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Conflito coreano: 70 anos de uma guerra sem fim

Julian Ryall de Tóquio
25 de junho de 2020

Há sete décadas, partes sul e norte da península entravam em conflito. Como um acordo de paz nunca foi firmado, tecnicamente elas seguem em guerra. Ainda hoje, pequeno erro de cálculo pode levá-las de volta às armas.

Televisão mostra Kim Jong-un
Muito se especula sobre os motivos da atual agressividade da Coreia do Norte frente ao vizinho do Sul Foto: picture-alliance/AP/Ahn Young-joon

Em 24 de junho de 1950, tanques norte-coreanos, artilharia móvel e unidades de infantaria se amontoavam um pouco além da fronteira levemente defendida que separava o norte comunista do sul capitalista. A guerra, iniciada um dia depois, há exatos 70 anos, deixou cerca de 4 milhões de mortos - em sua maioria civis - e a península em ruínas. 

Depois de alguns anos do que parecia ser um discurso promissor envolvendo Seul, Pyongyang e Washington, os dois lados lembram, nesta quinta-feira, os tiros iniciais no conflito de três anos, enquanto as tensões aumentam novamente. Analistas admitem que é mais difícil do que nunca compreender a lógica da Coreia do Norte em retornar a beligerância e ameaças. 

O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, decidiu descartou nesta semana uma ação militar contra a Coreia do Sul. Mas tensões entre Pyongyang e Seul vêm aumentando há semanas, com a Coreia do Norte particularmente irritada com o fracasso da Coreia do Sul em impedir que ativistas enviem panfletos anti-Coreia do Norte através da fronteira. 

Em 16 de junho último, a Coreia do Norte explodiu o escritório de ligação intercoreano, na cidade de Kaesong, que servia como embaixada sul-coreana no Norte.

A mídia estatal citou Kim Yo-jong, irmã mais nova do ditador, Kim Jong-un, e cada vez mais poderosa no regime, dizendo que o acordo de 2018 para aliviar as tensões militares na península estava "morto" e que o Norte estava agindo, depois que Seul fracassou em impedir desertores e ativistas de direitos humanos de enviar balões com folhetos de propaganda, notas de dólar e cartões de memória com programas de televisão sul-coreanos através da fronteira com o Norte. 

Seul pediu ao Norte que respeite o pacto destinado a reduzir as tensões bilaterais, mas, com o aniversário do início da guerra, não há sinais de que Pyongyang esteja com disposição para moderar seu comportamento. Pelo contrário, a Coreia do Norte está aumentando a pressão sobre o vizinho do Sul. 

Nesta semana, tropas norte-coreanas foram flagradas tomando preparativos para reinstalar 150 postos de fronteira demolidos sob o acordo de 2018. Há relatos de que armas antiaéreas estariam em posição atrás da linha de frente, presumivelmente para abater qualquer balão de propaganda lançado do Sul.

Na costa oeste da península, foram abertas as portas de segurança das posições de artilharia montadas nas encostas e com vista para a disputada fronteira marítima. Imagens de satélite do estaleiro naval de Sinpo detectaram novas atividades na doca onde está sendo construído o primeiro submarino da Coreia do Norte com capacidade para mísseis balísticos, sugerindo que os testes da embarcação no mar podem não estar muito distantes.

E Pyongyang insiste que continuará com o lançamento de seus próprios pacotes de propaganda em direção ao sul. 

"Tanto a Coreia do Norte quanto a Coreia do Sul parecem estar completamente alheias ao que aconteceu aqui há 70 anos", disse um ex-diplomata de alto escalão. "Mas nos últimos dias, a Coreia do Norte tornou-se completamente beligerante e ameaçadora frente ao Sul", completou, acrescentando que não sabe realmente explicar por que ou o que eles pensam que podem alcançar.

1950: Exército chinês em apoio ao lado norte-coreanoFoto: picture-alliance/CPA Media/Pictures From History

A Guerra da Coreia foi interrompida em 27 de julho de 1953 com a assinatura de um acordo de armistício e sem que qualquer um dos lados pudesse se declarar vencedor. Como um acordo de paz nunca foi assinado, oficialmente Coreia do Sul e Coreia do Norte continuam em guerra.

"Essas ameaças são preocupantes porque o Norte expandiu suas forças militares de forma drástica nos últimos anos e não tenho certeza de que no Sul tenhamos capacidades defensivas suficientes para resistir a elas no momento", afirmou o ex-diplomata.

O diplomata aposentado, que também atuava na inteligência militar sul-coreana, disse à DW sob condição de anonimato que a resposta "fraca" do governo em Seul levou às provocações.

"Eles parecem quase querer se desculpar com o Norte", disse a fonte. "O Norte envia panfletos de propaganda semelhantes há anos ao Sul e não fizemos nada para retaliar."

"Arriscado e tenso" 

"Este governo é formado por pessoas que têm um histórico de ser pró-norte-coreanas e não entendo por que agora estão se desculpando pelos grupos de cidadãos que enviam essas informações para o Norte", disse o ex-diplomata.

Existem muitas teorias sobre o motivo pelo qual a Coreia do Norte de repente assumiu uma postura agressiva em relação ao Sul, aponta Robert Dujarric, professor de relações internacionais na Universidade Temple em Tóquio. 

"Alguns dizem que, enquanto o resto do mundo está preocupado com o coronavírus, Kim quer atenção novamente", disse Dujarric. Segundo ele, outra possibilidade seria que a covid-19 esteja se espalhando no Norte e que o regime esteja tentando impulsionar uma crise para criar uma cortina de fumaça para qualquer dissonância interna.

Ainda outra possibilidade é que uma economia que luta há décadas para não afundar esteja finalmente perto de entrar em colapso como resultado de sanções internacionais, agravadas pelo fechamento da fronteira com a China ‒ um dos poucos aliados e parceiros comerciais restantes para a Coreia do Norte.  

"Existe, sem dúvida, uma situação arriscada e tensa na região no momento, mas precisamos lembrar que enviar propaganda pela fronteira e participar de combates são duas situações muito diferentes", afirmou o professor. "Ao longo das décadas, a Coreia do Norte provou ser muito boa em ser agressiva e fazer pressão para conseguir o que quer, sem cruzar nenhuma linha vermelha que levaria os EUA a entrar em guerra."

E Dujarric acredita que esse é o mesmo manual que Pyongyang está seguindo agora, ao tentar obter concessões da comunidade internacional, principalmente a suspensão de sanções.

Analistas concordam que o problema surge quando um lado ou outro comete um erro de cálculo relativamente pequeno ‒ como algumas balas de fuzil perdidas na zona desmilitarizada ou um barco-patrulha que cruza inadvertidamente a fronteira marítima ‒ que leva a uma resposta rápida e violenta e que depois acelera e aumenta.

A preocupação é que, desde que o Norte cortou todas as comunicações com o Sul, não há como distender a situação, antes que ela se torne o tipo de conflito que abalou a península há 70 anos. 

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