Conselho de Segurança reflete tensão após bombardeio
14 de abril de 2018
Em reunião de emergência, órgão da ONU rejeita resolução russa que pedia condenação do ataque ocidental à Síria. EUA dizem estar armados e prontos para disparar. Rússia acusa Ocidente de "hooliganismo diplomático".
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O Conselho de Segurança das Nações Unidas rejeitou neste sábado (14/04), em reunião de emergência, uma resolução apresentada pela Rússia que pedia a condenação dos bombardeios realizados na Síria por Estados Unidos, Reino Unido e França durante a madrugada.
No pedido, Moscou considerava que o ataque representa uma violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, além de expressar "grave preocupação" pela "agressão" contra a soberania territorial da Síria. O documento ainda exigia que os três países responsáveis evitem no futuro o uso da força contra o regime de Bashar al-Assad.
Além da Rússia, somente China e Bolívia votaram a favor da resolução. Oito países votaram contra – EUA, Reino Unido, França, Suécia, Costa do Marfim, Kuwait, Holanda e Polônia –, e quatro se abstiveram – Peru, Cazaquistão, Etiópia e Guiné Equatorial.
A votação ocorreu ao fim de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança, solicitada neste sábado pela Rússia para discutir a situação na Síria. O resultado refletiu um apoio aos bombardeios ocidentais, mas também demonstrou novamente a paralisia do órgão mais poderoso da ONU para lidar com o conflito na Síria.
Na madrugada deste sábado, EUA e aliados lançaram mais de cem mísseis em território sírio, em resposta ao suposto ataque químico na cidade síria de Duma, que matou mais de 40 pessoas na semana passada e é atribuído pelo Ocidente ao regime de Assad.
A Rússia e a Síria, por outro lado, afirmam não haver evidências do uso de armas químicas em Duma, último bastião dos rebeldes em Ghouta Oriental, e alegam que o ataque foi fabricado.
Troca de acusações e ameaças
Após a votação, o embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia, declarou que a reunião do órgão confirmou que os EUA e seus aliados "continuam colocando a diplomacia e a política internacional na esfera da criação de mitos, inventados em Londres, Paris e Washington".
"Por que vocês não aguardaram o resultado da investigação que vocês mesmo solicitaram [antes de bombardear a Síria]?", questionou Nebenzia. "Vocês não estão apenas se colocando acima da lei internacional, mas estão tentando reescrever a lei internacional."
Mais cedo, em discurso durante a reunião, o embaixador russo acusou EUA, França e Reino Unido de "hooliganismo diplomático" e considerou que os bombardeios contribuem para "tornar uma situação humanitária catastrófica ainda pior".
Os três países, por sua vez, defenderam a ação militar deste sábado perante o Conselho de Segurança, afirmando que ela teve como foco o coração do programa de armas químicas sírio.
"Estamos confiantes de que paralisamos o programa de armas químicas da Síria. Estamos preparados para manter essa pressão, se o regime sírio for insensato o suficiente para testar nossa vontade", afirmou a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley.
A diplomata acrescentou que, se Assad continuar empregando armas químicas em seu país, "os Estados Unidos estão armados e prontos para disparar". "Quando o nosso presidente estabelece uma linha vermelha, ele respeita essa linha", declarou Haley.
Em discurso semelhante, a embaixadora do Reino Unido na ONU, Karen Pierce, também defendeu os bombardeios, afirmando ser "correto e legal" lançar ataques com a intenção de aliviar o sofrimento humanitário.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, informou que pediu ao enviado especial da ONU para a crise síria, o diplomata Staffan de Mistura, que retorne a Nova York o quanto antes para que o órgão possar traçar uma estratégia. Segundo ele, "a Síria representa hoje a mais séria ameaça à paz e à segurança internacional".
Em discurso perante o Conselho de Segurança, Guterres ainda pediu "a todos os Estados-membros que, neste momento crítico, ajam de forma consistente com a Carta das Nações Unidas e com a lei internacional, incluindo as normas contra o uso de armas químicas".
Reações internacionais
A ação militar deste sábado desencadeou uma série de reações em todo o mundo. O Ocidente saiu em peso para apoiar o ataque, com a Alemanha e a União Europeia dizendo estarem ao lado dos EUA. Já Assad e seus aliados – Rússia, Irã e Hisbolá – reagiram com indignação e ameaças.
A Otan, por sua vez, expressou seu "total apoio à ação que pretendeu degradar a capacidade de armas químicas do regime sírio e deter novos ataques com armas químicas contra o povo da Síria".
"As armas químicas não podem ser usadas com impunidade ou normalizadas. Elas representam um perigo imediato para a população síria e para nossa segurança coletiva", afirmou Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, após uma reunião em Bruxelas com embaixadores dos 29 países-membros do órgão.
O presidente russo, Vladimir Putin, denunciou o bombardeio como um "ato de agressão", que vai ampliar a catástrofe humanitária na Síria: "O ataque teve uma influência destrutiva no sistema interior de relações internacionais."
Contudo, não está claro o real alcance dos bombardeios. A França afirma que "grande parte" do arsenal químico sírio foi destruída, enquanto a Rússia alega que 71 dos 103 disparos foram interceptados pelo sistema de defesa de Assad.
EK/afp/ap/efe/lusa/rtr
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Cronologia da guerra na Síria
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.