Conselho de Direitos Humanos da ONU tem adesões controversas
13 de outubro de 2018
Em votação sem concorrentes, países acusados de violar os direitos humanos – como Eritreia e Filipinas – ganham assento no órgão das Nações Unidas e geram onda de críticas por parte de ONGs e dos Estados Unidos.
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Organizações de ativistas e os Estados Unidos condenaram ao longo deste sábado (13/10) a eleição de nações como Eritreia e Filipinas – acusadas de abusos de direitos humanos – para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, após votação controversa realizada nesta sexta-feira.
Cerca de um terço dos assentos do conselho de 47 membros, com sede em Genebra, estava vago para novos membros, que cumprirão um mandato de 2019 a 2022. Ao menos 97 votos, entre os 193 países da Assembleia Geral da ONU, são necessários para que uma nação seja eleita.
Pela primeira vez desde que o conselho foi criado em 2006, todas as regiões participantes concordaram previamente que 18 países concorreriam aos 18 assentos disponíveis – eliminando assim qualquer concorrência. Todos os candidatos superaram os 97 votos necessários e foram eleitos.
Entre os países que ganharam uma cadeira – e foram imediatamente criticados por grupos de direitos humanos – estão Bahrein, Bangladesh, Camarões, Eritreia, Somália e Filipinas, este último condenado internacionalmente por sua violenta guerra ao tráfico de drogas.
Várias organizações europeias, americanas e canadenses argumentaram que esses seis países "não estão qualificados" para serem membros do Conselho de Direitos Humanos, criado para promover e proteger os direitos humanos em todo o mundo.
"Ao lançar como candidatos sérios violadores de direitos e apresentar o mesmo número de concorrentes e de assentos disponíveis, os grupos regionais arriscam comprometer a credibilidade e a eficácia do conselho", opinou o Human Rights Watch, com sede em Nova York.
Louis Charbonneau, diretor da organização dentro das Nações Unidas, chamou a votação de "ridícula" e afirmou, no Twitter, que ela "ridiculariza o termo 'eleição'".
O Human Rights Watch ainda condenou as políticas repressivas de combate às drogas promovidas pelo presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, descrevendo-as como um "frenesi assassino que deixou milhares de mortos". O grupo também acusou a Eritreia de perseguir e prender críticos ao governo.
O governo filipino rejeita alegações de abusos de direitos humanos, argumentando que Duterte apenas emprega o "uso legal da força" contra ameaças ao país. A Eritreia também nega veementemente qualquer acusação e insiste que trata bem seus cidadãos.
Outra organização que criticou a votação desta sexta-feira foi a Anistia Internacional, declarando que "exaltar Estados acusados de graves violações e abusos de direitos humanos é um tremendo revés".
"[Elegê-los] coloca esses países no cenário mundial e, além disso, dá poder para que eles enfraqueçam as noções de direitos humanos reconhecidas internacionalmente", disse o diretor de advocacia do escritório da organização nos Estados Unidos, Daniel Balson.
Washington também se pronunciou. Nikki Haley, que nesta semana comunicou sua renúncia ao cargo de embaixadora americana na ONU, afirmou que a votação provou que os Estados Unidos estavam certos em deixar o Conselho de Direitos Humanos, em decisão anunciada em junho.
"Mais uma vez países com péssimos registros de direitos humanos foram eleitos sem concorrência. Essa falta de padrões segue minando a organização", afirmou Haley. "Os Estados Unidos continuarão apoiando reformas que tornem o Conselho de Direitos Humanos credível."
Ao anunciar sua saída do conselho há quatro meses, Washington acusou o grupo formado por 47 países de ser um "protetor de violadores dos direitos humanos" e afirmou que só retornará ao órgão se reformas profundas forem promovidas.
Entre as mudanças defendidas pelo país está garantir que nações que violam os direitos humanos não sejam eleitas para o conselho, bem como tornar mais fácil a expulsão de um Estado-membro que infrinja as normas. Atualmente, é necessário que ao menos dois terços dos 193 membros da Assembleia Geral da ONU aprovem a suspensão de um integrante.
Nesta sexta-feira, foram eleitos 18 novos membros para o conselho: cinco da África (Burkina Faso, Camarões, Eritreia, Somália e Togo), cinco da região Ásia-Pacífico (Bahrein, Bangladesh, Fiji, Índia e Filipinas), dois do Leste Europeu (Bulgária e República Tcheca), três da América Latina e Caribe (Argentina, Bahamas e Uruguai) e três da Europa Ocidental e outros (Áustria, Dinamarca e Itália).
