o Hamas não é uma organização terrorista. Trinta por cento das famílias na Faixa de Gaza vivem exclusivamente da ajuda social concedida pelo Hamas. E quanto mais o Hamas for atacado pelo Ocidente, maior será o apoio que vai obter da população.

Na mídia ocidental, circulam relatos sobre a intenção do Hamas de fundar um Estado islâmico e criar um exército próprio. Isso é verdade?

Soldados israelenses revistam residências palestinas na Cisjordânia, à procura de armas, 2002Foto: AP

Na minha opinião, a imagem que se transmite é deturpada. A liderança do Hamas evitou deliberadamente falar de um Estado islâmico, assegurando que manterá a forma de sociedade vigente até então. O Hamas também propôs que todos os grupos armados entreguem as armas, a fim de que se forme um Exército nacional. A mídia ocidental também divulgou isso de forma errônea, afirmando que o Hamas pretende criar um exército próprio.

O eleitor palestino tem consciência da importância que o mundo atribui a esta eleição?

Os palestinos sabem muito bem que não é pouca coisa que está em jogo nesta eleição. É o futuro das próximas gerações de palestinos e israelenses, o processo de paz como um todo e as futuras relações com o Ocidente. Os palestinos têm inveja da democracia israelense e, através de sua conduta democrática, quiseram provar ao mundo todo que são capazes de viver em democracia. E realmente conseguiram, dando um exemplo para todo o mundo árabe.

Como foi avaliado o resultado das eleições pelo mundo árabe? Como a opinião pública tratou a vitória do Hamas?

De modo geral, a experiência eleitoral foi avaliada de forma positiva, mas o resultado nem tanto. De qualquer forma, já era de se esperar que o partido do governo sob o presidente Mahmud Abbas seria punido. Agora os povos árabes esperam que isso também possa contagiar seus respectivos países.

Qual é a principal lição que se pode aprender com o desfecho eleitoral na Palestina?

Adeptos do Fatah protestam contra vitória eleitoral do Hamas, 28/01/2006Foto: AP

Que não adianta achar que o povo é burro e não entende muito de política, sendo portanto facilmente influenciável. O povo palestino é especialmente politizado e sabe muito bem o que foi alcançado nos últimos dez anos. Além do mais, ficou evidente que o Hamas tem muito poder e não pode ser combatido com violência. É preciso encontrar uma forma de dialogar com este grupo e integrá-lo no processo democrático.

O Ocidente teme um "Hamastão", a criação de um Estado islâmico radical palestino governado pelo Hamas. O que acontecerá agora?

Este é outro conceito que não contribui em nada para a discussão. "Hamastão" é uma concepção negativa que só torna ainda maior o abismo entre as pessoas. Afinal, agora a Palestina tem um presidente comprometido com a Constituição e empenhado pela paz. Ele conta com o respeito de toda a população.

Qual teria sido o melhor resultado eleitoral, na sua opinião?

Muro entre Israel e territórios palestinos, nas proximidades da CisjordâniaFoto: AP

Para mim, o resultado não pode ser encarado de forma tão negativa. A responsabilidade do Hamas no governo poderá levar ao fim dos atentados suicidas, e isto já seria uma boa base para negociar com Israel. Espero que dê para integrar o Hamas no processo político.

O que tem que acontecer para que o Oriente Médio seja pacificado algum dia?

Tem que aumentar a confiança mútua entre israelenses e palestinos. Israel tem que abrir mão da ocupação e os palestinos têm que desistir de qualquer forma de violência.

Naser Shrouf (35), palestino residente na Alemanha desde 1994, é freqüentemente consultado sobre o conflito no Oriente Médio. Doutor em Letras Germânicas, trabalhou durante dois anos como docente de Lingüística Aplicada e Estudos Culturais na Universidade de Mainz.

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