Conselho do Ministério Público pune Deltan com advertência
26 de novembro de 2019
Sanção é a mais leve na escala de punições do órgão, mas a primeira na carreira do coordenador da força-tarefa da Lava Jato. Caso envolveu críticas ao STF, que foi acusado por Deltan de "leniência com a corrupção”.
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O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu nesta terça-feira (26/12) aplicar uma pena de advertência ao procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
O processo administrativo disciplinar (PAD) contra Deltan envolveu suspeita de "manifestação pública indevida". O caso foi aberto em 2018, após o procurador conceder uma entrevista de rádio na qual acusou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de "leniência" com a corrupção. O encaminhamento foi feito pelo próprio presidente do tribunal, Dias Toffoli.
A decisão pela advertência foi definida por oito votos a três. Mesmo antes do julgamento, a expectativa entre os conselheiros do CNMP de que Deltan só seria punido com uma simples advertência, e não com uma censura, suspensão do cargo ou afastamento definitivo.
Na prática, a advertência se resume a uma crítica pública ao procurador, a punição mais leve prevista entre as sanções que podem ser impostas pelo CNMP. Ainda assim, trata-se da primeira punição disciplinar da carreira de Deltan.
O relator do caso no conselho, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, foi o primeiro a votar pela advertência. Em seu voto, ele disse que Deltan atacou a honra dos membros do STF com um discurso "contundente e hostil" e que a fala foi marcada pela "ausência de zelo pelo prestígio de suas funções, falta de decoro e urbanidade".
Já o advogado de Deltan Dallagnol, Francisco Rezek, tentou minimizar a fala do coordenador da força-tarefa como uma "infelicidade", mas que se enquadrava dentro dos limites do direito à liberdade de expressão. "Não se vê aí mais que um excesso de zelo, levando a uma linguagem imprópria", disse Rezek.
O mesmo caso também chegou a provocar a abertura de uma investigação pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), mas o procedimento acabou sendo arquivado, sob o entendimento que a fala do procurador não havia extrapolado o direito de liberdade de expressão.
Durante a entrevista, em 2018, Deltan não mencionou especificamente nenhum ministro do STF, mas disse que um grupo deles havia formado uma "panelinha" que mandava "uma mensagem muito forte de leniência a favor da corrupção" ao determinar a soltura de presos da Lava Jato e a redistribuição de processos.
"Eu não estou dizendo que estão mal-intencionados nem nada, estou dizendo que objetivamente a mensagem que as decisões mandam é de leniência. E esses três de novo olham e querem mandar para a Justiça Eleitoral como se não tivesse indicativo de crime? Isso para mim é descabido", disse Deltan, na mesma entrevista.
Após o anúncio da sanção imposta pelo CNMP, Deltan publicou uma mensagem em suas redes sociais.
"A advertência aplicada a mim pelo CNMP hoje por ter criticado decisões de ministros do Supremo, exercendo o direito à liberdade de expressão e crítica, não reflete o apreço que tenho pelas Instituições. Minha manifestação decorre de um sistema de justiça que não funciona, em regra, contra poderosos, e é na omissão e no silêncio que a injustiça se fortalece. O debate dos problemas de nosso sistema é essencial. Continuarei trabalhando para fazer a minha parte em reduzir a corrupção e a impunidade. Agradeço por todas as mensagens de apoio que estou recebendo. Significam muito pra mim."
Ainda no CNPM, Deltan é alvo de três outros pedidos de procedimentos disciplinares. Um deles envolve uma representação movida pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), com base em mensagens publicadas pelo procurador contra a eleição do político alagoano para a Presidência do Senado. Outro envolve uma representação movida pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO), pedindo a remoção de Deltan da força-tarefa "por interesse público". O terceiro caso envolve um pedido do ex-presidente Lula por causa da notória apresentação da denúncia contra o petista que envolveu Powerpoint.
Já a análise do caso envolvendo as críticas ao STF foi marcada por um vai e vem de decisões judiciais para adiar o procedimento. Em agosto, um juiz federal do Paraná que já atuou na Lava Jato determinou o adiamento da análise do processo administrativo, após atender a um pedido da defesa de Deltan.
Em 11 de novembro, foi a vez de o ministro Luiz Fux, do STF, determinar que o CNMP não deveria julgar o procedimento. No entanto, uma semana depois, Fux reverteu a decisão e liberou o julgamento. Depois foi a vez de a juíza substituta Giovanna Mayer, da 5ª Vara Federal de Curitiba, determinar mais uma suspensão. Fux acabou derrubando a decisão da juíza em 22/11, permitindo que o julgamento no CNMP marcado para esta terça-feira finalmente pudesse ocorrer.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
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O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
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O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
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De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.