O Conselho de Direitos Humanos se reúne três vezes ao ano para analisar suspeitas de violações de direitos humanos em todo o mundo. Recentemente aprovou investigações independentes na Síria, Coreia do Norte, Mianmar e Sudão do Sul. Suas resoluções não são legalmente obrigatórias, mas costumam ter autoridade em outros conselhos da ONU.
Os principais pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Proclamada em 1948, carta é válida para todos os Estados-membros das Nações Unidas. Mas ainda há um longo caminho até que o documento seja implementado para todos, em todo o mundo.
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Direitos iguais para todos (Artigo 1°)
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos." Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O ideal é claro, mas continua muito distante de encontrar aplicação concreta.
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Ter e viver seus direitos (Artigo 2°)
Todos os direitos e liberdades da Declaração se aplicam a todos, que podem invocá-los independente de "raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra condição". No nível internacional, contudo, é quase impossível reivindicar esses direitos.
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Direito à vida e à liberdade (Artigos 3°, 4°,5°)
"Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." (3°) "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão." (4°) "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante" (5°).
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Igualdade perante a lei (Artigo 6° a 12)
Toda pessoa tem direito a um julgamento justo e à proteção da lei (6°, 8°, 10, 12). Todos são considerados inocentes até que a sua culpabilidade seja comprovada (11). "Todos são iguais perante a lei" (7°) e "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" (9°).
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Ninguém é ilegal (Artigos 13, 14, 15)
"Todo indivíduo tem o direito de livremente circular e escolher o seu domicílio dentro de um Estado". "Todos têm o direito de deixar qualquer país" (13). "Toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar asilo em outros países" (14). "Todo indivíduo tem o direito a ter uma nacionalidade" (15).
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Contra os casamentos forçados (Artigo 16)
Homens e mulheres têm direitos iguais antes, durante e depois do casamento. Um casamento "será válido somente com o livre e pleno consentimento dos futuros esposos". A família tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Mais de 700 milhões de mulheres em todo o mundo vivem em um casamento forçado, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
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Direito à propriedade (Artigo 17)
"Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, à propriedade. Ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua propriedade." Ainda assim, seres humanos são expulsos de suas terras em todo o mundo, por não terem documentos válidos – a fim de abrir caminho para o desenvolvimento urbano, a extração de matérias primas, a agricultura, ou para uma barragem de hidrelétrica, como no Brasil.
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Liberdade de opinião (Artigos 18, 19, 20)
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião" (18). "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão" (19). "Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas" (20).
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à participação (Artigos 21, 22)
"Todo indivíduo tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" (21). Há um "direito à segurança social" e garantia de direitos econômicos, sociais e culturais, "que são indispensáveis à dignidade" (22).
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Direito ao trabalho (Artigos 23 e 24)
"Toda pessoa tem direito ao trabalho". "Toda pessoa tem direito a igual remuneração por igual trabalho". "Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória" e pode participar de um sindicato (23). "Toda pessoa tem direito ao lazer" (24).
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Uma vida digna (Artigo 25)
"Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais necessários". "A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais." No mundo inteiro, mais de 2 bilhões estão subnutridos, mais de 800 milhões passam fome.
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à educação (Artigo 26)
"Toda pessoa tem direito à educação". O ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito para todos. "A educação deve ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do respeito aos direitos humanos." Na prática, 750 milhões de pessoas no mundo são analfabetas, das quais 63% são mulheres e 14% são jovens entre 15 e 24 anos, afirma o relatório sobre educação da Unesco.
Foto: DW/H. Hashemi
Arte e ciência (Artigo 27)
"Toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico". Todos os "autores de obras de ciência, literatura ou arte" estão protegidos legalmente. Hoje, a distribuição digital de muitas obras é algo controverso. Muitos autores veem seus direitos autorais violados pela distribuição na internet.
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Direitos indivisíveis (Artigos 28, 29, 30)
"Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades possam ser plenamente realizados" (28). "Toda pessoa tem deveres para com a comunidade" (29). Nenhum Estado, grupo ou pessoa pode limitar os direitos humanos universais (30). Todos os Estados-membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.