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HistóriaBrasil

Adelina Charuteira, a escravizada que ajudava abolicionistas

19 de novembro de 2024

Filha de uma escravizada com um senhor branco, Adelina circulava por São Luís do Maranhão e atuava como sentinela, avisando os abolicionistas e os escravizados em fuga quando e onde havia alguma operação policial.

Adelina, a Charuteira
Adelina provavelmente nasceu em 1859. Conta que ela era filha de uma escrava "conhecida como Boca da Noite e de um rico senhor".Foto: Arquivo Nacional

Não há muitas informações sobre quem teria sido Adelina, a Charuteira, bem como nenhuma imagem conhecida dela. Mas é sabido que ela, com sua capacidade de se infiltrar em diversos pontos de São Luís do Maranhão, auxiliou no movimento abolicionista que tomava corpo na capital maranhense, sobretudo entre estudantes da elite.

Em seu Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, o sociólogo Clóvis Moura (1925-2003), tem um verbete sobre ela. Segundo ele, "Adelina, charuteira em são Luís do Maranhão, era quem transmitia informação para a associação Clube dos Mortos”".

Clube dos Mortos era um grupo abolicionista radical que atuava na capital maranhense, ajudando a libertação de escravizados.

O ofício de charuteira

Adelina provavelmente nasceu em 1859. O Dicionário Mulheres do Brasil - De 1500 até a atualidade, organizado pela pedagoga e militante feminista Schuma Schumaher e pelo psicólogo Érico Vital Brazil, também dedica um verbete à Adelina. Conta que ela era filha de uma escrava "conhecida como Boca da Noite e de um rico senhor".

Acredita-se que o nome verdadeiro da mãe fosse Josepha Tereza da Silva. O pai era João Francisco da Luz.

"Adelina era uma escrava inteligente e arguta”, diz o sociólogo Moura. "Sabia ler e escrever, fazia bordado e costura. Sua mãe criara todos os filhos do senhor e, no leito de morte, recebera a promessa de que ele libertaria a filha assim que ela completasse 17 anos, ‘quando já deveria ter juízo e não se perderia mais'."

Se a promessa foi ou não cumprida, há divergências. De acordo com o Dicionário Mulheres do Brasil, não. Mas como durante a sua adolescência o seu pai sofreu "um revés financeiro, empobreceu e passou a fabricar charutos”, a menina se tornou a "encarregada das vendas".

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Moura diz que ela se tornou vendedora de charutos aos 16 anos, "poucos meses antes de obter a própria alforria". Para ele, portanto, Adelina acabou se tornando uma liberta.

Fato é que, livre ou cativa, ela sempre teve o álibi de circular pelas ruas de São Luís. "Duas vezes ao dia, ia pela cidade entregando tabuleiros de charutos de botequim em botequim, e vendendo avulso para os transeuntes”, informa o verbete do Dicionário Mulheres.

Um dos pontos recorrentes de seu circuito de vendas era o Largo do Carmo. Ali funcionava o tradicional Liceu Maranhense, uma escola de ensino médio que formava a elite local. Os estudantes se tornaram clientes de Adelina. E Adelina aprendeu sobre o abolicionismo com eles.

"Aí teve a oportunidade de assistir a numerosos comícios abolicionistas promovidos pelos estudantes nas escadarias da escola", completa o Dicionário Mulheres. "Apaixonou-se pela causa e passou a frequentar manifestações e passeatas em prol da abolição da escravidão."

Mas é preciso ter cuidado com o termo abolicionismo, lembra a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado, professora na Universidade de São Paulo (USP) e autora de, entre outros, Geminiana e Seus Filhos - Escravidão, Maternidade e Morte no Brasil do Século 19.

Para ela, no Brasil houve abolicionismo "apenas na década de 1880", "liderado por personagens brancos, políticos", "paternalistas e autoritários". "Ele [o abolicionismo] é antiescravista mas também antiescravo, assim como a literatura dita abolicionista no Brasil que retratou personagens negros como pessoas péssimas”, comenta.

Machado acrescenta, contudo, "que nem todo mundo pensava igual". E que  nesse caldo histórico acabou ocorrendo "a participação de pessoas livres e populares, e aí encontram-se outras possibilidades como é o caso da Adelina".

Uma agente em movimento

"A moça fazia charutos que eram vendidos a compradores avulsos ou a casas comerciais", explica Moura. "Essa atividade lhe dava condições de acompanhar a movimentação abolicionista e circular nos mais variados meios sociais da capital maranhense, inclusive entre os escravistas, de cujos planos informava os abolicionistas, propiciando, assim, a fuga de escravos."

Esse vaivém pelas ruas fez com que ela formasse "uma vasta rede de relações" e conhecesse "todos os meandros da cidade", explica o Dicionário Mulheres. "Sua facilidade em circular pelas ruas tornou-se seu maior trunfo na luta contra a escravatura, pois possibilitava que os ativistas do movimento se antecipassem às ações da polícia e articulassem fugas de escravos”, complementa o verbete.

Ou seja, seu trânsito-livre fazia dela peça-chave: ela conhecia a todos e atuava como sentinela, avisando os abolicionistas e os escravizados em fuga quando e onde havia alguma operação policial.

"Essa ideia de circulação é bem comum [em histórias relacionadas à lutas contra a escravidão]. A importância da mobilidade, da capacidade de se deslocar era determinante para a pessoa poder se envolver nesses movimentos", contextualiza a historiadora Machado.

Adelina teria ajudado pessoalmente alguns a escaparem. Um exemplo seria o caso de uma escravizada conhecida como Esperança. Ela estava grávida de um comerciante português e queria desesperadamente fugir, para que pudesse viver com ele e para que o filho do casal nascesse longe do cativeiro. Adelina teria acionado seus contatos e conseguido uma maneira para que os dois fossem, em segurança, a uma vila no interior da então província do Ceará.

O sociólogo Moura coloca ainda Adelina como um lembrete de que "no movimento abolicionista houve também a participação de mulheres escravas". Não se tem registro de quando ela morreu.

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