Congressistas do EUA pedem perdão por ditadura chilena
22 de setembro de 2023
Grupo de parlamentares apresenta resolução para que Estados Unidos reconheçam papel que desempenharam no golpe de Estado que levou Augusto Pinochet ao poder.
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Um grupo de congressistas americanos apresentou nesta quinta-feira (21/09) uma resolução por meio da qual pedem desculpas pelo papel que os Estados Unidos desempenharam no golpe de Estado de 1973 no Chile e na consequente ditadura militar, que durou 17 anos, até 1990, sob comando do general Augusto Pinochet.
O texto, que exige também a divulgação de documentos ainda secretos em arquivos americanos sobre o regime militar chileno, foi redigido pelos progressistas Bernie Sanders, Tim Kaine, Alexandria Ocasio-Cortez, Joaquín Castro, Greg Casar, Jeff Merkley e Chris Murphy.
Divulgado na véspera da chegada do presidente chileno Gabriel Boric a Washington, após ele ter participado da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, o documento expressa "profundo pesar pela contribuição dos EUA para a desestabilização das instituições políticas e dos processos constitucionais do Chile".
A resolução, que deve ser submetida à votação no Congresso americano, lamenta o "apoio dos EUA à consolidação da ditadura militar repressiva do general Pinochet" e enfatiza que "uma prestação total de contas [por parte dos EUA]" exige a divulgação de documentos que ainda não foram tornados públicos.
Ao mesmo tempo, a proposta também reconhece que o Congresso americano teve papel decisivo ao trazer à tona as "atrocidades" cometidas pelo regime de Augusto Pinochet (1973-1990) contra os chilenos. E destaca ainda o esforço de forças pró-democracia no Chile, com o apoio de movimentos de direitos humanos dos EUA e de outros países, para acabar com o regime e restaurar o governo civil.
Os legisladores promovem ainda uma salva de palmas ao povo chileno "por reconstruir uma democracia forte e resistente contra as forças do autoritarismo", e ressaltam estar comprometidos em trabalhar no processo de "verdade e reconciliação".
"Devemos deixar claro que lamentamos nosso envolvimento e nos comprometemos a apoiar a democracia chilena", disse Sanders, por meio de um comunicado.
Alexandria Ocasio-Cortez pediu o reconhecimento do "passado complicado" dos EUA e a divulgação de mais arquivos, argumentando que "muitas perguntas permanecem" em aberto e "o povo do Chile e as vítimas da violência de Pinochet merecem respostas".
Documentos já divulgados
A pedido do governo chileno, alguns documentos relacionados a esse período no Chile já foram divulgados pelos EUA nas últimas semanas. No dia 25 de agosto, o Departamento de Estado divulgou trechos de dois documentos de 1973 que mostram que o ex-presidente Richard Nixon estava ciente dos planos dos militares para derrubar o então presidente chileno, Salvador Allende (1970-1973).
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No primeiro, datado de 8 de setembro de 1973, conselheiros de Nixon alertaram sobre uma "possível tentativa de golpe" no país latino-americano. No segundo, de 11 de setembro, eles informaram que várias "unidades militares importantes" apoiaram o golpe que havia ocorrido naquele dia.
Depois de mil dias no poder, Allende se preparava para convocar um plebiscito na tentativa de superar a grave crise política e econômica que o país vivia. Mas acabou derrubado pelas Forças Armadas, lideradas por Pinochet, que tinha o apoio dos EUA em um contexto de Guerra Fria, portanto contra a influência soviética.
DW Revista: Os 50 anos do golpe militar no Chile
Ditadura sangrenta e punições
No final da manhã de 11 de setembro de 1973, militares chilenos bombardearam o Palácio de La Moneda, em Santiago, e invadiram a sede do Executivo, derrubando o governo Allende e, assim, dando início a uma era de 17 anos de regime militar, sob comando de Pinochet.
A ditadura chilena fez 40 mil vítimas, entre as quais mais de 3 mil morreram ou desapareceram, segundo registros oficiais.
Ainda hoje, o país latino-americano segue processando e punindo militares que cometeram crimes durante o regime. O caso mais recente foi o de sete militares condenados em agosto pelo sequestro e assassinato do cantor Víctor Jara, símbolo da canção de protesto chilena nos anos 70.
Mais de 1,5 mil agentes da ditadura chilena já foram processados por crimes cometidos no regime, o que coloca os chilenos à frente do Brasil no quesito justiça de transição – prática de estados que migram de ditaduras para democracias e processam os crimes cometidos por membros do regime anterior, por meio da apuração dos fatos, reparação de danos causados às vítimas e processo de pacificação, com o objetivo de evitar que as violações se repitam no futuro.
gb/cn (AFP, EFE)
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.